O início da segunda década do século XXI tem sido desafiador no contexto mundial: pandemia, recessão econômica, novos conflitos envolvendo potências. Nesse cenário, é de se esperar que o conservadorismo aumente, principalmente da mão de obra assalariada que depende do seu trabalho para garantir o sustento. Seria de se esperar que os colaboradores não apenas permanecessem em seus empregos, como também fizessem de tudo para mantê-los em tempos tão incertos.
No entanto, essa expectativa não está se confirmando. Pelo contrário, vem sendo contrariada não apenas no Brasil, mas em outros países do mundo, como nos Estados Unidos. No que tange ao nosso país, o fato de os colaboradores pedirem demissão em proporção histórica recorde nos últimos anos assusta ainda mais. O cenário econômico brasileiro atual apresenta uma taxa alta de desempregados, cerca de 11% no último levantamento divulgado pelo IBGE em fevereiro de 2022. Esse percentual representa cerca de 12 milhões de trabalhadores. Quando há uma elevada faixa de pessoas em idade economicamente ativa sem ocupação formal, a tendência é que os que estão empregados não se arrisquem saindo de seus empregos.
Em um levantamento realizado pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data a pedido da revista Você S/A, apurou-se que cerca de 500 mil colaboradores pedem demissão a cada mês no Brasil. Esse aumento nos pedidos de demissão se iniciou em 2020, logo após o fim do período mais crítico da pandemia, e seguiu em alta desde então.
Apesar do fenômeno da rescisão voluntária em massa atingir diferentes faixas etárias e tipos de colaboradores, há um perfil predominante. A maioria dos que pedem desligamento são jovens, abaixo de 30 anos, e ocupam funções mais baixas na hierarquia das organizações. Atendentes de telemarketing, auxiliares e analistas administrativos e atendentes de comércio encabeçam o topo das ocupações nas quais os empregados mais pedem para sair. Em termos de divisão regional, o centro-oeste e sul do Brasil são áreas nas quais os pedidos de demissão são maiores do que em outras localidades também.
Mas o que está acontecendo? Por que as pessoas estão escolhendo sair de seus empregos mesmo quando há tanta incerteza e desafios para recolocação no mercado? As análises compartilhadas por especialistas econômicos e de carreira, além de entrevistas com pessoas que pediram demissão, indicam uma mudança de valores em relação ao trabalho que foi gravemente acentuada e acelerada pelos desafios coletivos dos últimos dois anos, principalmente a pandemia de Covid-19.
Se antes o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e a priorização da saúde eram itens que pareciam secundários na permanência no emprego, atualmente eles são os fatores mais importantes ao tomar decisões de carreira, até mesmo quando comparados à remuneração e perspectivas de crescimento na empresa.
Os colaboradores não querem se expor às situações de trabalho nas quais podem estar mais vulneráveis a uma possível contaminação viral, o que puxou a fila das demissões logo no início do fenômeno. Além disso, a implementação forçada do trabalho remoto flexibilizou a agenda, permitindo que a gestão de horários e local de trabalho estivesse mais sob o controle de cada empregado do que das empresas. As organizações que não quiseram manter essa dinâmica ou foram mais resistentes a ela também tiveram desafios em manter os colaboradores.
Há também as motivações particulares de cada grupo, como as mulheres que podem ter aumentado os pedidos de demissão para conciliar as demandas da casa e do cuidado dos filhos em um período no qual escolas e creches ficaram fechadas por muito tempo. E, apesar do grande volume de desempregados no Brasil, há áreas e ocupações que apresentam déficit de candidatos, como é o caso das áreas de tecnologia da informação e telemarketing. Quem ocupa essas funções, têm mais opções de escolha e pode hesitar menos ao trocar um trabalho por outro.
De um modo geral, apesar das particularidades de cada caso, o que estamos observando e aprendendo com esse fenômeno dos pedidos de demissão em massa é que o que os colaboradores buscam no emprego, prioritariamente, é uma combinação de fatores que lhes proporcione bem-estar. Nessa equação, estão dispostos a abrir mão de dinheiro e segurança para ter mais qualidade de vida. Se essa mudança não for sazonal ou fruto de um momento atípico do mercado de trabalho, irá provocar profundas transformações na forma como trabalhamos daqui para frente.
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