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Equilíbrio

Maternidade e carreira são grandes desafios para as mães

Conciliar o cuidado com os filhos com a vida profissional é um grande desafio para as mães, que se vêem obrigadas a triplicar a jornada de trabalho

Historicamente, mulheres trabalhadoras enfrentam carga de atribuições dificilmente encarada pelos homens. E, quando chegam à maternidade, essas obrigações podem ultrapassar limites. Pesquisa realizada pela InfoJobs, em 2021, aponta a sobrecarga feminina em cerca de 86% das mulheres entrevistadas. Mulheres, em especial mães, precisam se desdobrar ou até triplicar a jornada de trabalho, ao conciliar atividades profissionais com o serviço doméstico. Para mais da metade delas, essa rotina impacta de forma negativa no rendimento e também no desenvolvimento do trabalho

O estudo reuniu 1627 pessoas que se identificam com o gênero feminino, entre 17 e 60 anos. De acordo com a pesquisa, ataques e insultos contra grávidas são aspectos negativos da maternidade. Exatos 86% das participantes afirmam que sofreram ou acreditam que havia preconceito relacionado à licença-maternidade. Além disso, cerca de 85% das mulheres vivenciam jornada de trabalho dupla no país, com a realização de atividades domésticas e cuidados com os filhos, e muitas delas ainda enfrentam o preconceito no ambiente corporativo.

Carlos Vieira/CB/D.A Press - Dificuldades de mães em conciliar a maternidade com demais atividades da vida pessoal. Na Foto Bruna Souza Moreira com os filhos Benjamim ( menor ) e Martin.

A servidora pública que atua nas redes sociais do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Bruna Souza Moreira, 32 anos, é mais uma entre a grande maioria das mães a admitir que conciliar o trabalho com a maternidade não é uma tarefa nada fácil, entretanto, prazerosa. Sobretudo quando se faz o que gosta. “Ter uma atividade profissional na maternidade é emocionalmente demandante, mas produzir outras coisas que não tenham relação direta com cuidar da casa, dos filhos, é muito gratificante”, diz

Para promover as adaptações e concessões necessárias, a mãe de Martin, 3 anos, e Benjamin, 1, contra com uma rede de apoio que envolve a mãe, a sogra e uma babá » Jáder Rezende » *Mariana Andrade Mulher, mãe e trabalhadora Equilíbrio Sobrecarga imposta a mulheres com filhos pode ultrapassar barreiras, triplicando a jornada. No Brasil, 85% delas encaram essa realidade sempre pronta para os momentos mais difíceis. “Sem elas, minha vida seria um caos. Não é nada fácil ser mãe e trabalhar ao mesmo tempo. É preciso muita habilidade, ter jogo de cintura”, diz.

Percepção

Carlos Vieira/CB/D.A Press - Bruna com os filhos Benjamim e Martin: "É preciso muita habilidade e jogo de cintura"

Contudo, mesmo com essa rede colaborativa, Bruna considera fundamental o compartilhamento de tarefas e responsabilidades com o companheiro. “Quando as crianças estão doentes, por exemplo, nem sempre essa necessidade de se ausentar do trabalho é bem recebida, embora isso não seja muito explícito. Sei que essas demandas podem até comprometer qualquer possibilidade de ascensão no trabalho, mas, nessas horas, não existe outra saída a não ser dar a atenção imediata aos meus filhos, que são prioridade máxima”, diz

Depois da maternidade, revela Bruna, sua percepção de machismo ficou bem mais nítida. “É como se eu sentisse na pele a diferença gritante entre homens e mulheres no mercado. Raramente os maridos podem se ausentar para cuidar dos filhos. Ainda impera esse conceito de que os homens têm mais responsabilidade, que o trabalho deles é mais importante. Só as mulheres seguram essa barra, a de se ausentar quando é preciso. Não sei o que vem primeiro, o ovo ou a galinha?”, questiona, deixando claro que seu marido é participativo, um ótimo pai, mas frisando que “a responsabilidade maior sempre é das mulheres”.

