Quando o fim do ano se aproxima, as expectativas de que sejamos melhores e mais produtivos no ano seguinte aumentam. Para que isso aconteça, muitas pessoas escrevem suas metas de ano-novo. Tão importante quanto saber como cumpri-las é como estabelecê-las de forma eficiente e saudável.
Para Adriana Pereira, 52 anos, psicóloga clínica especialista em avaliação psicológica e orientação profissional, ao planejar o futuro, é preciso fazer uma revisão de como foi o passado. Ela sugere que, antes de decidir as metas, a pessoa relembre o que fez e que não realizou no ano anterior. Durante essa reflexão, é importante que ela pense nos motivos de não ter alcançado alguns objetivos, olhe com carinho para esses impedimentos para que, assim, possa criar estratégias e trabalhar essas questões. Isso, é claro, se a meta ainda for relevante para a pessoa; entre os objetivos não cumpridos, ela deve avaliar quais ainda pretende atingir.
Adriana percebe alguns motivos comuns do porquê algumas metas não são cumpridas: "Às vezes, a gente não realiza uma meta, porque aparece outra mais importante, e a gente prioriza. Outras vezes, é porque falta planejamento". Para evitar a falta de planejamento, Adriana recomenda que se questione, "no tempo que eu preciso realizar, o que eu tenho que fazer", "que técnicas eu tenho que dominar para alcançar essa meta" e que se estabeleça os objetivos para atingi-la. Uma dica que a psicóloga dá é ir aos poucos. "Em vez de definir 10 metas para o ano que vem, coloque menos. Se você alcançar todas até a metade do ano, pode adicionar outras. Pense no prazo real, seja realista e se esforce", recomenda.
Também é importante entender se os seus limites são realmente limites ou acomodações. O exemplo que ela dá é a pessoa que estabelece como meta correr uma maratona no fim do ano. Como ela nunca fez isso antes, não é realista que se cobre para ser a ganhadora, mas precisa reconhecer a conquista de conseguir correr. No entanto, se ela começar a treinar somente um mês antes da maratona, a meta não é mais alcançável e vai alimentar uma frustração. Nesse caso, ela não se preparou ao longo do ano, foi uma acomodação e não um limite. Para Adriana, respeitar os próprios limites nessa situação é pensar: nunca corri, então, vou treinar, fazer exames médicos, ter um personal trainer, melhorar a alimentação, correr com frequência. "Respeitar limites é ter os cuidados necessários para que você atinja aquilo que quer atingir", explica.
Adriana conclui que deve evitar pensar: "Se eu tivesse feito aquilo, seria diferente". O que passou, passou. No ano novo, você pode criar hábitos, assumir responsabilidades sobre os seus atos e pensar no que você precisa para fazer as mudanças que deseja hoje.
5 características que favorecem o cumprimento
Polyanna Andrade, 36 anos, é mestre e doutora em psicologia social do trabalho e das organizações e professora titular do curso de psicologia do Ceub. "Quando a gente pensa em uma meta, é importante pensar de forma estruturada", afirma. Ela percebe cinco características que favorecem o cumprimento de uma meta. São elas:
1) A meta tem de que ser relevante para a pessoa.
2) Deve ser alcançável, mas isso é desafiador, porque o tempo inteiro nós somos bombardeados nas redes sociais com a ideia de que podemos fazer tudo, que somos responsáveis por tudo, isso é muito ansiogênico. Por isso, é necessário não se deixar influenciar pelas expectativas dos outros. "A meta tem de que ser alcançável para você. Se a pessoa fez um milhão em um mês, que bom, é a realidade da outra pessoa, mas você não deve se comparar", observa.
3) Precisa ser mensurável — se o objetivo é ler mais em 2022, por exemplo, a pessoa deve se perguntar: ler quanto? Um livro por mês? Um livro a cada dois meses? Saber a quantidade de livros que leu ajuda a perceber o avanço e avaliar no final do ano se de fato leu mais ou não.
4) Precisa ser específica — se a meta é ser feliz em 2022, é preciso se questionar o que é ser feliz. Ser feliz como? Viajando? Então, o que você precisa fazer para viajar mais? A partir dessa definição, pode-se estabelecer quais são os próximos passos, como organizar as férias no trabalho, decidir em que época vai viajar e planejar o orçamento e o roteiro da viagem.
