A grande maioria dos professores brasileiros está interessada em aplicar educação empreendedora em sala de aula e também disposta a aprender mais sobre o tema, revela levantamento apresentado no primeiro Encontro do Ecossistema de Educação Empreendedora, realizado recentemente em Fortaleza (CE). Especialistas que participaram do evento observam que a educação empreendedora garante a formação de pessoas competentes, autônomas e criativas e com maior capacidade de tomar decisões.
De acordo com a pesquisa, 78% dos entrevistados demonstraram interesse em trabalhar com educação empreendedora, enquanto 86% estão dispostos a aprender mais sobre o tema.
Segundo dados da pesquisa Educação empreendedora: percepção dos educadores, encomendada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Fundação Roberto Marinho, apenas 7% dos professores rejeitam a ideia de introduzir a educação empreendedora na sala de aula. Além disso, o estudo analisou o conhecimento dos professores de escolas públicas a respeito da temática e inferiu um índice elevado de receptividade entre educadores, uma vez que eles têm interesse em aprender e aplicar a educação empreendedora nas salas de aula.
Porém, ainda de acordo com a pesquisa, uma parcela significativa de docentes tende a ter uma compreensão rasa a respeito da temática. Para Rafael Camelo, diretor de avaliação e planejamento da Plano CDE, o empreendedorismo não se resume à prática de gerenciar um negócio ou estar ligado à economia, mas sim formar pessoas com competências empreendedoras necessárias para qualquer dimensão da vida.
“A profundidade está na ideia de formar uma pessoa com competências empreendedoras para que, por exemplo, ela seja mais autônoma, criativa ou tenha mais iniciativa. Ou seja, ensinar a empreender não gira apenas em torno do conhecimento para abrir um negócio”, diz. Rafael afirma que quando o professor compreende o objetivo da temática, ele tem a capacidade de aplicar a prática, sem importar a área de ensino de formação.
Segundo Rafael, que coordenou a pesquisa, a inserção do empreendedorismo no cotidiano das escolas se torna mais natural quando são relacionadas a políticas públicas que afetam a rotina do professor. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) determinados pela Organização das Nações Unidas (ONU) podem servir como agente catalisador.
Após a análise das respostas dos docentes foram traçados três perfis atitudinais: mais interesse na temática e com condições favoráveis na escola (46%), interessados na temática e sem condições favoráveis na escola (20%), e menos interessados na temática e mais distantes do tema (35%).
O grupo de professores mais distantes tende a ter uma compreensão rasa da temática, de acordo com o pesquisador Rafael Camelo. A educação empreendedora é associada, muitas vezes, a noções genéricas sobre empreendedorismo e mercado de trabalho.
Ainda assim, Rafael enxerga a falta de conhecimento como algo positivo, uma vez que os mesmos professores estão interessados em mergulhar na temática. “Ainda que existam ideias rasas, há uma abertura para aprender por parte desses educadores. O professor reconhece que precisa fazer algo diferente para tornar as aulas mais atrativas”, aponta o pesquisador.
“O professor sozinho não consegue ir longe. A educação empreendedora precisa da participação da gestão para ser aplicada nas vivências escolares. Sem mobilização não é possível aplicar efetivamente a temática na sala de aula”, afirma Rafael.
Saindo do macro para o micro
O novo ensino médio pretende redirecionar o olhar da escola para o estudante, para que ele seja capaz de assumir uma posição, anteriormente inocupada, de protagonista. De acordo com o secretário geral da Fundação Roberto Marinho, João Alegria, o propósito da educação empreendedora é o desenvolvimento de competências e habilidades, tanto pessoais quanto coletivas, o que vai além da formação para gestão de uma empresa.
João defende a mudança do ensinar no país. Anteriormente, o professor entrega um conjunto de conteúdos que o aluno deveria dominar. “A experiência de aprender é ser capaz de formar estratégias pessoais, chamadas de competências e habilidades, para inserir esse conhecimento na vida”, diz. Dentro desse conjunto estão características relacionadas ao papel de cidadão, desenvolvendo a participação econômica, social, cultural e identitária dos jovens.