Até mesmo a vaidade passa a ficar em segundo plano quando o assunto é conciliar as responsabilidades da maternidade com as trabalhistas. "Não consigo me dedicar totalmente a esse quesito. Não tenho o tempo que tinha antes dos filhos chegarem. Uma responsabilidade vai puxando a outra e acabo ficando de lado. Mesmo contando com ajuda não tem como. Há tempos que isso para mim não é prioridade", diz.

Desesperar jamais

Arquivo Pessoal - Empresas devem garantir às mães mais tempo para passar com os filhos, fator crucial para que elas se sintam mais protegidas

Em meio ao grande número de desemprego e preconceito contra mulheres grávidas, a história de Juliana de Faria alimenta a luta das mães que não pretendem desistir da vida profissional. Ela foi contratada como diretora de engajamento na Bloom Care, com 28 semanas de gestação. “Na época, me senti muito satisfeita ao ter meu talento reconhecido. Independentemente do que aconteça na minha privada, ele vai se manter”, afirma.

Juliana conta que a contratação a deixou bem segura, ao ingressar em uma instituição, que segundo ela, “humaniza e tem uma visão 360 graus”. Para ela, esse acolhimento influencia na entrega e desenvolvimento do trabalho.

O ano de 2020 foi marcado pela perda gestacional, momento muito difícil para Juliana, que reservou um tempo para refletir e se afastou após quase oito anos trabalhando com diversidade em organizações que era fundadora e co-fundadora. “Mais uma das questões de como a maternidade nos atravessa e ela acaba impactando outras áreas da nossa vida, como a parte da carreira”, revela

Após alguns meses, Juliana engravidou novamente e, com 7 meses de gestação, foi convidada a criar e comandar a área de mobilização e engajamento na empresa, visando dar mais visibilidade ao debate sobre a maternidade e mostrar como ele é essencial para a vida de todas as mulheres.

Ela aponta o preconceito contra mulheres que não experimentaram a maternidade, mas estão na idade fértil, como um dos fatores eliminatórios, que desclassificam as candidatas dos processos seletivos

Para Juliana, contratar mulheres grávidas ou com filhos pequenos é uma mensagem para o mercado de trabalho de que é possível integrar a família no corpo de funcionários. “O tema ainda é visto como polêmico. Enquanto alguns enxergam com estranheza, outros olham positivamente. No final, esperamos que as opiniões não sejam 8 nem 80”, diz.

Inclusão

Arquivo Pessoal - "Nenhuma mãe deve desistir de sua vida profissional", diz Juliana Faria

Ainda de acordo com Juliana, um grande passo para a inclusão da maternidade nas empresas é a realização de uma pesquisa das funcionárias e suas famílias, para entender as realidades de cada uma. Dessa forma, é possível desenvolver políticas e benefícios para essas mães. Mas se a empresa não sabe exatamente o que elas precisam, pode ser “um tiro que a gente não acerta”. “As empresas precisam assumir responsabilidades também como parte dessa rede de apoio dessas famílias e conhecê-las”, completa.

Ela entende que ações como flexibilização de horários e demandas, criação de creches no local de trabalho e garantia de licença-maternidade devem ser melhor absorvidas pelos empregadores. “Cada mulher sabe o que é melhor para a sua família. Não conseguimos verbalizar o que elas estão sentindo. Ela pode estar sofrendo opressões e repressões vindas do lugar de hierarquia e sentem dificuldade para se impor”, afirma. “Então, eu inverto essa lógica e prefiro falar com essas empresas que têm o poder de melhorar a vida dessas mulheres, reduzindo o sentimento de culpa, oferecendo mais tempo para passar com os filhos para que ela se sinta confortada.”

Ao conhecer as singularidades das mães, é possível desenvolver ações que garantam a permanência delas no emprego. “Mais do que nunca, a pandemia mostrou que não podemos colocar essas mães em caixinhas. É importante que elas tenham autonomia sobre o seu próprio tempo”, afirma

O desenvolvimento de políticas públicas é algo que demanda mobilização e conscientização com relação a questões e problemas que estão normalizados. No caso da maternidade, para Juliana, o problema é que muitas vezes mães e pais estão extremamente sobrecarregados, tornando a co-participação complicada. “Precisamos que a sociedade entenda as demandas maternas, mesmo pessoas que não têm filhos precisam se solidarizar e ter um pouco mais de empatia para, assim, conseguir colocar essa pauta em discussões diárias”, defende.

