SONHO

Sonho realizado vendendo palha italiana nas ruas

Para conseguir estudar medicina no Paraguai, Jhene produzia os doces pela manhã e ficava nos semáforos de tarde e durante a noite

Diogo Albuquerque*
postado em 31/07/2022 06:00 / atualizado em 31/07/2022 06:00
Jhene ao lado de colegas vendedores ambulantes -  (crédito: Arquivo pessoal)
Jhene ao lado de colegas vendedores ambulantes - (crédito: Arquivo pessoal)

A estudante Jhene Ketlen Silveira Costa, 27 anos, que vendia palha italiana em um semáforo do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), em Brasília, para cursar medicina, foi a vencedora da categoria nacional do Live your Dream Awards (Viva seu Sonho), em 2021.

De família humilde — a mãe é copeira e o pai zelador —, Jhene trabalhou desde os 12 anos para ajudar a pagar as contas de casa. "Como passávamos muita dificuldade, aos 13 anos comecei a trabalhar em uma lan house para ajudar em casa e, desde então, nunca parei. Com isso, precisei interromper os estudos por um tempo, já no ensino médio, para poder ajudar meus pais com as despesas", conta.

Palha italiana produzida por Jhene Silveira
Palha italiana produzida por Jhene Silveira (foto: Arquivo Pessoal)

Para ganhar tempo, em 2016 a estudante optou por encarar um supletivo e concluir o ensino médio, deixando de lado o sonho de cursar medicina. Ingressou, então, em uma faculdade particular de arquitetura, por ser mais acessível, ao ser aprovada com a garantia de 50% de bolsa de estudo.

Em 2018, quando estava no quinto período de arquitetura, engravidou e se viu novamente obrigada a se afastar dos estudos para cuidar do filho. Alguns meses depois, seu pai faleceu, deixando-a muito abalada. No entanto, segundo ela, o triste episódio foi fator preponderante para que voltasse a investir na área médica. "Um dos últimos desejos dele era que eu conseguisse conquistar meu sonho. Então, acendeu uma chama no meu peito e eu decidi que, custasse o que custasse, faria medicina", lembra.

Jhene: "Não tem preço saber que existem pessoas que acreditam no nosso sonho"
Jhene: "Não tem preço saber que existem pessoas que acreditam no nosso sonho" (foto: Arquivo Pessoal)

Jhene escolheu a Universidade Central do Paraguai, por ser uma instituição que oferece um custo menor e porque uma prima estudava lá. Para pagar a viagem e juntar algum dinheiro, se aliou a uma amiga de infância, que também precisava arrecadar dinheiro para continuar estudando, e passou a vender palha italiana. Elas acordavam às 6 da manhã, para produzir o doce e vender nas ruas. Saiam no início da tarde e permaneciam até as 21h nos cruzamentos, vendendo as iguarias nos sinais. Ao voltar para casa, Jhene preparava as embalagens para o dia seguinte e ia dormir por volta de 1h da madrugada.

Com a venda das palhas italianas, as amigas conseguiram juntar R$ 16 mil. No entanto, o dinheiro estava longe de suprir todas as necessidades. Certo dia, Jhene foi abordada por Monica Beraldo, ativista da ONG Soroptmistas, que quis conhecer melhor a sua história. Ela indicou a jovem ao prêmio. Ao ser consagrada vencedora, conseguiu, com o dinheiro, custear o curso de medicina. "Essa ajuda caiu do céu. Não tem preço saber que existem pessoas que acreditam no nosso sonho, se importam com a gente e se preocupam com o nosso futuro", lembra, emocionada.

A estudante apresenta trabalho na faculdade
A estudante apresenta trabalho na faculdade (foto: Arquivo Pessoal)

Com o que arrecadou nas ruas, Jhene pagou a passagem para o Paraguai, alugou uma casa no país, comprou as mobílias necessárias e pagou cinco meses do curso de medicina, além de adquirir alguns materiais e equipamentos. A estudante iniciou o curso presencialmente em fevereiro de 2020.

Hoje, Jhene mora com o marido, Rafael, em Foz do Iguaçu (PR), divisa com Ciudad del Lest, no Paraguai, onde estuda.  Já na metade do curso de medicina, ela precisa arcar com moradia, alimentação e material, despesas que custeia com ajuda do prêmio em dinheiro que recebeu da ONG. O marido cuida do filho Saulo durante a semana, enquanto Jhene estuda.

Jhene atende paciente durante aula prática na faculdade de medicina
Jhene atende paciente durante aula prática na faculdade de medicina (foto: Arquivo Pessoal)

Rafael é mecânico e trabalha consertando máquinas de lavar. Além disso, a fonte de renda da família provém da venda de proteção veicular. Nas sextas-feiras, após a aula, Jhene pega três ônibus e retorna ao Brasil para ficar com a família. "Tenho eterna gratidão por Rafael, pois ele sempre me apoiou", diz. Durante as férias, ela aproveita os momentos livres para curtir a família. Para o futuro, Jhene espera trabalhar na área e conquistar a tão sonhada estabilidade financeira.

 

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