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Magistério

Profissão no país está ameaçada

Brasil pode amargar escassez de professores na próxima década, revela pesquisa

Pesquisa do Instituto Península revela que estudantes do ensino médio e também de nível superior não sentem atração alguma pelo magistério. De acordo com a diretora de políticas educacionais e pesquisa da entidade, Mariana Breim, nos próximos 10 anos, grande parte dos professores que estão hoje na ativa deverão estar aposentados. Ela observa que gestores públicos e demais envolvidos nesse processo precisam promover uma análise urgente e aprofundada do cenário de oferta e demanda em suas redes para que não haja escassez de docentes no mercado.

Breim afirma haver diversas questões que permeiam o assunto, portanto, a análise não deve ser tão simples. "É imprescindível que haja uma abordagem multifatorial", alerta, ponderando que não basta calcular o volume de professores que se aposentarão nos próximos anos, mas no quanto os jovens se sentem atraídos pela carreira, uma vez que apenas 5% deles demonstram interesse de fato. Segundo ela, a falta de entusiasmo ocorre, em grande parte, por conta da competitividade da profissão quando comparada a outros profissionais com educação superior".

A qualidade dos professores ingressantes também precisa ser garantida, alerta ela, por haver uma inadequação entre a quantidade e a qualidade de indivíduos dispostos a oferecer seus serviços, em um determinado contexto de salários e condições de trabalho.

Breim aponta, ainda, a carência de professores em disciplinas específicas, como química, física, biologia e matemática, de forma mais acentuada nas regiões Norte e Nordeste. "Também é conhecido que a formação inicial não garante às redes profissionais formados de acordo com suas demandas", acrescenta.

Instituto Penísula - Mariana Breim: "O planejamento da força de trabalho de docente deve ser levado a sério"

Para ela, é necessário refletir sobre uma coordenação, um sistema adequado de análise da oferta e demanda de professores que entendam as características de um mercado de trabalho em permanente atualização e que gere incentivos de alocação de recursos, levando em conta a perspectiva territorial.

O planejamento da força de trabalho docente, na avaliação dela, não deve ser visto como um assunto complexo e afastado do cotidiano do brasileiro. "É importante prestar atenção nesse investimento, levando-se em conta que 22% dos vínculos empregatícios no poder público referem-se a professores", analisa.

O comprometimento do Congresso Nacional é outro fator preponderante, afirma a especialista, uma vez que agora está sendo em debate o Sistema Nacional de Educação. Nesse processo, de acordo com a analista do Instituto Península, deveriam ser incorporados mecanismos de gestão com olhar territorial para planejar a alocação dos profissionais da educação, levando-se em consideração a competitividade da carreira ante outras profissões, o mercado de trabalho local, o desenvolvimento profissional ao longo da vida docente e as necessidades pedagógicas das redes e escolas, assim como o desejo dos jovens em se tornar futuros professores.

"Não é uma tarefa fácil planejar a força de trabalho docente. É um desafio complexo, mas possível. No Brasil, houve avanços significativos nas questões de acesso, infraestrutura, financiamento e currículo. Agora, é o momento para falar das pessoas, da gestão dos profissionais da linha de frente das escolas", argumenta.

Carreira socialmente abandonada

Arquivo pessoal - "Ainda temos o estigma de licenciaturas serem feitas para as camadas mais populares" afirma Lauro

Lauro Rocha, 34 anos, que tem graduação em filosofia, pedagogia e psicologia faz uma avaliação do cenário. “Penso que as carreiras do magistério têm certas contradições. São muitas faculdades de qualidade duvidosa emitindo milhões de diplomas e, nas universidades de qualidade, temos cursos não valorizados, uma vez que o salário do professor não é atrativo na maioria dos estados. O piso salarial para muitos é uma mera ficção”, afirma.

Ocorre da carga horária e, consequentemente, a remuneração não serem suficientes, e o professor acaba necessitando de outra escola para ter uma renda digna. Para Lauro, essa é uma realidade em escolas particulares e públicas.

“Ainda temos o estigma de licenciaturas serem feitas para as camadas mais populares. Elas não possuem o status dos grandes cursos, mesmo aqueles que não se traduzem em empregabilidade imediata”, avalia. Segundo o professor, a classe média e as elites não têm interesse nas licenciaturas. “Não temos sobrenomes, tradição familiar. É até curioso, porque é comum professores bem sucedidos não quererem seus filhos seguindo a profissão. É uma carreira socialmente abandonada”, diz

Na sua avaliação, a Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) foi uma boa política pública que expandiu de forma significativa as licenciaturas no âmbito federal. Ainda assim, com o tempo, as universidades perderam investimento e a permanência de muitos estudantes foi colocada em risco. “Sem falar que os concursos públicos não acompanharam esse crescimento de oferta, com os estados e municípios continuando a abusar do expediente de contratos temporários”, diz

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Lauro diz que optou por fazer três graduações — primeiro filosofia, depois pedagogia e, por último, psicologia — por entender que a atuação profissional demanda formações mais abrangentes.

