Gestor nota 10

Gestão coletiva resgata crianças em situação de risco

Luiz Cláudio Campos, diretor do Caic Assis Chateaubriand, assumiu o desafio de transformar as vidas de mais de 1,2 mil estudantes de Planaltina

Mariana Niederauer
postado em 01/05/2022 06:00 / atualizado em 01/05/2022 06:00
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Planaltina ganhou um defensor e admirador obstinado quando nasceu Luiz Cláudio Campos. Retribuir todo o carinho à cidade que o acolheu desde a infância, mesmo com todas as dificuldades sociais e financeiras que se impuseram ao longo do caminho, tornou-se um dos seus principais objetivos de vida. E foi por meio da educação que ele viu a possibilidade de concretizá-lo.

Luiz Cláudio não nega, porém, que o resultado alcançado foi diferente do que havia sonhado. "Eu nunca pensei em ser professor. A minha intenção, quando jovem, era ser administrador de empresas. Mas, no meu tempo, quando terminei o ensino médio, não tinha PAS (Programa de Avaliação Seriada, da Universidade de Brasília) ou Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), tinha que fazer o vestibular na UnB, que era muito concorrido, ou você fazia faculdade particular, que eu não tinha condição", detalha.

Em um tempo de possibilidades limitadas, sem as opções que a expansão da rede de ensino superior permitiu e as oportunidades abertas pelo Sistema de Cotas para Escolas Públicas, Luiz Cláudio explica que aproveitou a chance que viu de ascensão econômica e social. "Abracei a primeira oportunidade que surgiu: o vestibular da UEG (Universidade Estadual de Goiás). Passei em sétimo, e comecei a ter gosto pela profissão. Quando terminei meu curso, no primeiro concurso que eu fiz, eu passei, na colocação 146 à época."

Era o concurso da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Foi aí que a vida de Luiz Cláudio tomou um rumo definitivo. Em 1999, a convocação o levou ao chão da escola — lugar de onde já saiu e voltou algumas vezes, alternando com cargos de gestão. Formado em geografia e com habilitação para dar aulas de sociologia, trabalhar com jovens e adolescentes do ensino médio era a sua praia. "Uma conquista minha como professor de ensino médio é hoje conhecer ex-alunos meus que são profissionais conceituados: advogados, professores, juízes, engenheiros", elenca.

 22/04/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Coluna Nossos mestres, Luiz Claudio Campos professor e diretor do Caic Assis Chateaubriand, em Planaltina DF.
22/04/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Coluna Nossos mestres, Luiz Claudio Campos professor e diretor do Caic Assis Chateaubriand, em Planaltina DF. (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Em 2014, no entanto, assumiu uma missão diferente, a de estar à frente do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) Assis Chateaubriand, na cidade em que cresceu. A escola atende a mais de 1,2 mil crianças de 4 a 12 anos, da educação infantil às séries iniciais do ensino fundamental.

Ao chegar, se deparou com as dificuldades no processo pedagógico e na área administrativa. Por meio da parceria com a comunidade escolar, iniciou a reformulação do Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Caic, essencial para os resultados alcançados até hoje. O principal deles, orgulha-se o diretor, é ajudar no combate à criminalidade.

"A escola está localizada numa área chamada Buritis 2, mais conhecida como Pombal. Só perde no índice de criminalidade para o Rio de Janeiro", observa Luiz Cláudio, diretor do Caic. "Temos uma carência muito grande do Estado, e um crescimento acentuado do tráfico e da marginalidade."

Ele acredita que, por meio da gestão coletiva, que envolve a comunidade, é possível resgatar crianças que começam a se envolver em crimes. Mais que isso, conquistar o respeito da população, mesmo diante de um contexto socioeconômico delicado. "Hoje, o Caic é uma escola que não tem uma pichação no muro", orgulha-se.

Fome de quê?

Um dos projetos que o diretor mais exalta é o da Escola da Inteligência, oferecido pelo Instituto Augusto Cury, que tem por objetivo levar ensinamentos sobre inteligência emocional às crianças. "Esse projeto veio para a escola como projeto-piloto, porque o instituto só trabalhava com escolas particulares", conta Luiz Cláudio. Na avaliação dele, a proposta foi essencial para a reconstrução econômica e social que ele sentia a necessidade de implementar à frente da gestão.

"Nós acolhemos as crianças carentes, da periferia de Planaltina. São crianças que, antes de aprender a ler e a escrever, precisam se alimentar", relata. Com o projeto e a participação dos pais, foi possível conciliar a dependência social à aprendizagem. "Conseguimos fazer com que as crianças fossem para a escola não só pela merenda, mas para socializar com as outras", destaca Luiz Cláudio.