“É uma quebra de paradigma, o professor não é mais uma pessoa que transmite conteúdo. Agora, ele assume o papel de formar competências e habilidades nesse coletivo da sala de aula”, explica João.
O empreendedorismo é um meio que possibilita que estudantes, professores e gestores alcancem a plenitude da própria vida. “A base não é um currículo para alunos, é uma proposta para a experiência da escola”, afirma o secretário.
Segundo o gerente da unidade de educação empreendedora do Sebrae Nacional, Janio Macedo, a educação empreendedora é consequência de uma competência, prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Os mesmos professores que não dominam a BNCC é o mesmo percentual que associa a educação empreendedora ao meio empresarial, a formação financeira. “O primeiro passo não é levar ao professor o que é a educação empreendedora, é fazer com que os professores conheçam a integralidade da base”, aponta Janio.
“Esse é um tipo de mudança que vai levar 20 anos para que isso chegue até a ponta. Isso vai implicar diversas transformações. Não é de se estranhar esse sentimento de não estar dominando aquilo, isso não é um problema, faz parte do processo.
A partir do momento em que o aluno se enxerga como seu próprio negócio, ele tem capacidade de desenvolver um empreendedorismo para seguir qualquer profissão.
Lição que vem de escola pública
A inserção da educação empreendedora entrou na rotina dos estudantes do Centro de Ensino Médio 01 do Guará, o famoso GG. Neste ano, o conteúdo sobre empreendedorismo integra o corpo de disciplinas optativas da grade curricular. O professor Marcos Félix Gomes de Carvalho adota uma metodologia que combina aulas que provocam o pensamento crítico e pesquisas de campo.
Como o único educador responsável por ministrar a disciplina no GG, Marcos destaca o papel da “nova” disciplina em possibilitar a entrada dos estudantes no mercado de trabalho, com conhecimentos basilares para a formação pessoal e profissional.
No início, movidos pela curiosidade, os alunos se inscreveram na matéria para compreender o universo ao redor do empreender. O professor revela que os alunos aos poucos foram capazes de evoluírem suas competências e habilidades empreendedoras dentro das necessidades individuais apresentadas.
Lucas Daniel Coelho Vieira Penha, aluno do 1º ano do ensino médio, incorporou os conhecimentos aprendidos em sala de aula dentro de casa. Ele afirma que as aulas de empreendedorismo permitem que ele conseguisse ajudar a avó a impulsionar o pequeno negócio de dindins caseiros.
O empreendedorismo ainda está sendo introduzido na escola.Por isso, a disciplina apenas é ofertada para as turmas do primeiro ano. Porém, com o avanço dos próximos anos letivos, os segundos e terceiros podem participar da eletiva.
Além disso, o GG tem parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para desenvolver o projeto Empreendedor do Futuro. O órgão disponibiliza materiais didáticos, oficinas para os alunos e capacitação dos professores. Na escola, quatro professores estão participando do curso do Sebrae e nove estão inscritos no programa Educação Empreendedora também oferecido pela instituição.
No total, 57 estudantes participaram da educação empreendedora para desenvolver as competências essenciais para a vida. Marcos diz que o papel do empreendedorismo nas escolas é favorecer caminhos e possibilidades para os alunos seguirem durante e após a vida na escola.
O GG também recebeu um dos maiores símbolos do futebol nacional, o Zico, no retorno às aulas. O ex-jogador, a convite do superintendente do Sebrae no DF, Valdir Oliveira, comandou uma palestra sobre empreendedorismo na escola do Guará. O galinho é “embaixador” do projeto Empreendedor do Futuro. Além de tietar o ídolo, a empolgação dos jovens emanava da escola. Muitos comentaram que a visita deu mais motivação para estudar.
Os alunos de empreendedorismo também fizeram uma visita ao Instituto Federal de Brasília (IFB), câmpus de Taguatinga, para conhecer mais sobre a tecnologia 4.0.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá