Ocupação que por décadas foi sinônimo de subemprego passará, agora, a ser reconhecida como profissão. Aprovado no Senado, o projeto de lei que regulamenta a profissão de gari estabelece condições gerais de trabalho, fixando definição de agente de coleta de resíduos, de limpeza e de conservação de áreas públicas e garante que as atividades serão exercidas preferencialmente por trabalhadores que tenham concluído o ensino fundamental, desde que aprovados em curso especializado de formação profissional. Além disso, o texto define o piso salarial da categoria e a duração do trabalho, que não poderá ser superior a 36 horas semanais.
De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto determina o piso salarial de R$ 1.850 mensais, a ser reajustado anualmente em janeiro. A jornada de trabalho não poderá ultrapassar as 6 horas diárias e as 36 horas semanais. Atualmente, são oito horas diárias. Até então, a média salarial no DF era de R$ 1.249,15, para uma jornada de trabalho de 44 horas semanais.
De acordo com Paim, o projeto prevê ainda o adicional de insalubridade de 10%, 20% ou 40% do salário. "Os garis trabalham sem horário fixo, em uma atividade invisível, por isso o projeto prevê o adicional de insalubridade", explica o parlamentar, observando que a atividade é fundamental para a saúde da população. Ele espera que o projeto seja aprovado em pouco tempo, já que está bem articulado e o relator, Lucas Barreto (PSD-AP), mantém boa relação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Paim observa ainda que o projeto vai transformar sobremaneira a qualidade de vida desses profissionais, garantindo a eles mais direitos. "Além dos enfermeiros, os garis também ajudam no combate à pandemia. Por isso, todo trabalho que envolva a saúde pública precisa ser valorizado", diz.
Dignidade, valorização e sonhos
O presidente do Sindicato de Limpeza Urbana do Distrito Federal (Sindlurb-DF), José Cláudio de Oliveira, considera a regulamentação da profissão de gari no Senado uma vitória histórica. "O trabalhador sempre foi discriminado. Essa regulamentação garantirá à categoria maior notoriedade e valorização", avalia, pontuando que a luta contra a desigualdade nas contratações deve, enfim, ser vencida, abrangendo mais trabalhadores da área. "Além de agregar à condição financeira, o trabalhador poderá dizer, com orgulho, que desempenha uma função digna", afirma.
Para a gari Bruna da Silva Martins, 37 anos, que há 10 anos trabalha na varrição de ruas, a regulamentação deverá possibilitar a profissionalização até mesmo em outras áreas. "Acredito que poderemos, agora, investir mais na educação, aprender mais. Quem quiser voltar a estudar, se profissionalizar em outras áreas, conseguirá realizar esse sonho com mais facilidade", afirma.
Assim como seus colegas, Bruna espera que a sanção da lei culminará em maior visibilidade aos profissionais da área. "As pessoas vão ver que não somos apenas varredores de rua, que desempenhamos um papel importante na sociedade, e que, acima de tudo, temos famílias que dependem da gente", diz.
Carlos Eduardo de Araújo, 43 anos, foi mais um a receber a notícia, revelando esperança e otimismo. Ele destaca que as novas regras são, acima de tudo, uma demonstração de respeito aos garis. "Essa regulamentação é uma forma de respeito, de consideração ao gari como ser humano", diz.
"É uma das melhores profissões em que já trabalhei. Esse reconhecimento chega em boa hora", diz Eleosina Costa Dias, 57 anos, que trabalha como gari também há dez anos. Agora, com a regulamentação, ela espera que a renda da família seja maior e que a categoria experimente, enfim, mais dignidade. "Acredito que essa lei diminuirá bastante a discriminação", afirma.
MUDANÇA DE CENÁRIO
Se antes a profissão de gari era desprezada pela sociedade, agora, com a promessa de regulamentação e garantia de direitos, o cenário começa a mudar. Embora o preconceito persista, muitas pessoas têm buscado informações sobre como ingressar na profissão. "Muitos pensam, ainda, que só quem trabalha nesse serviço é quem não tem estudo. É aí que se enganam, porque tem muitas pessoas formadas aqui dentro que talvez não encontraram a sua área e vieram para cá", ressalta Eleosina.
Uma das iniciativas que busca valorizar e resgatar a autoestima dos garis é o concurso de miss e mister gari, realizado anualmente no Distrito Federal. O objetivo do concurso, que teve sua 6ª edição no início deste ano, é promover um sentimento de autoestima entre a categoria e valorizá-la perante a sociedade.
A ganhadora da 6ª edição, Ítala Victoria Silva Rodrigues, 21 anos, diz que trabalhar na profissão é uma oportunidade única e que não esperava ter sido eleita miss gari. "Foi uma surpresa muito grande", afirma. Ítala ganhou uma bolsa de estudos no Centro Universitário Icesp, onde pretende cursar gestão ambiental.
A jovem conta que se diverte com todo o reconhecimento recebido e que a conquista tem aberto muitas portas. "É muito engraçado as pessoas me parando na rua e falando 'ah, você trabalha na rua?' É muito legal'", disse. Em segundo lugar no concurso, Liedete Pereira Ferreira também esbanja felicidade e diz que a experiência foi gratificante.
Saiba Mais
Na Sustentare, empresa terceirizada de limpeza urbana do DF, quem deseja trabalhar como gari deve cadastrar o currículo no site ou entregá-lo em algum ponto físico da firma. Em seguida, o interessado passa por uma entrevista, e, dependendo da área desejada, é submetido a um teste ergométrico, para medir a capacidade física. De acordo com a superintendente regional da Sustentare, Rejane Costa de Oliveira, a rotatividade de garis na empresa terceirizada oscila entre 15 a 30 mensalmente, devido ao grande número de trabalhadores que atuam no trabalho. A empresa recebe, em média, 50 currículos ao mês e 400 por ano.
POVO FALA
O que você acha da regulamentação da profissão de gari?
Irineide Rita da Silva, 36 anos, dez anos de gari
"Pra gente é bom conseguir um pouco a mais, aumentar a renda, ter a possibilidade de ter estabilidade. Essa regulamentação vem em boa hora."
Pedro Henrique Gonçalves de Melo, 25 anos, três anos de gari
"É uma coisa boa, mas que precisa ser colocada em prática. Trabalhar seis horas por dia é viável, e isso vai melhorar a qualidade de vida dos garis, porque muitos aqui são pais de família. Então, se esse projeto virar lei, pra gente vai ser muito bom, porque vamos poder passar mais tempo com os nossos filhos."
Maria Aparecida Veríssimo Rodrigues Lima, 37 anos, dez anos como gari
"Eu acho ótimo, porque nós recebemos pouco [atualmente] e esse aumento vai ajudar muito na renda familiar. A definição da carga horária vai nos dar uma vida social, porque quem trabalha como gari passa a maioria do dia na rua. Essa mudança é justa."
José Carlos dos Santos, 54 anos, dez anos como gari
"Isso é uma alegria pra gente. Vai ser bom porque vamos passar mais tempo com a família no final de semana, ter um tempo maior para descanso e uma condição financeira melhor em casa."
Estagiário sob a supervisão de Jáder Rezende