No Brasil, cerca de 2 mil pessoas foram contempladas no Chevening Scholarships, programa que concede bolsas de estudo financiadas pelo Reino Unido. A iniciativa vigora desde 1983 e, a cada ano, apoia estudantes de mais de 160 países a cursarem um ano de mestrado em qualquer universidade britânica, em diversas áreas de interesse, com todas as despesas pagas.
No ciclo 2022-2023, foram selecionados 50 brasileiros de 15 estados, que vão estudar em 24 universidades da Inglaterra, da Escócia e do País de Gales. O programa está com inscrições abertas para o ciclo 2023-2024 e se estende até 2 de novembro.
Entre os bolsistas, as iniciativas de duas mulheres brasileiras pretendem inovar as estruturas pedagógicas, tecnológicas e sociais do país. Desde a inserção da realidade virtual no processo de aprendizagem de aldeias indígenas até o fortalecimento do fomento de pesquisas em território nacional, em especial, na área da saúde pública.
A brasiliense Petra Araújo, 29 anos, figura entre o grupo contemplado com bolsa de estudos para o Reino Unido. Ela ingressa na Universidade de Oxford, em 3 de outubro, para fazer mestrado em saúde global e epidemiologia. Formada em medicina pela Universidade de Brasília (UnB), em 2017, Petra trabalha na área de estratégia de saúde da família em Valparaíso de Goiás e, desde 2018, integra o quadro do programa Mais Médicos.
O interesse por saúde pública motivou a jovem a expandir seu conhecimento na área e, assim, aplicá-lo no Sistema Único de Saúde (SUS). Ela revela que a estadia na terra da Rainha marca "um velho sonho de mudar o mundo". Petra pretende dominar os métodos e práticas ligados a estudos científicos na área da saúde e adaptá-los ao cenário do Brasil. "Meu objetivo é compartilhar com meus colegas de profissão e pesquisadores brasileiros técnicas e conhecimentos na produção de artigos ou pesquisas relacionada à saúde", pontua.
"É necessário que haja uma iniciativa de fomento de pesquisas em território nacional, reduzindo o número de estudos 'importados'", acredita. De acordo com Petra, estudos relacionados a essa temática são majoritariamente produzidos em inglês e realizados com pessoas de outros países, o que, ainda segundo ela, exclui a diversidade e características únicas, como condições de vida da população brasileira.
Para ela, é de suma importância estimular crianças e adolescentes ao estudo de outro idioma, em especial o inglês, devido a grande quantidade de artigos e comunicações científicas divulgadas neste idioma. "Esse aprendizado abre muitas portas, como a oportunidade de estudar no exterior, de receber uma bolsa de estudos. O estudo da língua inglesa foi algo que meus pais tentaram incentivar desde cedo", diz.
Petra conta que a escolha pela Universidade de Oxford surgiu durante a pandemia do coronavírus, época em que estudantes, professores e pesquisadores da instituição estavam dispostos a compartilhar conhecimentos com outras nações a respeito de imunizantes e medicações contra a doença.
Petra foi cativada por esse pensamento e, por isso, decidiu estudar na universidade oxfordiana. "Estudar na Inglaterra vai ser uma honra, pois vou integrar um projeto maior que pode estreitar a relação entre os dois países", compartilha.
Para ela, o programa é uma maneira de Brasil e Reino Unido trocarem experiências e conhecimentos. Ela lembra que ficou em estado de choque quando recebeu a notícia. "A gente se inscreve, claro, sempre com esperança, mas não imaginava que seria agraciada com uma aprovação. Simplesmente uma alegria indescritível e imensurável", afirma.
A brasiliense recomenda a participação no processo do Chevening para desenvolver ideias e iniciativas. "É um processo longo, mas que vale a pena. O mais importante é acreditar no seu potencial", afirma. As figuras responsáveis por acalmar e incentivar Petra durante todo o processo do programa foram membros de sua família: o pai, a mãe, as duas irmãs e o noivo, que irá acompanhá-la na viagem para Inglaterra.
O casal embarca no final deste mês para o Reino Unido, o noivo vai cursar pós-doutorado na área de educação física, com especialização em sociologia do esporte na Loughborough University, admitido fora do Chevening.
