O setor de bares, baladas e restaurantes foi um dos principais afetados no auge da pandemia. Ao longo de quase dois anos, donos de estabelecimentos tiveram que se reinventar para manter seus estabelecimentos funcionando e as vendas por aplicativos foram uma espécie de redenção. Com o avanço da cobertura vacinal e a diminuição no número de casos e mortes pela covid-19, os brasileiros começaram a voltar, lentamente, aos seus hábitos de confraternização fora de casa, aumentando as expectativas de dias melhores entre os trabalhadores do setor.
De acordo com a Abrasel-DF, cerca de 335 mil bares e restaurantes encerraram as atividades definitivamente no país em 2021, considerando todos os segmentos, devido à crise econômica causada pela covid-19 na capital federal. O número representa a extinção de 1,3 milhão de postos de trabalho.
O surgimento de novos bares, baladas e restaurantes após o período mais crítico da pandemia e a adoção de medidas pelo governo — como o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que garante benefícios como isenção de imposto de renda e a negociação facilitada de dívidas tributárias — têm levado o setor a apresentar crescimento e alta no faturamento.
Segundo dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em maio foram criados 121 mil empregos no segmento de alojamento e alimentação, com saldo positivo de 21 mil vagas preenchidas no país. Na estimativa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do Distrito Federal (Abrasel-DF), os bares e restaurantes respondem por mais de 90% dos postos de trabalho deste segmento.
De acordo com o presidente do Sindhobar, Jael Antônio da Silva, 75 anos, o número de contratados superou o de demitidos, com 1.809 novos empregos criados de janeiro a maio. "Temos uma expectativa de crescimento e de volta à normalidade até o fim do ano. Alguns empresários já faturam como em 2019", afirma.
O presidente do sindicato observa que, no entanto, o setor não se recuperou totalmente do auge da pandemia. "Cerca de 35% a 40% dos empresários ainda estão endividados, pois precisaram parcelar tributos e contrair empréstimos para manter seus estabelecimentos funcionando", ressalta. Além da abertura de novos estabelecimentos e o momento de queda nos casos de covid, a inclusão do setor no Perse após reivindicação do sindicato tem incentivado os empresários a investir e a contratar mais.
O presidente da Abrasel-DF, Beto Pinheiro, 41, no entanto, afirma que o setor opera com margem menor, uma vez que o endividamento proveniente da pandemia ainda não foi totalmente quitado. "Apenas 30% das empresas operam, hoje, no azul. Os outros 70% ainda estão trabalhando para tapar esse buraco e sobreviver", diz, analisando que a recuperação é lenta e incentiva os empresários a contratar.
Jael afirma que, atualmente, a alta da inflação é o principal desafio enfrentado pelo setor. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação no mês de junho para o segmento de bares e restaurantes ficou em 1,26%, quase o dobro do índice geral, de 0,67%. "A inflação é o principal obstáculo para os bares. Muitos empresários não conseguem absorver essa alta e repassar para os produtos, o que pode espantar os consumidores. No final, o lucro é reduzido", diz.
O bar e restaurante Outro Calaf é um dos estabelecimentos que tem voltado a lucrar no período de pós-vacinação em massa. Fundado em 1990 pelo geólogo catalão Venceslau Calaf e por sua mulher, Maria Beatriz, falecida em 2014, o primeiro restaurante do Setor Bancário Sul surgiu com a proposta de popularizar a culinária espanhola na capital federal. Depois de fechar as portas, em 13 de março deste ano, e dispensar todos os funcionários, o bar reabriu no mês passado, com a volta da tradicional roda de samba. Venceslau Calaf, sócio da casa, afirma que o movimento está "praticamente como antes de 2020". "Nosso movimento vem melhorando consideravelmente. Recebemos, em média, 1.200 pessoas por semana", comemora.
Priscila Calaf, filha de Venceslau e sócia do bar, diz que a decisão de reabrir o ambiente foi motivada não só pela amenização da pandemia — com o avanço da vacinação dos brasilienses e a redução da contaminação e do número de mortes —, como também pelo peso da comoção do anúncio do encerramento das atividades entre os agentes culturais e a clientela. "O apoio e o carinho que recebemos de artistas, produtores, músicos, parceiros e clientes foram fundamentais na decisão da reabertura", assegura.