Mães trabalhadoras são grandes trunfos para empresas

Arquivo Pessoal - Marcella Moura e os filhos Lucas e Laura: "Super mulheres estão nos filmes. Somos heroínas por fazermos tudo que fazemos"

Durante a pandemia, milhares de mulheres perderam o emprego e descobriram que os desafios de ser mãe e trabalhadora nunca foram tão evidentes. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que a taxa de desemprego feminina em 2021 foi 16,45% superior à dos homens, resultando na marca de 7,5 milhões de mulheres que permanecem fora do mercado no país.

Mãe de Lucas, de 5 anos, e Laura, de 10 meses, a psicóloga Marcella Moura, sócia da Acerta, consultoria de RH especializada em gestão de pessoas, afirma que são incontáveis os benefícios de contratar, reter e investir em mães. Segundo ela, as habilidades que são exigidas de mulheres com filhos se adequam ao que o mercado de trabalho procura.

"Super mulheres estão nos filmes. Nós somos heroínas por fazermos tudo que fazemos, dentro do que nós mesmos decidimos ser o suficiente. Por isso, respeitamos nosso tempo e organizamos nossa rotina, sem medo de pedir ajuda. Tem muita gente que nos admira como mãe e como profissional. E é exatamente por sermos quem somos e por quem nos tornamos: mães cuidadosas e profissionais dedicadas", afirma.

Contudo, ela admite que ainda há resistência na absorção de mão de obra feminina, sobretudo levando-se em conta a ideia de que elas podem não render o esperado, em função das frequentes demandas dos filhos. "O homem, quando tem filhos, é visto como provedor e responsável. Já em relação à mulher, existe a preocupação da falta de disponibilidade para o trabalho", diz, observando que o comportamento inerente às mães não deve ser encarado como ameaça à produtividade e, sim, uma preocupação com o tempo. "Quando a criança ficar doente, quem vai cuidar? A nossa cultura ainda entende que isso é um problema 100% da mãe", exemplifica.

"Mãe pode ficar doente? Sim, ela pode faltar. Por isso, é importante saber delegar e entender que nem sempre o outro vai fazer algo do jeito que gostaríamos, mas tudo bem. Agora, se pensarmos no perfil comportamental da mãe, não faz sentido, porque são competências extremamente importantes no mercado de trabalho", analisa, completando que mães são multitarefas, pensam em cada detalhe e sua produtividade é maior, mesmo com a responsabilidade materna.

Além disso, prossegue a especialista, a responsabilidade da criação dos filhos tem que ser de ambos os pais e que não devemos julgar ser apenas da mãe. "É claramente um preconceito de acharmos que essa responsabilidade é só da mãe", diz.

Os prejuízos acarretados por esse tipo de mentalidade, segundo ela, vão além da cultura da empresa. "Perdem na diversidade, na produtividade operacional e na visão estratégica. Mães são altamente produtivas e contribuem para um ambiente mais promissor", avalia.

Lembrando que um bom funcionário tem habilidades técnicas e também comportamentais, e que as técnicas são fáceis de provar, diferentemente das habilidades comportamentais, Marcella Moura pondera que as mães estão aptas a dar bons exemplos de gestão do tempo, negociação, trabalhar com prazos curtos e gestão emocional, dentre outras atribuições. "Mulheres mães podem desempenhar qualquer papel, contanto que elas tenham uma rede de apoio e uma expectativa alinhada. O que acontece muito é a culpa de estar no trabalho. Culpa nossa mesma e da sociedade", ressalta.

O fato de muitas mães optarem por ficar com os filhos e adiar a vida profissional por falta de creche ou por não ter com quem deixá-los, pode ser equacionado com a criação de uma rede de apoio. "Essa rede para a volta profissional é o principal ponto. O custo de uma creche integral inviabiliza o retorno de muitas dessas mães que buscam empreender em casa ou um trabalho mais flexível", afirma, reiterando que essa tem que ser uma questão para ambos os sexos e não uma responsabilidade apenas materna.