A médica admite que sentirá saudades da rotina hospitalar no Brasil, assim como dos seus pacientes e colegas, pois essas vivências criam vínculos. "Mas saber que estou indo para somar consola o coração", diz. No momento, o casal está à procura de apartamento nos arredores da cidade Oxford para se mudar. Com aulas previstas para 3 de outubro, Petra pretende se mudar uma semana antes para se adaptar à nova vida nos próximos 12 meses.
Mais tecnologia em aldeias indígenas
A professora de biologia carioca Rayssa Motta Faro, 33 anos, também agraciada com bolsa do chevening, é mais uma a fazer intercâmbio no Reino Unido com a promessa de voltar ao Brasil para colocar em prática os novos conhecimentos. Seu objetivo é implantar nas aldeias indígenas do Brasil o ensino por meio da realidade virtual. Rayssa foi aprovada na University College London (UCL) para cursar mestrado em digital media education (mídias digitais para educação).
Essa é a terceira vez que Rayssa tenta obter uma bolsa para o exterior. Ela atribui parte da conquista à sua família, em especial sua mãe, e aos amigos. “Os amigos são essenciais para reafirmar a nossa capacidade. São eles que lembram quem você é. Realmente, eles foram a base para conseguir passar no chevenig”, conta.
Ela atribui parte da conquista à sua família, em especial sua mãe, amigos e colegas. “Os amigos são essenciais. São eles que lembram quem você é. Eles foram a base para conseguir passar no chevenig”, completa.
A bióloga recebeu a carta de aprovação no processo de chevening com muita emoção. “Até agora estou extasiada. Ainda não consigo acreditar que vou realizar um dos meus sonhos”, diz.
Rayssa revela que sua atuação em projetos sociais sempre vem desde os tempos de adolescente. Há anos ela trabalha com o uso de tecnologia em aldeias indígenas, mas pretende ampliar o projeto com ferramentas de qualidade e novas técnicas a serem aprendidas no exterior.
Ela expõe a necessidade do deslocamento dos indígenas para cidades para ter acesso à educação de qualidade como um dos pontos que justifica a necessidade desse material complementar. E afirma que esta é uma peça-chave em direção à democratização do acesso ao ensino, que facilita a rotina de quem precisa percorrer quilômetros em busca de aprendizado.
Em abril de 2018, Rayssa enviou para o festival de cinema de Cannes um teaser intitulado Eurydice, uma releitura de Orpheu Negro, em realidade virtual. Participou do projeto como produtora. Meses após o sucesso no festival, fundou a Kilig Vídeos, em conjunto com sua atual sócia, a equatoriana Isabel Herrera. A empresa é especializada em realidade virtual com o propósito de direcionar a tecnologia em projetos educacionais. No ano passado, elas participaram da Shell Iniciativa Jovem, com selo de empreendimento sustentável.
A UCL tem parceria com a British Film Institute (BFI), entidade filantrópica das artes cinematográficas. Ela destaca que aprender com as pessoas do BFI é uma oportunidade enriquecedora para crescer na área, além de estabelecer uma boa rede de contatos.
Em meio a cortes na educação, pesquisas e a falta de recursos direcionados a projetos culturais e audiovisuais, a iniciativa de Rayssa encontra diversos obstáculos no quesito investimento. Uma das saídas, segundo ela, é recorrer a apoios internacionais e de órgãos ligados à causa indígena.
“É o momento que podemos mostrar para o mundo que conseguimos desenvolver projetos tanto ligados à educação como à tecnologia de referência internacional”, afirma. “Com o governo financiando líderes, conseguiríamos ainda mais”, completa. Ela defende a volta de programas promovidos pelo governo brasileiro para pesquisadores conseguirem desenvolver esses projetos de impacto social. “Tem muita gente com iniciativas bacanas e inovadoras, mas que precisam desse apoio. O Brasil tem tudo para avançar nesse quesito e se tornar referência em pesquisas”, conclui.
Quando retornar ao Brasil, depois de um ano, ela pretende aplicar os aprendizados em locais isolados — exceto em aldeias que optaram por não manter contato com mundo exterior — e em grandes centros urbanos. As aulas do mestrado começam em 26 de setembro, e Rayssa pretende viajar 10 dias antes para conhecer a cidade.
*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende