Processo malconduzido

Empresas amargam prejuízo bilionário em ações trabalhistas

Estudo sobre o tema realizada pelo juiz do trabalho Rogério Neiva revela que ações malconduzidas resultam em perda de R$ 2 bilhões ao ano

Jáder Rezende
postado em 26/06/2022 06:00 / atualizado em 26/06/2022 06:00
Autor de estudo sobre negociações trabalhistas malconduzidas, o juiz Rogério Neiva vê falhas gritantes nas formulações de propostas tanto da defesa do funcionário quanto da companhia -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Autor de estudo sobre negociações trabalhistas malconduzidas, o juiz Rogério Neiva vê falhas gritantes nas formulações de propostas tanto da defesa do funcionário quanto da companhia - (crédito: Arquivo Pessoal)

Pesquisa inédita do juiz do trabalho Rogério Neiva mostra que empresas podem amargar prejuízo de cerca de R$ 2 bilhões ao ano por não saberem negociar acordos trabalhistas na fase de conciliação. O objetivo do estudo, segundo o magistrado, foi investigar o comportamento das partes envolvidas na negociação de conflitos submetidos ao Poder Judiciário, utilizando metodologias científicas e conceitos teóricos da psicologia comportamental.

Neiva iniciou o trabalho em 2013, e teve como foco processos que chegaram ao judiciário antes e depois da reforma trabalhista. O tema foi apresentado em sua tese no programa de doutorado do Departamento de Psicologia na Universidade de Brasília (UnB), expondo dados relevantes sobre a conciliação em processos trabalhistas. O trabalho teve como orientador o professor Jorge Oliveira Castro.

De acordo com o estudo, em 42% dos casos analisados, nos quais foram apresentadas propostas de acordo pelas duas partes, mas seguiram para a sentença, foi constatado que a empresa leva a pior ao não fazer o acordo no valor proposto pelo empregado. Ou seja, a empresa arcaria com menos se aceitasse uma proposta de acordo do trabalhador. Em contrapartida, foi constatado que apenas em 21% dos casos o trabalhador perde ao não aceitar a proposta da empresa, ou seja, acaba recebendo um valor superior ao final do processo, rejeitando o acordo. Ainda do lado das empresas, ao ser apurado a estimativa de prejuízo e considerando os valores pagos por ano aos trabalhadores na Justiça do Trabalho, constatou-se que pode chegar a R$ 2 bilhões.

Segundo ele, houve um caso em que o trabalhador apresentou uma proposta de cordo de receber R$ 44.789,90, tendo a empresa rejeitado a proposta e oferecido pagar R$ 22.394,95. Ao final do processo, a Empresa teve que pagar R$ 147.081,00. "Os valores das propostas estão quebrados, porque foram atualizados considerando o momento da apresentação da proposta e o momento em que o valor final foi apurado, de modo a evitar o efeito inflação", diz.

Em outro exemplo, ele conta que o trabalhador apresentou uma proposta de acordo de receber R$ 29.085,71, tendo a empresa rejeitado a proposta e proposto pagar R$ 5.817,14. Ao final do Processo, a empresa teve que pagar R$ 104.760,00. Quanto à postura adequada para a empresa, afirma Neiva, seria fazer uma análise séria e cuidadosa, e verificar que, nesses casos, aceitar a proposta do trabalhador seria uma postura eficiente.

O estudo foi dividido em duas grandes partes e tecnicamente se encaixa no conceito de pesquisa longitudinal. A primeira parte analisou 251 processos que chegaram ao judiciário antes da Reforma Trabalhista e teve o intuito de acompanhar toda a tramitação dos processos. Dentre eles, 150 foram resolvidos por acordo e 101 foram finalizados com o processo judicial.

A segunda parte da pesquisa foi centrada na investigação do valor da causa e dos impactos provocados pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) sobre esse valor. Nessa fase, foram analisadas outros 145 processos que chegaram à justiça após a Reforma Trabalhista. A pesquisa foi feita com levantamento de processos que tramitam no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, com sede em Brasília.

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. (foto: Thiago Fagundes)

Segundo a pesquisa do juiz Rogério Neiva, é possível considerar que a Reforma Trabalhista trouxe um resultado positivo, para efeito de contribuir com a solução consensual dos processos. Ele conclui que as propostas dos trabalhadores-reclamantes passaram a ter maior relação com o valor da causa, o que resulta em maior qualidade dessas propostas.