"É extremamente importante fomentar este tema, debater nossa cultura machista. Essa rede de apoio pode ser viabilizada com a definição de locais e pessoas de confiança para contar e, principalmente, nos livrarmos da culpa que carregamos, a de querer ser perfeita em tudo", conclui.

Planejar é preciso

O equilíbrio entre a vida profissional e doméstica também pode ser solucionado, afirma a psicóloga Marcella Moura. Para que isso ocorra, destaca, é imperativo organizar o tempo, lançar mão de um bom planejamento e, principalmente, não extrapolar as expectativas.

"Talvez você não corra mais 5 km, mas caminhe 2 km. Talvez não tenha comida fresca todo dia e tudo bem. Talvez você não tenha a casa tão arrumada. Talvez você não tenha tudo do seu jeito, mas está tudo bem", ensina.

Sobre a culpa que algumas mães sentem quando voltam para o trabalho, ela traz à tona a simples reflexão: "Não é fácil, muitas vezes mais difícil para nós do que para eles, mas, com certeza, nossos filhos sentirão orgulho de nós, que trabalhamos por nós e por eles".

Ela mesma admite que sua vida precisa de muita gestão e parceria. "Tenho a minha rede de apoio, que são pessoas maravilhosas com quem posso contar. Sem elas, não consigo trabalhar e cuidar de tudo. É importante montar uma rotina. Criança precisa de rotina e planejamento. Saber pedir ajuda, saber delegar e esperar o tempo do outro", diz.

"É sempre correria e precisamos lidar com imprevistos o tempo inteiro em casa e no trabalho. Por isso, é super importante ter um momento para se cuidar, como fazer exercícios, unha, cabelo, ler, e até mesmo não fazer nada. Mesmo que menos do que gostaríamos, aos poucos, vamos ajustando. E entendermos que são fases, que vamos sentir falta de quando nossos filhos são pequenos e vamos dar o melhor de nós em cada momento, tanto na vida profissional quanto na pessoal", conclui.

A situação nada confortável das mães trabalhadoras também é refletida nos dados nada animadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o principal provedor de informações geográficas e estatísticas do país, apenas 54,6% das mulheres com filhos pequenos têm emprego. De acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), são nada menos que 7,5 milhões de mulheres fora do mercado no país.

Em contrapartida, a presença feminina no mercado de trabalho no mundo registrou aumento nos últimos anos. Porém, de acordo com o relatório Global Gender Gap Report 2020, ainda faltam cerca de 100 anos para reverter esse atraso. Atualmente, as mulheres representam 38,8% da força de trabalho global, contra 61,2% dos homens. No Brasil, essa proporção é de 43% de mulheres e 57% de homens, de acordo com dados atualizados do IBGE.

Estudos publicados pela Universidade de Stanford mostram que empresas que comprovam mais presença de mulheres assumindo postos de trabalho tiveram sua marca e suas ações nas Bolsas valorizadas.

O assunto também foi tema de pesquisa realizada pelo LinkedIn em fevereiro deste ano, revelando que 44% das mulheres nunca pediram aumento ou negociaram uma promoção, mesmo tendo certeza do seu merecimento.

"Isso tem relação direta com a estrutura social machista em que vivemos, na qual as mulheres são perguntadas se têm filhos ou têm vontade de ter filhos nos processos seletivos. Em geral, elas são subestimadas e recebem maus olhados durante a gravidez e chegam a ser demitidas sem justa causa logo após a conclusão da licença maternidade", diz Ana Paula Prado Country Manager do InfoJobs.

Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que o índice de empregabilidade de mulheres sem filhos é de 67,2%, mas ainda inferior ao dos homens na mesma situação (83,4%). Além disso, menos da metade das mulheres negras (49,7%) conseguem um emprego com crianças menores de 3 anos, enquanto o percentual entre as mulheres brancas é de 62,6%. As negras sem filhos (63%) também têm mais dificuldade de entrar no mercado em comparação às brancas (72,8%).


*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende