Uma iniciativa que, por duas décadas, vem garantindo a capacitação de mão de obra qualificada e gerando renda para centenas de famílias carentes da Cidade Estrutural, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal, está ameaçada. No início de dezembro, a associação de costureiras e artesãs Mãos que Criam passou a produzir em escala mínima. Desde então, a grande maioria das associadas está parada, e mais de 15 mil peças prontas para venda permanecem estocadas.
A presidente da associação, Marlene Leal, 60 anos, revela que os custos administrativos vêm sendo garantidos por meio do aluguel de uma sala onde funciona a associação, que estava ociosa. Nela, funciona, desde o final do ano passado, uma escola de balé para crianças, a primeira da Estrutural, que garante à associação R$ 2 mil, dinheiro suficiente, segundo ela, para o pagamento de despesas básicas, incluindo a taxa de R$ 1,5 mil para legalização do terreno junto à Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap).
Até então, os custos eram assegurados com o recolhimento de pequena taxa arrecadada sobre cada peça vendida. Marlene conta que, inicialmente, o foco da associação era o artesanato, produzido com materiais reciclados. Atualmente, essa produção está centrada na confecção, reformas e reaproveitamento de peças, sobretudo de lona, sempre com foco na sustentabilidade.
"Aquela movimentação frenética e alegre que havia antes deu lugar a um silêncio sepulcral. É muito triste ver tantas famílias passando necessidade, enquanto temos maquinário suficiente e mão de obra talentosa para produzir peças de excelente qualidade, garantindo dias menos difíceis para tantas famílias, a maioria com crianças pequenas em casa. Falta trabalho; os contratos estão parados", lamenta Marlene. "Até mesmo as empresas que mantinham parceria com a associação abandonaram o barco, suspendendo todas as encomendas", completa.
Atualmente, a Mãos que Criam mantém em seu cadastro 300 mulheres chefes de família, entre profissionais e aprendizes. Em 20 anos, mais de 500 foram capacitadas. "São costureiras de mão cheia, que sempre sobreviveram do ofício. Algumas têm a sorte de manter em casa um pequeno atelier de costura e vão se virando com as poucas encomendas que conseguem. Todas elas estão muito angustiadas à procura de trabalho", diz Marlene.
Ela lembra que a pandemia, mesmo em seu auge, não afetou os trabalhos da associação. Afirma que, muito pelo contrário, as encomendas se intensificaram nesse período. E atribui esse fenômeno aos cuidados exigidos no combate à covid-19 e à orientação expressa às associadas para que todas elas tomassem as doses da vacina oferecidas. "Acredito que essa maré baixa tenha reação com o fato de estarmos entrando em ano de eleições, quando tudo fica preso, amarrado. Parece que o dinheiro some. Além disso, tem os produtos chineses, que representam uma competição bastante desleal", diz Marlene.
Segundo ela, até mesmo a produção de toucas e máscaras de proteção contra a Covid, cujas vendas "bombaram" desde o início da pandemia, também está encalhada, com mais de 10 mil peças no estoque. "Antes havia uma demanda brusca desses equipamentos de proteção, mesmo com o descarte de mais de 60 mil máscaras produzidas que não se enquadravam nos padrões da Anvisa". Não obstante, prossegue ela, recentemente foi suspensa uma encomenda de 700 mochilas, que garantiriam cerca de R$ 15 mil para ratear entre as costureiras.
Até dezembro, cada costureira da associação recebia, em média, R$ 1 mil por mês. Para trabalhar na Mãos que Criam, elas assinam um contrato se responsabilizando pelo material e se comprometendo a entregar os produtos com a qualidade exigida dentro do prazo estabelecido. As associadas contam ainda com assistência psicológica e jurídica a cada 15 dias, garantidas por profissionais voluntários, e mantém parceria com o Sesc, no programa Mesa Brasil, que atende mais de 14 milhões de brasileiros que passam fome no país. "É um trabalho que está fazendo falta para todas. Estamos vivendo uma crise brava. As portas estão se fechando", lamenta Kátia Cristina Cruz, 51 anos, há cinco anos na associação.