Para o magistrado, fica evidente que o Judiciário deve ajudar as partes a preverem o que pode ocorrer no futuro do processo, caso não se chegue ao acordo e siga para o julgamento. "Existem cuidados éticos necessários, mas essa compreensão pode ajudar na qualidade das propostas de acordo, pois é preciso que as empresas entendam que estão perdendo boas oportunidades de resolver processos com custo menor e é possível entender os comportamentos das partes nas negociações para solucionar conflitos a partir de modelos teóricos da psicologia, e isso pode ajudar a chegar ao consenso", afirma.

ENTREVISTA

"Faculdades fomentam a cultura do litígio"

Autor de estudo sobre negociações trabalhistas malconduzidas, o juiz Rogério Neiva vê falhas gritantes nas formulações de propostas tanto da defesa do funcionário quanto da companhia

Em sua pesquisa, o senhor mostra que as empresas podem ter prejuízo bilionário ao ano por não negociar de forma correta acordos trabalhistas na fase de conciliação. Quais São as principais falhas das empresas nesse processo?

Considero que são duas falhas distintas. Uma corresponde ao não aproveitamento da oportunidade de solucionar o processo por meio do acordo. O dado apurado levou em consideração a proposta certa apresentada pela parte contrária, ou seja, o trabalhador, e o resultado final do processo estabelecido pela sentença. Portanto, estamos falando de uma possibilidade certa de solução que a empresa tinha na mão, pois a proposta estava na mesa, que foi descartada.

O senhor afirma, ainda, que em apenas 21% dos casos o trabalhador perde ao não aceitar a proposta da empresa, ou seja, acaba recebendo um valor superior ao final do processo, rejeitando o acordo. O que levaria a defesa do funcionário a falhar?

Na grande maioria das vezes, o trabalhador toma uma decisão otimizadora ao rejeitar a proposta da empresa. Mas quanto a esses casos em que o trabalhador rejeita a proposta e, ao final, recebe menos, a falha também seria na avaliação adequada dos riscos do resultado. No fundo, o que a pesquisa mostra, é que as partes e advogados estão falhando na formulação das propostas de acordo e na análise dos riscos do resultado do processo. Isso pode ser compreendido pelo fato de que no Brasil a cultura é do litígio, da briga, da disputa. Os advogados são formados para o embate, e não para buscar uma solução melhor para o seu cliente, que não decorra da disputa, mas, sim, do acordo.

O senhor vê alguma falha no processo de formação de advogados no país?

As faculdades e os advogados formados focam na capacitação para a disputa. Buscam estudar para litigar, por exemplo, sobre como fazer a melhor petição, o melhor recurso, a melhor estratégia de ataque, de defesa e etc. Mas não estudam sobre como resolver, por meio de acordos, por exemplo, como construir uma proposta e como fazer uma análise de risco do resultado do processo. Além de perderem boas oportunidades e de resolver conflitos de maneira mais eficiente, fomentam a cultura do litígio, comprometem a pacificação social e sobrecarregam o Judiciário, que precisa sempre estar sendo ampliado e é mantido com recursos públicos. Isto é, todo mundo sai perdendo. Precisamos entender que solucionar processos por meio de acordos, além de contribuir com uma sociedade mais harmônica, pode ser mais eficiente para todos.

Pontua, em seu estudo, que a reforma trabalhista trouxe resultados positivos para ambas as partes, empresa e empregado. Como ocorrem esses faotres?

A reforma estabeleceu a regra de que o valor da causa deve ser real. Isso significa que ele deve corresponder ao valor que realmente está sendo demandado. Antes da reforma não havia consequências nem imposição expressa para que o valor da causa tivesse a mencionada característica, pois o advogado poderia lançar um valor qualquer de forma aleatória, sem relação alguma com o que estava sendo demandado. Por exemplo, numa ação em que se buscasse uma condenação de R$ 10 mil, colocar como valor da causa R$ 100 mil. A reforma acabou com isso, o que a pesquisa mostrou ter sido positivo, melhorando a qualidade das propostas de acordo.

Como chegou à conclusão da estimativa de prejuízo para as empresas por não negociarem corretamente acordos trabalhistas, da ordem de R$ 2 bilhões ao ano?

Primeiro que trata-se de uma estimativa e projeção. Para isso, foi considerado o universo de casos em que a empresa leva a pior e em qual tamanho é esse prejuízo. Essa estimativa foi aplicada ao universo de valores que são pagos anualmente aos trabalhadores, fornecido no relatório estatístico da Justiça do Trabalho.

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