eSports

Jovens transformam prazer dos jogos on-line em um lucrativo trabalho

Segmento de eSports no mercado de trabalho tem se revelado um dos mais lucrativos nos últimos tempos, gerando emprego e renda

Mariana Albuquerque*
postado em 10/04/2022 06:00 / atualizado em 10/04/2022 06:00
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

Videogame não é mais só brinquedo de criança, e jogos on-line deixaram de ser apenas passatempo ou diversão. O mercado do eSports tem "engolido" profissões antigas e gerado muito lucro, tanto para jogadores quanto para grandes times. De acordo com a consultoria Newzoo, somente no ano passado a indústria global de games movimentou US$ 175,8 bilhões, apresentando uma ligeira queda de 1,1% em relação a 2020, porém, nada que afete as projeções de alta para os próximos anos, que deverá levar um dos principais segmentos do entretenimento a movimentar mais de US$ 200 bilhões em 2023.

O modelo de negócio e lucro dos eSports segue o de modalidades esportivas convencionais e se baseiam em marketing, patrocínio e direitos de transmissões das competições. O Clube de Regatas do Flamengo, por exemplo, começou a explorar esse universo em 2017 e, com apenas dois anos de existência da modalidade, foi destaque no Campeonato Brasileiro de League of Legends (LoL) e, em 2019, campeão no campeonato brasileiro de LoL (CBLOL), se credenciando para representar o Brasil no mundial da categoria, que acontece, anualmente, entre os meses de setembro e novembro.

De acordo com o técnico do time de LoL do Flamengo, Guilherme Neves, também conhecido como "Snowlz", a importância e a crescente procura pelo mercado de games não ocorrem por acaso. "Hoje, é algo que, com certeza, deve ser levado em conta. Afinal, temos inúmeras pessoas vivendo nesse meio, não somente como jogadores, mas em diversas outras áreas de atuação, como treinadores, managers, editores, videomakers, social medias e muito mais. Não tem como ignorar essa tendência", diz ele.

Com a alta lucratividade aliada à necessidade de novos empregos, além dos diferentes interesses da geração Z, os trabalhos tradicionais perderam para esse universo de games, que empregam pessoas de diferentes áreas. A Hitmarker, uma das maiores plataformas de empregos da indústria de games do mundo, fornece aos candidatos um mercado de oportunidades de vagas. Às empresas, a mesma plataforma oferece uma lista de talentos.

Segundo o presidente da Hitmarker Brazil, Márcio Medeiros, a possibilidade de empregabilidade no eSports vem aumentando a cada ano. "O mercado de trabalho brasileiro na indústria de games, que inclui os esportes, está bastante aquecido. Basta analisar o número de vagas publicadas ao longo dos anos de 2020 e 2021 nas plataformas de emprego deste segmento. Isso porque, respectivamente, foram adicionadas 1.002 oportunidades para atuar no Brasil. No ano seguinte, o cenário mudou um pouco. Somando as oportunidades publicadas na plataforma global e na brasileira, chegamos a 1.928 vagas, um aumento de mais de 92% em relação ao ano anterior", revela Medeiros.

Márcio Medeiros, Head of Brazil na Hitmarker
Márcio Medeiros, Head of Brazil na Hitmarker (foto: Babs Hostin, do INSTIGA Estúdio)

Ele acrescenta que, para este ano, a tendência do mercado é de expansão recorde. "A projeção para 2022 é altamente positiva em termos de números de vagas criadas no país. Apenas nos três primeiros meses do ano foram publicadas 559 oportunidades de emprego, o que representa quase 29% das vagas em relação ao ano passado", afirma.

O "novo normal" que a pandemia de Covid-19 impôs ao planeta prejudicou as mais diversas áreas de profissão, mas para o mundo on-line e de jogos não há do que reclamar. Segundo o coordenador de eSports do Sport Club Corinthians Paulista, Donato Votta, as atualizações durante o distanciamento social aumentaram substancialmente. "Com o isolamento das pessoas em suas casas durante a pandemia, os eSports tiveram um crescimento exponencial, tanto em número de jogadores como em faturamento. Como é um esporte com possibilidade dos campeonatos serem jogados on-line, o cenário não teve paralisação no seu calendário de ligas profissionais", afirma.