Para se recuperar do período pandêmico, a casa, uma das mais tradicionais da cena brasiliense, tem buscado meios diferentes e inovadores pra atrair o público. Venceslau Calaf conta que tem investido, principalmente, em divulgação nas redes sociais para atrair clientes. "Usamos muito essas mídias alternativas para divulgar as atrações, como shows e as tradicionais rodas de samba", revela. Mesmo que boa parte do movimento se concentre no horário noturno, o sócio catalão pretende abrir o bar e restaurante também no horário de almoço.
Venceslau ressalta, ainda, que o processo de contratação de garçons e outras modalidades para o bar prossegue em andamento. Entre as vagas temporárias abertas, ele cita, além de garçom, cozinheiro, auxiliar copa e de salão, para atuar em eventos de fim de semana, quando o estabelecimento costuma ter mais movimento. Venceslau esclarece, ainda, que não é preciso ter experiência para as vagas oferecidas. E conclui, dizendo que, por ser um trabalho árduo, as vagas não são preenchidas com rapidez.
Dono do restaurante Soban Korean Cuisine, Paulo Yang, 52, é um dos que sobreviveram depois do pico da pandemia. Natural de Seul, capital da Coreia do Sul, ele decidiu abrir um restaurante de cultura coreana no início de 2019, junto com a mulher, Patrícia Lee, 50, após perceber a falta de estabelecimentos do tipo em Brasília. "Peguei um empréstimo e comecei a investir no restaurante. Estávamos indo bem, até vir a pandemia e o lockdown, que nos obrigou a fechar as portas duas vezes. Foi um baque", lembra.
Ele lembra que, mesmo com as adversidades, como a necessidade de cortar gastos e demitir funcionários, conseguiu se reinventar e encontrar um lado positivo para manter o restaurante funcionando. "Aprendemos a usar o delivery, algo que definitivamente veio pra ficar", afirma. Com a reabertura do estabelecimento em 2021, Paulo observou o movimento crescer, mas conta que ainda não conseguiu se recuperar totalmente. "Não nos recuperamos ainda, mas as perspectivas são boas. Em relação ao ano passado, por exemplo, contratamos 30% mais funcionários do que tínhamos antes do lockdown para atender à nova demanda que tem surgido neste ano", comemora.
Mesmo com sinais claros de avanço no setor, Yang afirma que tem sido cauteloso para dar os próximos passos. Sem gerente, é ele quem compra os produtos e trabalha diariamente no estabelecimento, ao lado da esposa, que é chef de cozinha e "a alma do negócio". "Nosso desafio é fidelizar o maior número possível de clientes e proporcionar a eles uma culinária totalmente diferente", conta Yang.
Oportunidade de trabalho
O garçom Azemilton Lisboa, 39, conseguiu o emprego como garçom depois da pandemia. Com 19 anos de experiência no cargo, Azemilton afirma que escolheu trabalhar como garçom pela facilidade e necessidade continuar empregado. "Ser garçom é pra quem realmente gosta. Temos a possibilidade de adquirir conhecimento e conhecer muita gente", comenta.
Durante a pandemia, Azemilton, que era maître, foi demitido pela empresa na qual trabalhava. Para se manter e conseguir pagar as contas, ele precisou trabalhar em diversos empregos informais, fazendo bicos. Agora, depois da reabertura do setor, foi contratado pelo restaurante Soban Korean Cuisine, e destaca que o salário é bastante satisfatório. "Nossa remuneração é formada pelo salário da categoria, mais comissão e gorjeta. No final, somando tudo, recebo cerca de R$ 4.500 reais por mês", completa.
Também com experiência na área, o garçom Francisco de Assis, 59, afirma que a função é tranquila e oferece boa remuneração. "Esse trabalho foi a primeira oportunidade que surgiu para mim. Me sinto bem fazendo isso", diz Assis, que tem mais de 11 anos de experiência e hoje trabalha no Calaf. Ele chegou a ser demitido durante a pandemia, mas foi recontratado depois da reabertura do estabelecimento.
Estagiário sob a supervisão de Jáder Rezende