Inspiração

Luciléa Gonçalves, reitora

Correio Braziliense
postado em 03/04/2022 00:01
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

O que mais marcou a sua infância?

Lembro nitidamente do trabalho do meu pai e da minha mãe com camarão, da escola, das festas da padroeira. Ainda é muito forte a imagem da pescaria de camarão, o torrar, o cozinhar com bastante sal, colocá-los no sol sob as miaçabas. Do meu pai levando a produção para vender no Pará. Da minha mãe sempre junto dele, tecendo as puçás, ajudando no que podia fazer nas pescarias. Do cuidado dela com a gente para nos oferecer sempre um alimento muito digno e natural. Não havia padaria, então, ela sempre fazia muito bolo de tapioca e um pão de ló perfeito, sempre naquela preocupação de oferecer algo a mais. Lembro que nossa comunidade se iniciou muito autônoma, com todos se organizando. Construíram posto de saúde, escolas, igreja. Meus pais sempre organizavam as festas da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, os leilões, as quermesses, a coroações da santa. Eu sempre me vestia de anjinho para a coroação. Estudei na ditadura militar e me lembro das fardas, bem típicas da época. Também das aulas multisséries, na mesma sala. Eram duas escolas, uma para a primeira e a segunda e a outra, para a terceira e quarta séries. Nossa professora, a dona Carminha, era normalista, típica da região. Era encantador o esforço que ela fazia para nos alfabetizar bem, dentro dessa realidade, com salas mistas.

Quais foram os principais
desafios que você enfrentou
no acesso à educação?

O maior desafio, sempre, foi a necessidade de sair do meu lugar, viajar o tempo todo para estudar. Então, indo para Cururupu em barcos a vela, a remo, as lanchas a motor vieram apenas um tempo depois. Ter que sair de casa muito criança, ainda aos 11 anos de idade, foi gerando saudades que a gente tem da família. E o compromisso de sempre fazer melhor, de representar as comunidades. Lembro que quando cheguei em Cururupu, eles admiravam eu ser sabedora da tabuada. Lá no interior, até a quarta série primaria, a gente estudava no bolo. Então, quem errava levava o bolo, mas nunca levei. Sempre estudava a tabuada para não apanhar. Mas, na quinta série, já no município, o conhecimento da tabuada me favoreceu nos estudos, além da questão da leitura. O grande desafio foi romper com a falta de comunicação, com a saudade, por estar sempre viajando, sempre em perigo com os grandes mares, as marés fortes.

Como a senhora
avalia a importância
de uma educação pública de qualidade e o incentivo aos jovens?

A educação pública de qualidade é fundamental para assegurar a formação dos menos favorecidos deste país. É dever de gestores a responsabilidade de capacitar bons professores por meio da formação plena, para que nossos futuros docentes tenham essa compreensão de, quando forem lecionar em escolas públicas, ter o entendimento, a compreensão da responsabilidade de qualificar uma pessoa. A escola pública é o lugar daquele que não tem condições para cursar uma escola regular, principalmente no ensino fundamental e médio. Nas universidades, observamos hoje uma inversão. Nas públicas, existem pessoas com condições socioeconômica elevada, enquanto, nas particulares, para alguns cursos, as classes média e média baixa têm acesso. Mas a universidade pública é o espaço do cidadão, cabe a ela assegurar com qualidade, com acolhimento e responsabilidade esse grupo desfavorecido, dar a ele toda a condição de estudo para que haja uma ruptura do ciclo da pobreza. Se não há um ensino de qualidade por meio da escola pública, o ciclo da pobreza é favorecido, não se rompe. É necessário que a escola pública seja forte e acessível, principalmente para os menos favorecidos.

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    x Foto: Arquivo Pessoal
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