Jogadores podem faturar mais de R$ 7 mil por mês

Gustavo Vilas Boas, de 30 anos, é conhecido na internet por ensinar as pessoas a investirem em Tokens Não Fungíveis (NFTs), uma espécie de "moeda" on-line que representa algo específico e individual, que não pode ser substituída. E mostra também como lucrar com o jogo Axie Infinity. Nascido e criado em Brasília, Villas Boas conta que seu primeiro contato com jogos foi aos 3 anos de idade, ainda no colo do pai, que é vidrado em joguinhos básicos de Windows.

Gustavo Vilas Boas, de cara limpa, e "Nenesk", na versão jogador: diversão certa e faturamento garantido
Gustavo Vilas Boas, de cara limpa, e "Nenesk", na versão jogador: diversão certa e faturamento garantido (foto: Fotos Matheus Gomes)

Bombeiro militar do DF, Gustavo é tratado como "Nenesk" na internet. Segundo ele, além de diversão certa, os games o ajudam bastante financeiramente. "Minha renda mensal fica por conta do meu emprego, mas uso os rendimentos dos jogos NFT para investir. Com meus ganhos do jogo, faço a distribuição em outras modalidades dentro do mercado de criptomoedas. Isso é algo bem particular, já que não preciso desse dinheiro para meus gastos e posso optar por aplicações que, acredito, me garantirão frutos a médio ou longo prazos", afirma.

"Meus ganhos variam bastante. No passado, ganhava até R$ 7 mil por mês, que é muita muita grana. Claro que isso leva em conta a cotação das moedas da época. Hoje, tenho me dedicado mais à criação de conteúdo do que a jogar o Axie infinity em si. Isso porque a economia do jogo está praticamente pausada. De qualquer forma, ainda é possível, jogando direitinho, ter uma recompensa em torno de US$ 50 a US$ 100 mês, entre R$ 250 a R$ 500", revela.

Mesmo sendo independente financeiramente, Gustavo revela as adversidades enfrentadas por investir em um meio nada convencional. "Na minha juventude, eu ainda era muito embrionário nessa área. Era difícil para meus pais entenderem o porquê de um filho passar tanto tempo grudado na tela de um computador, quando deveria estar fazendo 'outras coisas de jovem'. De qualquer forma, acho que eles sempre foram muito respeitosos e compreensivos o quanto puderam. E sou muito grato por isso", lembra.

Nenesk jogador de Axie Infinity
Nenesk jogador de Axie Infinity (foto: Matheus Gomes)

Aos jovens que desejam ingressar para valer no mundo de games, ele dá uma dica: "No começo, ninguém apoia. Acredito que atualmente a situação seja um pouco melhor, pois vemos a expressividade do mercado de games e o crescimento acelerado que ele vem tendo. Acho que os gamers são cada vez mais respeitados. Além disso, temos muitos criadores de conteúdo e streamers de sucesso".

O Brasil tem uma adesão crescente aos jogos, tendo registrado aumento de 140% em 2020, alcançando a terceira maior audiência em eSports. De olho no lance, e também no futuro dos jogos em competições internacionais, Gustavo reforça que não vê os games apenas como uma necessidade pessoal. E ressalta a importância desses desafios na educação básica para crianças. "Isso pode orientá-las a pensar até mesmo em se profissionalizar nessa área", diz.

 

Prática pode desenvolver habilidades, como raciocínio rápido

Membro do time de League of Legends (LoL) do Flamengo Esports, Luiz Felipe Lobo, 20 anos, afirma que os jogos virtuais oferecem uma série de vantagens para quem os pratica, desde o aprimoramento de habilidades à velocidade de raciocínio.

"Mesmo que os eSports sejam apenas um passatempo na vida dos jovens, jogar pode ajudar a desenvolver várias habilidades importantes desde a fase de crescimento. Melhoramos nossos reflexos, evoluímos nosso pensamento lógico e aprendemos a trabalhar em equipe, tudo isso enquanto jogamos. Como cada pessoa é única, os pais devem ter a sensibilidade de considerar ou não um futuro promissor nos eSports para seus filhos", afirma Luiz Felipe, conhecido como "Flare" no LoL.

Luiz Felipe ADC LOL
Luiz Felipe ADC LOL (foto: Agencia.pub / assessoria Flamengo )

Ele conta que, quando começou a jogar no computador dos pais, teve o privilégio de conseguir se dedicar mais aos jogos, pois não tinha tantas obrigações. "Além de eu ser bem jovem, tinha bastante tempo, pois só estudava e jogava. Com isso, entrei no meu primeiro time, com 16 anos, passando a receber uma quantia de dinheiro para jogar", lembra.

