Sedução e expectativa de vida nova

Vicente NunesCorrespondenteDiogo Albuquerque*
postado em 14/08/2022 06:00 / atualizado em 14/08/2022 06:00
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

O interesse de brasileiros por Portugal cresceu muito nos últimos seis anos. Dados mais recentes do Serviço Estrangeiros de Fronteira (SEF) apontam que, oficialmente, o total de moradores oriundos do Brasil já somam 252 mil, um aumento de 23,1% em relação aos dados do fim do ano passado. Somente nos primeiros seis meses deste ano foram emitidas 47,6 mil autorizações de residência para esse público. Os brasileiros são o maior grupo de estrangeiros vivendo em Portugal, representam um terço do total.

A terapeuta Elisangela Cristina Mendes, 48 anos, trabalha com marketing digital e é especialista em clínica ayurveda, profissão que exerce, sobretudo, para ajudar do filho autista Caio, 18. Ela soube do projeto de lei aprovado recentemente pelo governo português, que facilita vistos de trabalho para estrangeiros no país. Pela nova lei, os interessados podem ficar 120 dias no país procurando emprego, prazo que pode ser renovado por mais dois meses.

Elisangela ao lado do filho
Elisangela ao lado do filho (foto: Arquivo Pessoal)

Elisangela desembarcará no país europeu em 20 de setembro, com o filho, a enteada, de 5 anos, e o companheiro, Raffael, que trabalha como barman. "Essa medida vai facilitar muito a nossa vida, trazer tranquilidade para não ficarmos perdidos no país", diz. A terapeuta já tem o visto de turista, mas está em contato com um advogado para conseguir a tempo o novo benefício. A expectativa é de que os consulados portugueses sejam ágeis na concessão dos documentos.

A opção por Portugal, afirma Elisangela, se deu pela facilidade do idioma, o custo de vida e proximidade com outros países da Europa. "Uma vez lá, fica mais fácil irmos para qualquer país do continente", afirma. Além disso, ela quer proporcionar a Caio, seu filho autista, um ensino de qualidade e novas experiências que ajudem a estimular seu desenvolvimento.

A perspectiva é de que, dando tudo certo, Caio conclua o ensino médio em Portugal para, então, iniciar um curso técnico de gastronomia no país, já que o sonho dele é ser chef de cozinha. Elisangela participou do quadro "The Wall", do Caldeirão do Huck, programa da Globo, em 3 de abril deste ano, dia mundial da conscientização do autismo. Lá, ela conseguiu arrecadar quase R$ 274 mil, dinheiro que usará para a viagem.

Estudantes

Luca Sousa
Luca Sousa (foto: Arquivo Pessoal)

O analista de dados Luca Sousa, 24, mora em Portugal desde 2019. Ele se mudou para o país para estudar economia e, hoje, formado, trabalha na área. "Eu tinha uma ideia abstrata sobre morar fora, nunca havia pensado em um lugar específico. Portugal surgiu pela facilidade de imigração e pelo custo de vida mais acessível", conta. Sobre o processo de emissão do visto, ele afirma ter sido tranquilo. "Algumas burocracias desnecessárias durante o processo, como contatos pessoais, por exemplo, é que provocam dores de cabeça", ressalta.

O analista afirma ter planos de se fixar definitivamente naquele país e iniciar o mestrado em ciência de dados já em setembro. "Não é nada concreto ainda. Depende de como estará meu desenvolvimento profissional, minha vida pessoal por aqui", ressalta. Para ele, a flexibilização nos vistos para trabalho de estrangeiros, "apesar de tardia", é muito positiva e vai ajudar a integrar os imigrantes, muito importantes para Portugal.

João Marcelo
João Marcelo (foto: Arquivo Pessoal)

O estudante João Marcelo Abbud, 21, também decidiu se mudar para Portugal, onde chegou em 2019, motivado pela possibilidade de acesso a ensino de alta qualidade. Após fazer a prova do Enem em 2018, ele conseguiu a nota que precisava para ingressar na Universidade de Lisboa. No ano seguinte, começou a organizar todos os documentos necessários para obter o visto de estudante, processo que considerou bastante burocrático, tanto por parte dos órgãos públicos portugueses como também do Brasil.

Além de comprovantes de renda e declarações de toda sorte, conta João, foi exigido um plano de saúde e o apostilamento (autenticação internacional) de todos os documentos para, só então, adquirir o cartão de residência. "Todo esse trâmite leva meses para ser concluído. Só consegui o visto um mês antes de viajar", diz. O estudante destaca a possibilidade de aprendizado como um dos pontos positivos de morar no país.

"As trocas, o agregado de experiências e a parte acadêmica valem muito", reconhece João. Ele ressalta, no entanto, que existem muitos brasileiros sobrevivendo de subemprego em Portugal, com jornada de trabalho exaustiva e salários bem abaixo da média. "Nesses casos, a qualidade de vida se perde, não sobra muito dinheiro e, aqui, o salário mínimo é um dos mais baixos da Europa", conclui.

Busca por trabalho

Bernardo
Bernardo (foto: Arquivo Pessoal)

O ator e assistente de cozinha Bernardo Mendes, 34, também foi um dos brasileiros que escolheu Portugal como destino alternativo. Com viagem marcada para este domingo, Bernardo é mais um a afirmar que conseguir o visto para o país europeu não é um processo nada fácil. "Como minha prima mora lá, consegui com mais facilidade, mas por aqui esse trâmite costuma demorar", diz. Mendes afirma ter recebido a notícia sobre a nova medida aprovada em Portugal com otimismo. "Com essa medida, o país conseguirá atrair mais pessoas e garantir uma circulação maior de renda", presume.

