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DIREITO

PEC quer reduzir a idade para trabalhar a 14 anos

Trabalho para adolescentes fora da aprendizagem: analistas alertam para impactos da aprovação da PEC 18/2011

Em 29 de novembro, uma reportagem do programa Olho Vivo, da TV Diário do Sertão, identificou duas crianças recolhendo materiais recicláveis em Cajazeiras, na Paraíba. Elas abandonaram os estudos e começaram a trabalhar em condições precárias.

Enquanto isso, uma proposta de emenda à Constituição, a PEC 18/2011, propõe que a idade de trabalho seja reduzida para 14 anos. No Brasil, jovens, a partir de 16 anos, podem trabalhar. Os adolescentes acima de 14 também podem, desde que seja na condição de aprendiz. No entanto, com a aprovação da PEC 18/2011, eles poderiam trabalhar de forma regular sob regime de tempo parcial. Quais seriam os impactos dessa mudança?

Infância roubada

Em Cajazeiras, interior da Paraíba, uma cena triste rouba os sonhos e a esperança de milhões de crianças país afora, Por acaso, foi no Nordeste, mas poderia ser em qualquer região brasileira. Crianças catam lixo nas ruas e não vão à escola. A cena foi registada pela equipe da TV Diário do Sertão, ao vivo. O tio das crianças, que estava na companhia dos sobrinhos disse à repórter Goretty Videres que eles estão fora da escola porque precisam ajudar a família. Depois da repercussão da matéria, uma campanha de arrecadação para doar ao menino uma bicicleta e uma árvore de Natal para a família.

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Pelo menos algum alento, por um dia. Mas, depois, quando o espírito natalino passar, a realidade perversa dessas crianças será o lixo das ruas de Cajazeiras ou qualquer outra cidade deste país. E os bancos escolares cada vez mais distantes.

Futuro

De acordo com Cynthia Ramos, secretária do Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente do Distrito Federal, reduzir a idade mínima para o trabalho é um retrocesso. "Devemos incentivar a permanência na escola e não o contrário. O trabalho sempre concorrerá com a educação e será um motivo a mais para adolescentes abandonarem a escola e suas chances de um futuro melhor", afirma a advogada especialista em proteção dos direitos de crianças e adolescentes.

Pode-se dizer, conforme sua análise, que, se adolescentes de 14 anos puderem trabalhar fora da aprendizagem, provavelmente, o farão em atividades nas quais eles não estarão protegidos. É possível também que não tenham a maturidade e a desenvoltura necessárias para que se cuidem sozinhos, ou que ao menos não se prejudiquem intelectual ou fisicamente.

Goretty Videres/Reprodução - Enquanto deveriam estar na sala de aula, crianças de Cajazeiras (PB) catam papéis para ajudar no sustento da família

Ela também argumenta que o Brasil tem estrutura legislativa sólida para a proteção de crianças e adolescentes e, por isso, alterar a Constituição Federal aumentaria a exposição deles a riscos. Outra questão apresentada por Cynthia é a de que vivemos um momento de crise com a pandemia da covid-19, em que as pessoas vulneráveis sofrem com mais intensidade, seja por motivos econômicos, sociais ou psicológicos.

Para a advogada, a aprovação da PEC agravaria ainda mais essa desigualdade. "A proibição do trabalho de adolescentes existe para garantir o desenvolvimento pleno, a saúde e incentivar a permanência na escola. Assim, a PEC, se aprovada, deixará desprotegidos justamente aqueles que mais precisam: os mais pobres, os mais suscetíveis a abandonar a escola e os que menos se beneficiarão de um processo de profissionalização", declara.

Por outro lado, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) defende que muitas famílias necessitam que os adolescentes trabalhem e, por isso, diminuir a idade seria uma forma de regulamentar essa prática. "Hoje, o que acontece é que a criança, quando tem que complementar a renda dos pais, porque tem muitos pais que não conseguem trabalhos que possam suprir a necessidade de casa, vão para a clandestinidade, vão para o sinal vender bala, vão fazer malabarismo, às vezes, até se prostituem", ele disse em matéria publicada na Agência Câmara de Notícias.

Superexploração

Na visão da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), a PEC propõe a legalização da possibilidade da superexploração da mão de obra dos adolescentes, porque eles ficariam afastados da escola e receberiam salários mais baixos. Com a entrada desses jovens no mercado de trabalho de forma precária, o valor geral da força de trabalho é rebaixado, o que prejudica adultos responsáveis por esses jovens, segundo Fernanda.

Isso vai na contramão do argumento de que o trabalho regular de pessoas de 14 anos ajudaria as suas famílias. Ela também defende que propostas agrupadas na PEC 18/2011 são inconstitucionais porque representam um retrocesso social: "Não deveriam nem estar sendo pautadas".

Fernanda diz que a possibilidade de a PEC ser aprovada existe, ainda mais se a sociedade não se manifestar de maneira contrária. "Felizmente, desde que ela entrou em pauta, começou um movimento do combate ao trabalho infantil, dos ministérios do trabalho e dos movimentos sociais", ela observa e acrescenta que essa ação deve continuar.

Em relação à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), Fernanda afirma que há uma obstrução pesada. "Garantimos que os itens anteriores não entrassem na proposta. Precisamos seguir atentos para que esse projeto não seja votado esse ano, impedir a aprovação. Toda vez que ela entrar, nós vamos fazer obstrução em todos os itens da pauta", assegura.

Aprendizagem sob ataque

Arquivo pessoal - O que justifica um país com quase 15 milhões de pessoas adultas desempregadas reduzir a idade mínima para o trabalho? O objetivo não pode ser outro que não a exploração e a precarização do trabalho do adolescente"

Ana Maria Villa Real, procuradora do Trabalho no Distrito Federal e coordenadora da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, comenta que é importante conhecer a legislação. Ela explica que a idade mínima para o trabalho no Brasil é 16 anos. A partir dos 14 anos, o adolescente só pode trabalhar na condição de aprendiz. Antes dessa idade, é proibido qualquer tipo de trabalho. Entre 16 e 18 anos, há restrições de caráter protetivo. Isso significa que não pode envolver, por exemplo, atividades perigosas, insalubres ou noturnas, que impeçam a frequência escolar.

Ela reforça que crianças e adolescentes são titulares de direitos fundamentais: "São pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, ou seja, ainda estão em formação e têm o direito a cuidado e assistência especiais e a se desenvolverem de forma plena, sadia, integral e harmoniosa, o que inclui a escolaridade obrigatória que, no Brasil, vai até os 17 anos. Portanto, crianças e adolescentes têm direito ao não trabalho". Além disso, ela relembra que o mundo do trabalho pode ser violento e violador de direitos: "Podemos citar, por exemplo, a existência de assédios moral e sexual que acometem pessoas adultas, que dirá adolescentes, que são seres em formação e não têm maturidade e estrutura para lidar ou enfrentar os desafios do mundo do trabalho".

Para Ana Maria, a condição de aprendiz, que é um contrato especial de trabalho que ministra formação técnico-profissional metódica a adolescentes e jovens, traz benefícios como a integração da profissionalização com o mundo do trabalho, a união do trabalho com o aprendizado e a inserção paulatina e progressiva nas rotinas e atividades laborais.Ela também impõe a obrigatoriedade do acompanhamento dos jovens pelos supervisores da empresa e da entidade que ministra a aprendizagem profissional. "É importante registrar, ainda, que o trabalho como aprendiz impõe que o adolescente esteja matriculado e frequentando a escola e impacta positivamente no aumento da escolaridade do/a adolescente, a partir dos próprios conteúdos que são ministrados no âmbito da aprendizagem profissional", complementa.

A aprendizagem profissional, segundo Ana Maria, está sob ataque. Ela conta que essa forma de trabalho foi instituída sob forma de ação afirmativa, ou seja, as empresas de médio e grande porte são obrigadas a contratar aprendizes, especialmente adolescentes, que são o público prioritário da cota de aprendizagem. "O que pretende a PEC é inserir adolescentes em trabalhos mecanizados e mal qualificados, transformando o trabalho do adolescente, que deve ser sempre educativo e protegido, em mão de obra barata. O que justifica um país com quase 15 milhões de pessoas adultas desempregadas reduzir a idade mínima para o trabalho? O objetivo não pode ser outro que não a exploração e a precarização do trabalho do adolescente e da adolescente", declara. 

 

*Sob a supervisão de Ana Sá