Maternidade

A difícil missão de conciliar filhos e trabalho

Em vários países, mães enfrentam preconceito e violência ao levar os bebês para a empresa ou repartições públicas. Brasil não tem legislação que garanta essa prática

Jáder Rezende eMariana Andrade*
postado em 24/04/2022 00:01 / atualizado em 27/04/2022 16:08
Talíria e Moana, na plenária da Câmara dos Deputados -  (crédito: Divulgação/Assessoria Talíria Petrone)
Talíria e Moana, na plenária da Câmara dos Deputados - (crédito: Divulgação/Assessoria Talíria Petrone)

A foto da senadora italiana Licia Ronzulli com sua filha bebê no colo no parlamento europeu, voltou a viralizar recentemente, 10 anos depois que a imagem se tornou icônica ao retratar a difícil conciliação entre a vida profissional e a maternidade. "Depois de tantos anos, a conciliação trabalho-família ainda é um problema para muitas mulheres, que não querem desistir de se realizar mesmo como mães e ter que escolher entre filhos e carreira", escreveu a parlamentar, no Instagram, ao celebrar os quatro meses do assegno único, política social que garante auxílio financeiro para famílias com filhos menores de idade. Há dois anos, no Quênia, a deputada Zuleikha Hassan recebeu tratamento bem mais ofensivo. Mãe de três crianças, ela foi expulsa do parlamento pelo simples fato de estar com um deles no colo durante a sessão. Escoltada para fora do plenário, ela disse que levou o bebê porque não havia ninguém com quem o deixá-lo e não quis faltar ao trabalho. Grande entrave para mulheres de todo o planeta, a acessibilidade materna no ambiente de trabalho também encontra resistência no Brasil, onde quase metade das famílias não têm acesso a creches.

No Brasil, não há lei que obrigue ou proíba as mulheres de levar os filhos para o trabalho, questão que deve ser resolvida em comum acordo entre patrões e empregados. Apenas o artigo 389 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece regras a respeito da maternidade, obrigando os estabelecimentos em que trabalham pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos a terem local apropriado para guarda e amamentação dos filhos. Na região Centro-Oeste, Brasília lidera as unidades da federação onde mães pobres e solteiras são excluídas desse tipo de atendimento, segundo estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. A meta prioritária do Plano Nacional de Educação (PNE) prevê, até 2024, que pelo menos 50% das crianças com até 3 anos tenham vagas asseguradas nessa modalidade.

Faltam creches

De acordo com o estudo, a prioridade nesse processo recai sobre três grupos mais vulneráveis: famílias em situação de pobreza, famílias monoparentais e famílias em que o cuidador principal é economicamente ativo ou poderia ser, caso existisse a vaga. Mostra ainda que, em 2019, o Índice de Necessidade de Creche (INC) Brasil - desenvolvido para identificar e dimensionar a demanda por vagas em creche - foi de 42,4%. Naquele ano, entre os 11,8 milhões de crianças de 0 a 3 anos no país, quase 5 milhões, precisavam de atendimento. Na região Centro-Oeste o índice era de 37,8%. No Distrito Federal, de 40,6%.

Na Câmara dos Deputados, entre as 513 cadeiras, somente 77 são ocupadas por elas, correspondendo a parcos 15%.Mesmo precisando conciliar trabalho e maternidade, a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ) foi mais uma a não abrir mão de sua missão. Segundo ela, em 2020 exatas 198 servidoras se afastaram do trabalho no órgão após a conclusão do período de licença-maternidade. A parlamentar encaminhou ofício ao presidente Arthur Lira (PP-AL) pedindo a instalação de trocadores de fraldas em todos os banheiros da Casa, medida que, segundo ela, tem o objetivo de atender a uma importante demanda de mães que circulam com seus filhos pelo local, tornando-o mais acolhedor.

"Infelizmente a solicitação ainda não foi aceita. Essa demanda é uma pauta histórica do movimento feminista, em especial, de mães. Entendemos que, devido à divisão sexual do trabalho, além de dupla e tripla jornadas, muitas mães precisam levar suas crianças pequenas para o emprego, sobretudo crianças que ainda são amamentadas. Portanto, essa requisição se torna muito importante. Queremos que não seja apenas nos banheiros femininos, mas, também, nos masculinos, assim como espaços para amamentação, de modo diminuir a sobrecarga das mulheres, diz a parlamentar.

Ela conta que sua primeira incursão com a pequena Moana no plenário foi um momento de muita apreensão. "Estávamos em 2021, com muitos casos de covid-19, e eu era líder da minha bancada. Moana ainda mama, então, esses momentos são importantes para ela e para mim. Teve gente que falou que aquele ali não era espaço para criança, mas entendo que todos os espaços devem ser acolhedores para as mães e suas crias",defende.

A parlamentar reconhece não ser nada fácil a tarefa de conciliar a maternidade e o trabalho. "De uma maneira geral, o maternar é difícil e exaustivo. A privação do sono talvez seja uma das piores coisas. Mas isso não é só para mim, são para todas as mães, as que trabalham fora e dentro de casa. É fundamental pensarmos nessas mulheres."

 

  • Mirella Franco, advogada trabalhista afirma que o ambiente de trabalho ainda não se tornou um ambiente inclusivo para gestantes e mulheres com filhos pequenos.
    Mirella Franco, advogada trabalhista afirma que o ambiente de trabalho ainda não se tornou um ambiente inclusivo para gestantes e mulheres com filhos pequenos. Foto: Divulgação GBA Advogados
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    Talíria se prepara para amamentar a filha durante sessão no Congresso Foto: Divulgação/Assessoria e imprensa
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    . Foto: Maryanna Oliveira/Agência Câmara

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