Mendes também decidiu ir para Portugal pela proximidade com o idioma do país e o custo de vida menor que o do Brasil. Além disso, por já ter parentes portugueses que residem por lá, obteve a dupla cidadania. Mendes deve desembarcar nesta segunda-feira em Faro, capital de Algarve, onde pretende impulsionar  sua carreira de ator. "Pretendo trabalhar em um restaurante da cidade e, nas férias, dirigir a minha peça de teatro 'Ao nível do mar'", ressalta.

Jose Luiz
Jose Luiz (foto: Arquivo Pessoal)

A gerente de vendas Ana Rosa Brandão, 56, também pretende se beneficiar com a nova medida aprovada pelo governo português. Brandão pretende viajar para Portugal em maio de 2023, junto com o marido, o economista José Luiz de Mello Brandão, 58. O casal vem se preparando com bastante antecedência, desde o começo do ano. Para os dois, morar na terra natal do poeta Fernando Pessoa é um projeto de vida de médio e longo prazo. "Há várias maneiras de ingressar no país mas, no meu caso, estou tentando buscar a nacionalidade portuguesa", diz Ana Rosa.

José Luiz, que já visitou Portugal algumas vezes, conta que se sente a vontade no país. O economista afirma que, em dez anos, o país mudou bastante. "Além da identidade cultural, da proximidade que tenho com a cultura local, a qualidade de vida foi um fator preponderante que me influenciou na escolha", afirma, ressaltando, ainda, que os portugueses não são simpáticos, mas que esse problema é contornável.

Inicialmente, o casal pretende morar na casa de amigos assim que chegar em Lisboa. "Ainda estou naquela 'fase de namoro', procurando um lugar que não seja muito turístico parar morarmos", diz José Luiz. Por ser uma área em franca expansão, o economista acrescenta que trabalhará no segmento de tecnologia.

Carol Melgaço
Carol Melgaço (foto: Arquivo Pessoal)

A atriz e modelo Caroline Melgaço, 34, engrossa o rol de brasucas que pretendem viajar para Portugal. Ela conta que está se organizando para a viagem e considera que a nova medida do governo lusitano veio em boa hora. "Acho ótimo que o governo tenha aprovado essa lei, que, certamente, facilitará muito na hora de solicitar o visto", diz. Formada em teatro, Caroline trabalha em uma produtora de audiovisual especializada em making off. Além de atuar, ela produz e também dirige.

Ela conta que o idioma também é uma das vantagens na hora de decidir o destino. "Portugal acaba sendo mais fácil pela proximidade com o idioma e com a cultura, o que facilita na hora de trabalhar e de se expressar", defende. O fato de ter amigos que vivem no país, firma ela, foi outro fator decisivo.

A atriz relata que sua meta, assim que se estabelecer por lá, é trabalhar com cinema e audiovisual, já que a arte e cultura estão muito desvalorizadas no Brasil. "É difícil viver de arte por aqui, principalmente porque a cultura é muito desvalorizada pelo governo. As oportunidades são reduzidas e a classe artística perde muito. Por isso, muitos optam por tentar a carreira no exterior", ressalta. Por já ter uma estrutura e uma carreira no Brasil, Caroline afirma que quer fazer uma experiência e entender Portugal para, então, se estabelecer.

*Estagiário sob supervisão de Vicente Nunes

País de velhos

Portugal, apesar dos avanços dos últimos anos, continua um país de renda média. O salário mínimo de 705 euros é um dos menores da Europa. A promessa do governo é de elevar esse piso salarial para 900 euros nos próximos anos. Entre os especialistas, a percepção é de que o novo visto temporário de trabalho veio em um contexto de diversas políticas públicas do Estado português voltadas para diminuir o "inverno demográfico" (envelhecimento da população) e atrair mais pessoas ao país.As estatísticas mostram que Portugal registra a menor natalidade da Europa, onde 24% dos habitantes têm mais de 65 anos e os pensionistas são quase 4 milhões. Os estrangeiros que já trabalham no país contribuem com quase 1 bilhão de euros (R$ 5,5 bilhões) para o sistema previdenciário. "O Estado português está ciente de todos os desafios que tem pela frente, mas está se diferenciando ao inovar na abertura do mercado de trabalho a estrangeiros", comenta o advogado Renato Martins. Ele lembra que, quando abre a possibilidade de residência para trabalhadores nômades, o país está atraindo pessoas com renda maior que a de portugueses.Como se espera uma grande procura por esses vistos especiais, é grande a expectativa quanto à capacidade dos consulados e das embaixadas de Portugal espalhadas pelos 22 países da Comunidade de Língua Portuguesa de atenderem a demanda com a velocidade necessária. Tirou-se justamente esse serviço do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) por causa da incapacidade do órgão de responder com agilidade aos pedidos de vistos de trabalho, de estudantes — também beneficiados pela nova lei —, de residência e de nacionalidade."Parte dos trabalhos dos consulados foi terceirizado", destaca a mestre em Direito Michelle Passos da Silva. Empresas privadas recolhem documentos, verificam a autenticidade deles e fazem o processo andar, deixando as representações portuguesas menos sobrecarregadas. "Há uma descentralização. E isso deve ajudar na concessão dos novos vistos", acredita.

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