Coluna Pretos no Topo

"Enfrentei preconceito de cor"

Conheça a trajetória de Paulo Tenório, primeiro editor on-line da América Latina e fundador da startups TraKto

Millena Gomes*
postado em 28/08/2022 06:00 / atualizado em 28/08/2022 06:00
 (crédito: Arquivo Pessoal )
(crédito: Arquivo Pessoal )

Primeiro editor on-line da América Latina, Paulo Tenório foi um dos únicos homens negros a fazer parte do Google Black Founders Fund, iniciativa de investimento do Google para startups com liderança negra. O fundador do Trakto lamenta que, em pleno século 21, a disputa por espaços de destaque entre pessoas negras ainda é limitada e cheia de obstáculos. Em entrevista à coluna, Tenório relata os dramas vividos durante sua trajetória, até chegar à liderança de uma empresa respeitada no mercado, pelo simples fato de ser negro. Hoje, sua empresa promove o acesso a plataformas de design, educação e investimentos. A última edição do Trakto Show, realizada na semana passada, foi um grande sucesso. O evento movimentou mais de R$ 35 milhões, reuniu 160 palestrantes e pelo menos 6 mil visitantes.

Começando a vida empresarial e ainda na faculdade você foi acusado de desvio de verba e furto pela própria turma. Esses episódios marcaram a sua vida?

Eu estudava administração de empresas na época e minha família estava passando por dificuldade financeira. Pedi, então, para trabalhar na faculdade na área de limpeza, em qualquer lugar que me ajudasse a pagar a faculdade. Como eu levava jeito pra computador, uma professora de inglês da época conseguiu me colocar na área de informática e eu fiquei cuidando de todos os computadores da faculdade. Ganhava R$ 150 por mês, trabalhava os dois horários e estudava à noite. Aí teve um episódio que foi bem marcante: começaram a sumir umas peças de computador na faculdade, e todo mundo tinha certeza que era eu. Havia apenas duas pessoas negras na sala. E aí ficou aquela desconfiança durante um tempo, até que uma pessoa cortou o dedo e o pessoal ficava pedindo para ver as minhas mãos, até que chegou um dia que eles iam me expulsar da faculdade, mesmo sem eu ter feito nada. Aí foi quando a noiva do responsável, um branco, loiro de olho azul, chegou com uma sacola de peças roubadas. Minha bolsa foi revistada e isso foi o ponto que me fez largar a faculdade de administração no último ano, porque eu perdi a vontade inteira de estar lá.


E quando você começou a montar a sua empresa, teve alguma dificuldade por conta da cor da sua pele?

Como eu comecei em Maceió não tive tantos problemas, porque aqui tem pessoas mais parecidas comigo. Mas o meu sócio, que é bem branquinho, recebia outro tratamento. Toda vez que saíamos para os lugares, as pessoas falavam com ele primeiro. Então, ele também percebeu isso. Era diferente. O primeiro lugar que fomos a trabalho foi para Belo Horizonte, e lá eu era alvo de muitas piadinhas, principalmente pelo fato de ser do nordeste. As pessoas não queriam ouvir minha história, não queriam ouvir que eu tinha morado fora, falava inglês fluente, trabalhava com tecnologia. Foram reuniões bem difíceis no começo.

Hoje, a sua equipe é composta por quantas pessoas negras e quantas delas ocupam cargos de liderança?

Quais critérios antirracistas foram adotados em sua empresa? Hoje, no total de mais ou menos 40 pessoas, temos 12 negros e pardos, inclusive em cargos de liderança. Considero esse número uma vitória. Uma das nossas pautas mais conversadas é justamente a diversidade. Porque, geralmente, os cargos de liderança estão sempre ocupados por pessoas brancas. E isso mexe muito com a gente. Aqui, nós conseguimos manter um bom número dentro da prática. No escritório, graças a Deus, temos uma equipe inteira que já entende a diversidade como parte do que fazemos, não só internamente mas externamente, porque a gente também organiza eventos e sabe dessa importância. Nós promovemos essas atitudes antirracistas. A tolerância zero, absolutamente zero, é uma política nossa para qualquer tipo de prática, não só racista, mas a questão de preconceito no geral. Casos de homofobia e assédio, por exemplo, a gente nunca deixou passar.

Como chegar ao sucesso empresarial sendo negro no Brasil?

A parte do ativismo que faço é por meio do exemplo. A dica que dou para quem quer começar a empreender é: se veja, se enxergue. Quando realizo um evento, as pessoas me vêem com a cara na televisão, elas dizem: “pô, se o Paulo parece comigo e eu pareço com ele, então eu consigo”. A sugestão que eu dou para os outros que estão começando de baixo é: esteja atento que isso vai acontecer e você já sabe disso e não ser tão passivo como eu fui durante muito tempo e aceitar isso. Tenho um foco que era gerar um evento, deixar um legado. Então, meu ativismo é mais por meio das realizações. Prometi fazer por meio de eventos. Então, eu não ignoro tudo que está acontecendo, muito pelo contrário. Eu cresço com os eventos, promovo as políticas afirmativas que a gente tanto precisa e defende. Isso é uma pauta minha, mas para quem está começando vai ser mais difícil. Não adianta pensar: “ah, é só ter pensamento positivo”. Não é. *Milena Gomes (estagiária sob a supervisão de Jader Rezende)

 

Carla Sabrina Silveira Xavier, 28, é co-proprietária de uma agência de marketing em Brasília e especialista em mentoria de social media e assessoria
Carla Sabrina Silveira Xavier, 28, é co-proprietária de uma agência de marketing em Brasília e especialista em mentoria de social media e assessoria (foto: Arquivo Pessoal )

Aprendizado por meio da persistência

Do Areal para os palcos do maior evento de investimentos e negócios do nordeste, Carla Sabrina Silveira Xavier, 28, é co-proprietária de uma agência de marketing em Brasília e especialista em mentoria de social media e assessoria. Na última semana, Carla palestrou na Trakto Show, em Maceió, evento voltado a empreendimentos e networking empresarial

No ramo desde 2019 e com faturamento de até R$ 30 mil por mês, Carla Sabrina conta que seu sucesso é traduzido em uma única palavra: persistência. “E das persistências vem o aprendizado”, afirma.

No Brasil, o número de negros empreendedores é maior do que de pessoas brancas. A última pesquisa do Sebrae, realizada em 2016, mostrou que entre 2001 e 2014, os negros investidores eram 55% da população que abria um negócio por conta própria. Por outro lado, negros empregadores, ou seja, em posição de líderes, eram apenas 9%. Apesar de ser maioria, a população negra que caminha nos rumos do empreendedorismo ainda tem muito a lutar por espaço e igualdade.

 *Milena Gomes (estagiária sob a supervisão de Jader Rezende)

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