A escrivã da Polícia Civil Maria Fernanda Gonçalves de Oliveira, 38 anos, garantiu na 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) a redução da carga horária de trabalho, sem prejuízo no salário, para acompanhamento médico da filha autista. Antes de recorrer à justiça, ela solicitou à Secretaria da Administração o fastamento para cuidar da filha, porém o pedido foi negado por seu superior e, posteriormente, ratificado pela Secretaria da Administração.
O advogado Diêgo Vilela, que defendeu a recorrente, ressalta que a questão "envolve direito à vida e à saúde, além da própria dignidade da pessoa humana, garantidos constitucionalmente e pelas legislações infraconstitucionais em vigor". Ainda segundo ele, "o conceito de necessidades especiais, que exigem atenção permanente, são situações de deficiências físicas ou mentais nas quais a presença do responsável seja fundamental na complementação do tratamento terapêutico ou na promoção de uma melhor integração do paciente na sociedade".
O relator recorreu à lei estadual nº 20.756/2020: "Ao servidor que seja pessoa com deficiência, na forma da lei, e exija cuidados especiais ou tenha, sob seus cuidados, cônjuge, companheiro, filho ou dependente, nessa mesma condição, poderá ser concedida redução de jornada de trabalho para o equivalente a seis horas diárias, 30 semanais e 150 horas mensais".
A suspeita da filha, Helena, ser portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA) surgiu durante uma consulta de rotina em janeiro de 2020, quando os pais foram alertados da possível condição neurológica da pequena. Foi adicionada a agenda de atendimentos médicos mais profissionais da saúde, e as consultas passaram a ser mais frequentes e a necessidade da presença da mãe também.
Em 2020, Maria Fernanda ocupava o posto de escrivã da Polícia Civil do Estado de Goiás na central de flagrantes, cargo no qual impossibilitava a ausência para acompanhar a filha, Helena, à época com três anos e meio, as consultas para detectar o diagnóstico de TEA. Hoje ela integra a equipe do grupo especializado em crimes patrimoniais.
No início, os superiores permitiam as saídas antes do horário para Maria Fernanda acompanhar a filha nas terapias, fonoaudiólogo, entre outros. Ela conta que eram cinco consultas por semana e, esse número, já estava reduzido para conseguir conciliar o trabalho e os cuidados com a Helena.
Entre as idas e vindas, a escrivã começou a ser questionada por colegas de trabalho. Frases como: "Você está inventando desculpas para não trabalhar", "não esquenta a cabeça, a sua filha não tem nada", "você está criando doença para sua filha", "ela não tem cara de autista", eram ouvidas por Maria Fernanda.
Mesmo que existissem pessoas preocupadas e com vontade de ajudar, o desconhecimento sobre o TEA conseguiu erguer barreiras intransponíveis o que dificultou ainda mais o processo de compreensão da situação. "Um autista não é igual ao outro. Eles são singulares, não dá para generalizar. A minha filha pode interagir com as pessoas quando está passeando, mas ela tem suas peculiaridades", afirma.
Além de precisar se adaptar à nova condição da pequena Helena, o peso do lado profissional e questões familiares desgastaram profundamente a saúde mental quanto às relações interpessoais de Maria Fernanda. Essa carga emocional a afastou devido a indícios de depressão.
De acordo com a mãe, a filha está se desenvolvendo a passos largos. "Antes ela não falava, apenas apontava e chorava muito. Hoje, ela conta histórias com nexo, sabe diferenciar a realidade do desenho animado, porém, ainda existem alguns fonemas que não consegue pronunciar", relata.
"Ela tem cinco anos e vive na sociedade. A Helena tem um interesse restrito, sensibilidade sonora, mas é muito curiosa e as terapias estão ajudando ela a se desenvolver rapidamente. Meu papel como mãe é conseguir inserir um ser humano apto a conviver na sociedade, e ela está mostrando grandes evoluções", diz.
Para Maria Fernanda, o sentimento que prevalece é de alívio e felicidade. "Esse processo marca a vitória da Helena, agora eu consigo trabalhar e acompanhá-la durante as terapias e trabalhar sem problemas, sem causar danos, seguindo a lei", finaliza.