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Discriminação

Direito à maternidade ainda é colocado em xeque no Brasil

Discriminação Durante audiência on-line da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), a advogada Malu Borges Nunes foi repreendida por desembargador que presidia a sessão pelo fato de estar amamentando a filha

Repreendida em uma audiência virtual por amamentar a filha de 6 meses durante uma sessão plenária, a advogada catarinense Malu Borges Nunes, 29 anos, recebeu apoio maciço de internautas depois de postar o episódio em redes sociais. O fato ocorreu na semana passada, em audiência da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), durante votação de um processo. A advogada, que atuava como defensora, solicitou prioridade em sua fala para cuidar do filho, mas foi surpreendida com a atitude do desembargador Elci Simões de Oliveira, que subitamente interrompeu os trabalhos, afirmando que a criança estava "atrapalhando o julgamento e prejudicando os colegas".

"É uma sessão do Tribunal, não pode ter cachorro latindo e criança chorando. Então, se tiver alguma criança coloque em um lugar adequado para não atrapalhar a realização das nossas sessões", afirmou o magistrado, ao repreender a advogada. O caso remete, com ressalvas, ao do advogado Felipe Cavallazzi, que recentemente teve a prioridade de fala concedida por levar o filho de 1 ano e 10 meses a um julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Além da opinião pública, o episódio mobilizou a seção catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC), da OAB do Amazonas e a Comissão da Mulher Advogada da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim Mulher), que repudiaram a postura do desembargador Elci Simões. "Doutora Malu, não é o choro do seu filho que lhe retira a ética, como indevidamente levantado, muito pelo contrário, serve de força e honra para todas as advogadas e mães não apenas do Estado do Amazonas, mas de todo o mundo; a doutora nos representa", diz a nota da Abracim Mulher, que destaca "a falta de sensibilidade por parte do ser humano" e o desconhecimento das leis vigentes, respectivamente a que estipula direitos e garantias à advogada gestante, lactante, adotante e parturiente.

A OAB-SC frisou que a própria Lei Julia Matos, que assegura uma série de garantias às mulheres advogadas, sobretudo às gestantes e mães, são imprescindíveis para a dignidade da advocacia feminina, que representa cerca de 50% da classe e, portanto, deve ter seus direitos e suas necessidades respeitadas.

Malu Borges se posicionou por meio de suas redes sociais e também de nota aberta ao público. "Nós mulheres só queremos que nossa voz seja ouvida, que nos respeitem no nosso ambiente de trabalho e na sociedade. Que nossa ética profissional não seja questionada por estarmos exercendo dupla/tripla jornada sem qualquer tipo de apoio.

Reprodução/Redes sociais - O advogado Felipe Cavallazzi teve tratamento prioritário no STJ

A minha realidade é a de milhões de brasileiras-trabalhadoras e mães. Obviamente que se eu tivesse uma opção melhor para deixar a minha filha — que acabou de completar 6 meses e depende de mim para tudo — enquanto eu trabalho eu aderiria, pois, a maior prejudicada sou eu, que trabalho os 3 turnos para dar conta da quantidade de tarefas", declarou Malu Borges.

"Minha ética poderia ser questionada somente se eu deixasse de cumprir prazos e realizar atos, o que não é o caso. Não sou antiética por trabalhar em home office com a minha filha no colo. O triste episódio ocorrido no TJAM — não somente quanto a fala do desembargador Elci, mas também quanto a falta de respeito à minha preferência legal (lactante) — infelizmente somente comprova, mais uma vez, o machismo estrutural da nossa sociedade. Isso porque, ao passo que eu fui condenada por estar com uma bebê resmungando (não chorando) na sessão", completando que há uma semana um pai advogado teve preferência em seu processo no STJ por estar com o seu filho de 1 ano presente ao julgamento e que o fato gerou repercussão nacional. "Mesmo diante da falta de compreensão com minha situação, continuarei sustentando amamentando ou com a minha filha próxima, que é o local adequado para ela", concluiu.

A seccional da OAB Amazonas, por meio da sua diretoria e da Comissão Permanente da Mulher Advogada, manifestou apoio e solidariedade à Malu Borges, pelos transtornos e constrangimento vivenciados durante a sessão de julgamento presidida pelo desembargador Elci de Oliveira. "O advento das audiências virtuais possibilitou a muitas mães advogadas, como a profissional ora apoiada, exercer a advocacia com plenitude que, em outros tempos, poderiam tão somente exercer a maternidade", diz a nota.

Sobre a afirmação do desembargador de que "é preciso ver a ética da advogada", a OAB-AM afirma que Malu Borges não cometeu qualquer infração disciplinar e nem violou preceito do Código de Ética e Disciplina da entidade. "A OAB/AM ressalta a importância da sustentação oral, direito de todo profissional da advocacia. O que ocorreu no referido julgamento é a realidade da mãe profissional autônoma que também não tem como controlar o choro de uma criança ou exigir dela o silêncio, fato que expõe a necessidade de conscientização sobre a maternidade e a vida profissional", prossegue nota, finalizando que "a construção de uma sociedade igualitária exige a inclusão e respeito às condições de cada indivíduo e é uma tarefa de todos, sendo objetivo norteador desta Seccional".

"O mercado jurídico evoluiu. Todavia, a maternidade ainda é uma estranha fissura em nossa sociedade. Assim, a OAB/AM repudia a posição do desembargador Elci Simões de Oliveira em face da advogada, que não descumpriu sua ética profissional, e apenas exerceu legalmente o seu mister."

Pivô da discórdia, o desembargador Elci Simões, por sua vez, alegou que, na ocasião, solicitou à advogada, "educadamente", que ela evitasse barulho durante a sessão, em respeito aos demais colegas. "Recomendou-se educadamente e com todo o cuidado evitar barulhos durante a sessão, ainda mais em respeito a presença de outros advogados em audiência pública complexa e extensa", registrou Simões, afirmando não ter dado prioridade de fala à advogada porque ela estava em home office.