O Flamengo não declara quanto os atletas recebem para jogar. O salário pode variar entre jogadores da mesma equipe. Essa variável ocorre principalmente pelos patrocínios que cada um dos "ciberatletas" vão conquistar.

Luiz Felipe acredita que os games podem ser vistos como empreendedorismo, pois são poderosas ferramentas que impulsionam novos talentos e os transformam em jogadores profissionais ou desenvolvedores. "O preconceito e a famosa frase 'esse menino só fica no computador' são empecilhos para que muitos jovens brilhem na área", diz.

Ele revela que seus pais costumavam julgá-lo por sua "mania de computador", mas, assim que ingressou no primeiro time, começaram a aceitar e até mesmo apoiá-lo, entendendo que se tratava de uma profissão, não apenas "um joguinho". Ele destaca que a tendência dos eSports é aumentar a cada ano. E acredita que o apoio dos pais é imprescindível para uma carreira de sucesso.

Brasiliense convocado pelo Paris Saint Germain

Ele é três vezes campeão brasileiro e vencedor da Libertadores de 2017. "Wendibre" é um prodígio desde muito novo, e já conquistou mais de 500 títulos, de 2016 — ano em que Wendell Monteiro, com apenas 22 anos, iniciou sua trajetória nas competições do jogo Fifa Soccer —, até agora.

Wendell ou "Wendibre" cursa mestrado na área de direito tributário, mas sempre foi apaixonado pelo Fifa e sonha em, num futuro próximo, se dedicar por completo a essa área. Ele conta que, como "Wendibre", chegou a faturar mais de R$ 150 mil em torneios, e recebe uma média de dois salários mínimos fixos ao mês. Além do dinheiro e do esforço, a fama dele cresce e o coloca como uma das maiores estrelas das competições de jogos eletrônicos no mundo.

O craque é contratado do Paris Saint Germain Academy Sports (PSG) e está credenciado a dar aulas de Fifa licenciadas pelo time. Além disso, se aprofunda em mentorias na expectativa de se tornar um jogador profissional. "Para mim, é uma grande honra. Minha posição hoje é fruto de seis anos de trabalho. Nessa trajetória tenho títulos, mas tive que enfrentar mudança de estado, problemas de saúde, problemas na família. Lembro que, quando o time entrou em contato comigo, até assustei, mas, depois, agradeci demais a Deus por ter me deixado realizar um sonho. É sobre chegar tão longe, olhar para trás e ver que valeu a pena", diz.

"Wendribre" representa o Paris Saint Germain
"Wendribre" representa o Paris Saint Germain (foto: Arquivo Pessoal de Wendell)

Correio acompanhou Wendibre na Campus Party Brasília 2022, onde ele foi consultor de esporte e venceu em sua categoria. Segundo ele, o evento foi reflexo do sucesso e do reconhecimento de todos os meninos apaixonados pelo jogo. Não obstante, fez com que os demais aficionados chamassem o "Driblador" para um desafio o tempo todo.

A família do Wendell é um pouco diferente, e, assim como seu ídolo, Neymar, teve todo o apoio técnico do pai, Wenderson Monteiro, 42 anos. Ele conta que, na infância, o pai costumava organizar competições com os amigos e o irmão, mas não podia participar por ser muito novo. "Eu era o café com leite, aquela criança que ficava ali perto enchendo o saco para jogar, mas sempre me davam o controle desligado", lembra.

Depois de tanta insistência, prossegue, seu pai resolveu ceder aos apelos e ficou surpreso. "Ele começou, então, a comprar revistas especializadas para eu aprender mais. Quando brincávamos em casa, os adultos não aliviavam, me goleavam para que eu saísse logo da competição, até que um dia ganhei de todo mundo."

Ele recorda ainda que sempre recebeu o devido apoio do pai, mas, para a mãe, a "ficha demorou um pouco a cair". "Ela só começou a me apoiar quando viu alguém nas competições e a grana começando a entrar", conta, revelando que, hoje, a família não esconde o orgulho. "Aos poucos, o pessoal foi começando a entender que esse mercado é bastante promissor."

O Wenderson, pai do campeão, reforça que o mundo digital é o futuro que está logo ali, e se orgulha de o filho já ter inscrito seu nome no panteão da fama do eSports.

 

*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende

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