5) Deve ter prazos — "Por exemplo, quero ter uma vida mais saudável. Fui no nutricionista, no endócrino e a minha meta é ter uma rotina de alimentação e exercícios em um mês. No segundo mês, quando eu retornar, posso deixar a meta mais ousada. Quantos meses eu preciso para ir ao parque o número de vezes que quero ir? Só tenho condições de avaliar se a meta deu certo se tem um espaço temporal definido". Polyanna sugere também que a pessoa faça esse movimento pensando a curto, médio e longo prazos, porque isso diminui o caráter ansiogênico: "Fazer metas de ano-novo pode gerar ansiedade. Não precisa pensar nas suas metas do ano que vem todo, pode pensar nas de janeiro primeiro e, depois, ir expandindo".
Uma dica de Polyanna é colocar as metas no papel para visualizar a estratégia. Riscar, rabiscar, tomar notas, ter uma organização fisica. Se a pessoa prefere anotar no computador, no celular, pode fazer isso também, usar aplicativos, vai da preferência de cada um: "A maior das dicas é tirar do campo das ideias e concretizar de alguma forma, colocar de forma escrita. Se para você é interessante colocar na parede, coloque. Se colocar alarmes te ajuda, coloque".
Outro ponto que, segundo ela, é bem interessante, mas não funciona para todo mundo, é compartilhar seus objetivos com alguém que você confia e tem afeto. "Tem aquele ditado de o que ninguém sabe, ninguém estraga, mas, às vezes, quando você compartilha, isso gera um comprometimento social. Você pode até se unir com pessoas que têm metas parecidas e fazer suas atividades junto com elas", avalia.
Para ter uma relação melhor com o trabalho em 2022, Polyanna afirma que é preciso problematizar que trabalho é esse: "É importante a gente pensar de que trabalho estamos falando. É muito comum a gente esperar que haja uma boa relação com o trabalho partindo somente do sujeito, porque é comum responsabilizá-lo, mas a reflexão é pensar se o trabalho, a empresa, está oportunizando isso para ele". Ela conta que a Organização Mundial da Saúde (OMS) traz o burnout como doença ocupacional. O burnout é caracterizado pelo esgotamento e sofrimento com o trabalho.
Polyanna ressalta que esse não é um problema individual, mas sim de contexto. Isso traz a responsabilidade de criar ambientes sustentáveis e demarca o papel das organizações: "A pessoa não resolve tudo sozinha, as empresas precisam participar do processo. Discutir sobre saúde mental e bem estar no trabalho envolve pensar nessas questões. Esse trabalho é adoecedor ou promotor de saúde?". Por isso, sugere que a meta do novo ano de gestores e gestoras seja "criar ambientes sustentáveis para que se possa evitar o estresse e, consequentemente, o adoecimento, buscando nutrir uma segurança psicológica nos ambientes de trabalho".
Mudança de carreira e planejamento
A atriz e dubladora Nany Assis, 31 anos, é exemplo de como a organização e o planejamento ajudam no cumprimento de metas e no processo de mudança de carreira. Ela conta que, desde criança, sonhava em ser dubladora, mas, como morava em Brasília, não pensava que se mudar para uma cidade com mais mercado na área era uma possibilidade. Quando ela teve de escolher qual faculdade faria, optou por arquitetura e gostou muito do curso. Depois de formada, abriu um escritório com duas amigas, mas, apesar de gostar de exercer a profissão, sentia-se dividida entre a arquitetura e a arte.
O contato com a arte começou cedo. Aos 13 anos, ela dançava e cantava em coral. Durante a faculdade, teve de parar, mas sentia muita falta. Tudo mudou em 2016, quando ela começou a fazer teatro musical, área que, além da atuação, envolve teatro, música e dança: "Voltei de uma vez só com a arte".
Em uma aula de teatro, Nany lembrou do sonho da dublagem e começou a pesquisar. Em 2018, foi para São Paulo fazer um workshop de dublagem. Ela percebeu que "precisava trabalhar com isso". No ano seguinte, se programou para ir mais vezes para São Paulo fazer cursos curtos. Depois de um tempo indo e voltando, percebeu que o melhor era se mudar, porque não ia ter a base de estudo e experiência necessárias se não estivesse na cidade onde há mercado.
Ela conta: "A primeira coisa que eu fiz foi conversar com meus pais sobre a vontade de sair de Brasília". O pai dela logo perguntou "vai para fazer o quê?" Como estava envolvida em três carreiras — arquiteta, atriz e dubladora —, ele disse que ela não ia conseguir fazer tudo. Então, sugeriu, em tom de brincadeira, que ela fizesse uma apresentação de slides com o planejamento. Ela levou a sério e admite que isso a ajudou muito, além de ter sido divertido.