“Trabalhamos não só na nossa disciplina quando estamos em sala, então, precisamos sempre articular conhecimentos propriamente pedagógicos e noções do desenvolvimento que precisam ser atravessadas por essa visão integral das práticas propriamente relacionais”, argumenta.

Hoje, ele trabalha no terceiro setor formando outros profissionais e lidando com aspectos socioeducacionais que por vezes fazem falta na formação básica. “Mas, em certos momentos, sinto falta da sala de aula, que é um espaço plural e de abertura para o outro que acredito ser o grande diferencial da profissão”, admite.

Lauro ainda diz que, infelizmente, a educação vive de modismos e não consegue estabelecer um planejamento sólido e duradouro. Para ele, novas terminologias e currículos que tentam incorporar essas modas aparecem como solução “e esquecem que a escola é apenas um momento da educação”.

“Penso que o papel do educador é a de mediação de um conhecimento que deve articular a sua disciplina e a totalidade social frente a singularidade do aluno. Mas esse professor encontrará muitas dificuldades quando encontrar um aluno que vive em uma cultura vulgarizada e embrutecida, isso sem falar das enormes dificuldades propriamente materiais que muitos possuem. Em todos os sentidos, somos um país extremamente desigual”, finaliza.

Em busca de outra saída

Arquivo pessoal - João perdeu o interesse em ser professor a partir da instauração do Novo Ensino Médio

O impacto do desprestígio da carreira de docente vem a partir da vivência da realidade, do convívio com os alunos e da rotina na sala de aula. É o caso de João Maia, 26 anos, ex -professor de sociologia. Formado em 2018 em ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB), que começou a lecionar logo em 2019. Segundo ele, a experiência foi prazerosa durante um tempo, mas os problemas vieram depois de alguns meses.

“No começo, é encantador. Sou uma pessoa que gosta de sala de aula. É incrível ter contato com alunos e conseguir colocar na prática o que você aprendeu e também ir aprendendo com os estudantes. A gente percebe que muita coisa só se aprende na prática, mas o ambiente escolar pode adoecer”, afirma.

Segundo Maia, professores com idade entre 30 e 35 anos se viram obrigados a se afastar de suas atividades por problemas psicológico como depressão e ansiedade. “Tudo isso associado a rotinas desgastantes, à sobrecarga de trabalho. Um professor não trabalha somente 40 horas semanais, uma vez que leva muito trabalho para casa”. diz.

A má remuneração é outro fator desestimulante, segundo Maia. Ele conta que é muito difícil conviver com as realidades dos alunos e sentir que pode ajudá-los e contribuir um pouco para a mudança, mas, ao mesmo tempo sente-se incapacitado por ser “muito minúsculo” no meio disso.

“A questão da impotência e da instabilidade me afetaram muito, pois eu era professor temporário. No mês seguinte, eu não tinha garantia nenhuma de que estaria ali. Era difícil contar com algo que não fosse fixo”, lembra.

Maia observa, ainda, que é preocupante a escassez de concursos públicos para professor no Distrito Federal. “O mais recente foi realizado em 2016. Ou seja, o DF passou seis anos sem fazer concurso de professor definitivo”, lamenta. “Mais um motivo de frustração”. Ele ressalta que a realidade do brasiliense ainda é positiva quando comparada à de outros estados, pois o salário do professor na capital federal é um dos maiores do país.

O Novo Ensino Médio é outro ponto crucial nesse processo. Maia observa que nessa mudança o protagonismo de matérias, como sociologia, foi reduzido sensivelmente. “O Novo Ensino Médio descaracteriza o ensino como a gente conheceu até então. É um ensino médio focado em mão de obra para o mercado, não é pensado como uma oportunidade de capacitar o cidadão de forma consciente”, opina.

Essas disciplinas, principalmente as de humanas, perderam, na visão dele, seu papel em razão de uma “lógica mercantilista”. Segundo ele, essa realidade também foi um dos motivos que o levaram a se afastar da sala de aula.

Dessa forma, ele buscou uma saída, aproveitando a experiência vivida. Como portador de diploma, ingressou novamente na UnB para cursar engenharia de software. Hoje, está estagiando no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, onde trabalha em um projeto que reúne as duas áreas: ciências sociais e programação.