  • Luiz Cláudio Campos com os netos, Miguel, 7 anos, e Mariana, 8, também alunos do Caic Assis Chateaubriand Arquivo pessoal
  • Luiz Cláudio Campos com os netos, Miguel, 7 anos, e Mariana, 8, também alunos do Caic Assis Chateaubriand Arquivo pessoal

Com a pandemia de covid-19, em 2020, o diretor explica que o instituto encerrou as atividades em escolas públicas. Vieram na sequência dois anos de ainda mais desafios, para os quais nenhum gestor, professor, aluno ou pai estava preparado, em Planaltina ou em qualquer outro canto do mundo. "Tivemos muita dificuldade para levar o ensino remoto, e uma perda pedagógica muito grande, mas trabalhamos com busca ativa, para resgatar as crianças que sumiram."

E, quando ele diz busca ativa, não é força de expressão: carro de som cruzou as ruas da cidade avisando da importância de os alunos manterem a frequência escolar, e um motoboy levava na casa dos que precisavam o material impresso. Parte do conteúdo também era enviado aos pais pelo WhatsApp, para aqueles que não tinham acesso a computador em casa. "À época, conseguimos resgatar 300 crianças usando a busca ativa e o material impresso", destaca Luiz Cláudio. O retorno 100% presencial, apenas em setembro de 2021, veio acompanhado de outras tantas batalhas, como alunos desestruturados disciplinarmente e não mais habituados à rotina escolar. "Está sendo um trabalho muito difícil. Até hoje, muitas crianças estão com nível de aprendizagem diferenciado", explica.

O número de alunos especiais também é um desafio diário. São 86 estudantes com laudos que comprovam a existência de algum transtorno; e outras 200 crianças com dificuldade de aprendizagem em razão de transtorno ainda não investigado. Nesse último caso, a escola encaminha as famílias para atendimentos que consegue por meio da Casa do Ceará e em instituições de ensino que oferecem assistência gratuita, como em medicina clínica e fonoaudiologia.

O filho da dona Clarice

A realidade que Luiz Cláudio testemunha hoje na escola não é muito diferente da que viveu na infância e na adolescência. "A violência era pouca naquele tempo, a década de 1980, mas eu fui um desses estudantes que só tinha uma calça jeans e um par de tênis para ir à escola e para sair com os amigos no fim de semana."

A mãe, Clarice Gonçalves, que morreu há três anos, lavava roupa, fazia faxina em apartamentos no Plano Piloto e ainda bicos em obras para sustentar os três filhos, todos formados hoje. O mais velho é também professor e a caçula, secretária executiva. "Nós conseguimos vencer com o esforço da nossa mãe", relata Luiz Cláudio, hoje com 52 anos. Pai de Stephanie Kelly, 26, e de Felipe, 24, tem o privilégio da companhia dos netos no dia a dia. Filhos da primogênita, Mariana, 8, e Miguel, 7, estudam no Caic.

Luiz Cláudio com a filha Kelly, a mãe, Clarice Gonçalves, e com os netos, Miguel, 7 anos, e Mariana, 8, também alunos do Caic Assis Chateaubriand
Luiz Cláudio com a filha Kelly, a mãe, Clarice Gonçalves, e com os netos, Miguel, 7 anos, e Mariana, 8, também alunos do Caic Assis Chateaubriand (foto: Fotos: Arquivo pessoal)

"Tudo o que eu tenho até hoje eu devo à educação", repete o diretor, como um mantra. "Eu continuei insistindo com os estudos e me sinto muito feliz. Sou um gestor educacional bem conceituado na minha cidade." Mesmo com todas as dificuldades, ele ressalta que acredita na escola pública e exalta os professores da rede. "A verba é tão pouca que a gente só consegue fazer o que é necessário, e, mesmo assim, tiramos leite de pedra, como diz o ditado popular. Conseguimos formar cidadãos."

Com a sabedoria de quem não só sentiu na pele as consequências de um contexto social distante dos privilégios guardados às elites, mas também decidiu se envolver na solução dos problemas estruturais da própria comunidade, Luiz Cláudio evoca toda a potência do ensino público e gratuito: "A sociedade, hoje, está muito carente de acolhimento e, dentro da escola pública, a gente consegue acolher as famílias, as crianças, os jovens, e fazê-los sair da violência, sair de uma condição social pobre para um condição que pode abrir caminhos para eles".

 

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