Ao preparar a apresentação de slides, escreveu em quais áreas achava que tinha habilidade e em quais pontos precisava melhorar. Nesse planejamento, conseguiu ver que não tinha como seguir todas as áreas de uma vez, ou seria dubladora e arquiteta ou seria dubladora e atriz de teatro musical. Então, fez a escolha: o plano era seguir o caminho da arquitetura e da dublagem. Se seguisse só a carreira artística de início, não teria estabilidade e segurança financeiras.
Ela também planejou em que local da cidade moraria, quais cursos faria e quanto gastaria com tudo isso. De acordo com Nany, ela foi muito pé no chão e estabeleceu que a meta era começar a trabalhar com dublagem e ter um retorno financeiro do investimento em 2022, mas isso aconteceu bem mais rápido do que o planejado. Em 2020, começou a trabalhar com dublagem e voz original para animações. Em 2021, conseguiu o retorno de todo o investimento que tinha feito e pôde sair do escritório de arquitetura para se dedicar exclusivamente à carreira artística.
No entanto, nem tudo saiu conforme o planejado. Depois de ter se mudado para São Paulo, veio a pandemia. Nesse período, ela começou a fazer aulas on-line com professores do Rio de Janeiro e surgiram oportunidades de trabalho lá. No mesmo ano, ela se mudou pela segunda vez. "Claro que as coisas acabam tomando rumos diferentes, mas, no fim das contas, eu estava sempre com o mesmo foco", observa. Essa atitude foi essencial para que hoje ela possa dizer que não está mais dividida, mas sim realizada e muito feliz. (L.J.N)
Planejamento a longo prazo
Tiago Versiani tem 21 anos e é coordenador de projetos no Grupo Gestão, empresa júnior de engenharia de produção da Universidade de Brasília. Ele está no oitavo semestre do curso e vai sair da empresa para buscar outras oportunidades. É uma fase de mudanças, e ele tem várias metas para o futuro.
A experiência na empresa júnior o ajudou a adquirir conhecimento, experiência profissional e contatos no mercado de trabalho. "A gente entra em contato com vários clientes de empresas e estabelece uma relação de confiança. Muitas empresas querem puxar a gente para trabalhar lá", diz. Com isso, surgiram duas oportunidades para Tiago. Ele está planejando seus próximos passos: "Vou analisar direitinho as propostas que me fizeram, ver o que vale a pena para mim. Como ainda sou jovem e tenho o privilégio de não precisar me sustentar, minha decisão não é pensando em valores, mas, sim, na que vai me proporcionar mais crescimento".
Ele reconhece a importância de saber conviver com as incertezas: "A pandemia ensinou para gente que muitas coisas são incertas, que a gente tem uma expectativa, mas novas coisas acontecem". Por isso, ele acredita que o melhor é não fazer metas anuais. "Em vez disso, pensar em objetivos cada vez mais a longo prazo e se planejar pouco a pouco para atingir essas metas", sugere.
O plano dele a longo prazo é empreender, ter o próprio negócio. Ele avalia que suas ações e as metas de agora estão alinhadas com seus planos a longo prazo: "Acho que está tudo completamente alinhado. Conhecendo empresas de todos os tipos, tendo noção de negócios, o ramo de consultoria lhe prepara para ter um negócio".
Antes disso, ele planeja trabalhar em empresas seniores de consultoria empresarial ou financeira. Essas firmas são um pouco maiores, e ele acredita que, nelas, poderá aprender, crescer e estar pronto para o que vier. Para conquistar esse objetivo, Tiago afirma que o principal são estudo, disciplina e capacitação. Ele pretende entrar em processos seletivos de empresas, buscar informações sobre como funcionam essas seleções, falar com pessoas que já passaram nesses processos seletivos e preparar um bom currículo.
Para quem está se aproximando do final do curso na faculdade, a dica de Tiago é enriquecer a formação complementar: fazer cursos e atividades extracurriculares, estudar por conta própria e aproveitar as oportunidades que a universidade oferece, como projetos de extensão, empresas juniores, oficinas, palestras e iniciação científica. "O mercado mostra que só o diploma não basta", afirma. Para quem ainda não definiu o objetivo a longo prazo, ele opina que é importante ter um momento de autorreflexão: "Pensar no que você quer, saber que nem tudo segue conforme o planejado e estar sempre aberto a oportunidades". Ele complementa que é preciso ver sentido no que se faz: "O principal para cumprir uma meta é ver sentido nela. Você precisa, entre outras coisas, da motivação para seguir a rotina e conseguir cumprir seus objetivos".
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá