PROFISSÃO GARI

Mais jovem gari do DF concilia trabalho e faculdade

Aos 18 anos, Isabelle Souza da Silva divide seu tempo entre as tarefas diárias e a faculdade de psicologia

Diogo Albuquerque*
postado em 17/07/2022 06:00 / atualizado em 17/07/2022 06:00
Isabelle: varrição de ruas e aulas de psicologia
 -  (crédito:  Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Isabelle: varrição de ruas e aulas de psicologia - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Conciliar o trabalho com os estudos não é fácil, principalmente quando a ocupação envolve uma rotina exaustiva de andanças pelas ruas da cidade, faça chuva ou sol. Mas para Isabelle Souza da Silva, 18 anos, que atua na varrição de vias do DF, prevaleceu a persistência e a força de vontade. Desde fevereiro, a mais nova gari do DF divide seu tempo entre as tarefas diárias e a faculdade de psicologia. Não obstante, se matriculou em um curso de tecnologia da informação e análise de sistemas.

Ela conta que antes de optar pela área, pensava em algum curso relacionado à ciências biológicas. Para ela, conciliar os estudos com o trabalho nunca foi uma dificuldade. Ao chegar em casa, afirma, troca de roupa rapidamente e segue direto para o curso técnico. Depois, vai para a faculdade, no período noturno, onde permanece até as 22h30, para acompanhar as aulas de psicologia. Além do curso e da faculdade, Isabelle estuda inglês por conta própria e japonês no Centro Interescolar de Línguas da Ceilândia (CILC).

Isabelle sempre estudou em escola pública. Concluiu o ensino médio, no Centro Educacional 06 de Ceilândia, e ingressou na faculdade particular com bolsa integral, por meio do programa universidade para todos (ProUni). Para ela, estar no ensino superior é uma grande vitória. "Às vezes pensamos em desistir, mas temos que nos manter firmes, porque o nosso próprio obstáculo somos nós mesmos", aconselha.

Arrimo de família, Isabelle mora com a mãe, que vende panos de chão e de prato nas ruas de Ceilândia, e o irmão, de 11 anos, em uma casa alugada. "Somos bastante unidos e sempre ajudamos um ao outro, porque só temos uns aos outros", ressalta. Natural de Santa Inês do Maranhão, a família se mudou para o Distrito Federal há dez anos, em busca de melhores condições de vida. Para Isabelle, o DF representa um lugar com muitas oportunidades. "Você pode explorar e tentar crescer aqui, e isso é ótimo", diz.

Ela conta que viveu a infância e a adolescência de forma saudável e que sempre foi muito dedicada aos estudos. "Minha mãe sempre me deu conselhos bons e eu ouvia ela todas as vezes. Era de casa para a escola e da escola para casa", recorda a jovem, que se diz muito seletiva com as amizades e que, por isso, não tem muitos amigos. "Para mim, o que importa é a qualidade, não a quantidade", afirma.

A gari estudante trabalha há cinco meses no SLU. Ela afirma que a profissão é motivo de muito orgulho e honra. "Lembro que quando peguei meu uniforme pela primeira vez fiquei tão feliz que fui logo experimentando", recorda.

Aprovada pelo ProUni, Isabelle estuda psicologia com bolsa integral
Aprovada pelo ProUni, Isabelle estuda psicologia com bolsa integral (foto: Arquivo pessoal)

Isabelle afirma que um dos motivos que a influenciou na escolha da profissão foi a conexão que sente com a natureza. "Sempre senti uma ligação forte com a natureza, me sinto conectada e feliz em ajudar a manter o equilíbrio e o bem-estar da sociedade", diz.

Apesar de se sentir realizada, a jovem relata que é alvo de muito preconceito nas ruas. Ela conta que muitas pessoas oferecem emprego e sempre é questionada pelo fato de trabalhar como gari. "Muitos acham que eu não quero nada com a vida que, por ser muito nova, não consegui estudar", afirma.

Isabelle ressalta, contudo, que tem aprendido a lidar e até mesmo ignorar esse tipo de situação. "É preciso erguer a cabeça e seguir em frente", diz ela. Sobre os riscos da profissão, afirma que dispõe de equipamentos de proteção para manusear resíduos, como cacos de vidro e que nunca ocorreu qualquer acidente grave.

Ela conta, ainda, que está satisfeita com a profissão, que é um trabalho satisfatório e que gosta de lidar com as pessoas. Ela sonha em atuar como psicóloga clínica e ser agente da polícia federal. "Daqui a cinco anos me vejo formada e quero abrir meu consultório", acrescenta. Isabelle assegura que, mesmo quando realizar seus sonhos, vai recordar seu trabalho como gari com afeto e como parte de sua história. "O que importa diante de tudo isso é quem eu vou me tornar como pessoa. Uma coisa que eu sempre falo é que, quando tiver meu consultório, vou colocar uma foto de gari com todos os meus colegas na parede para lembrar de onde eu vim", afirma.

*Estagiário sob a supervisão de Jáder Rezende

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