Estudo realizado pela Mindsight, empresa especializada em processos de gestão de pessoas, mostra que 48% dos brasileiros acreditam que recém-formados são os mais afetados na tentativa de ingressar no mercado de trabalho. A pesquisa foi feita com uma amostra de 9 mil pessoas, das quais a maioria consideram que o momento mais desafiador da carreira é simplesmente o começo. Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), entre setembro de 2020 e setembro 2021 o número de pessoas que buscam pelo primeiro emprego aumentou em Brasília. De 24,7% passou para 27,6%. É importante destacar que, em todas as outras categorias como sexo, raça/cor, faixa etária e pessoas que tiveram trabalho anterior, os números foram reduzidos.
De acordo com o secretário de Trabalho do DF, Thales Mendes, esse número se deve à entrada de 114 mil pessoas nas estatísticas. "Se o público tivesse se mantido, essa taxa teria diminuído com certeza", garante. Ele afirma que a Secretaria de Trabalho do Distrito Federal (Setrab-DF) tem promovido ações com o objetivo de garantir oportunidade para essa população. Acrescenta aí que a secretaria "já vem percebendo essa realidade [de jovens que não conseguem um primeiro trabalho] há algum tempo". O secretário expõe ainda que as mais afetadas são as mulheres.
Ao finalizar a graduação, o indivíduo se encontra no marco zero de diversas possibilidades, já que tem o conhecimento necessário para colocar a vida profissional em prática, mas falta um pré-requisito muito exigido em vagas: experiência. Para o CEO da Mindsight, Thaylan Toth, o currículo não é o fator decisivo em um processo seletivo. "Outros quesitos são observados, como ser proativo por busca de vagas, entrar em contato com a empresa, mostrar quem é, mandar o pedido de maneira direta para uma área de RH ou para o gestor de negócio.
Entre os participantes da pesquisa com 30 anos ou menos,63% acreditam que o recém-formado têm mais dificuldade em acessar o mercado de trabalho, enquanto, para o público acima dos 30, é de 33% — entre eles, 26% acreditam que o processo é difícil para todos, sem diferenciação por idade, e 21% pensam que é mais árduo para pessoas que, por diversos motivos, tenham se afastado do mercado de trabalho por um longo período.
Thaylan relata que, em razão da perspectiva dos empregos mais modernos, nos últimos 10 anos, as empresas passaram a considerar o potencial mais importante do que a experiência em uma seleção. "Entender o perfil da pessoa e compreender se há potencial de se desenvolver e aprender é muito mais relevante para a sua performance futura do que anos de experiência", afirma.
Outro ponto destacado na pesquisa é a taxa de desemprego, que acomete 60% dos participantes. Entre as mulheres entrevistadas, 64% não estão trabalhando. A porcentagem de homens é de 56%. Em um recorte racial, os pretos são os mais atingidos, com 29% afirmando não estar trabalhando atualmente. Eles também são os que mais sofreram com a pandemia: 40% afirmaram que houve impacto no setor em que trabalham. Entre os que se consideram brancos, 23% não trabalham.
O CEO da Mindsight diz que o mercado de trabalho brasileiro sofreu bastante no ano passado, deixando diversas pessoas desempregadas em busca de uma recolocação. Geralmente, o maior número de demissões e o menor de contratações são nos trabalhos menos especializados, justamente os que são desempenhados pela base da pirâmide social.
Confiança
Na contramão dos dados apresentados, o CFA Institute, associação global de profissionais de investimento, fez um estudo com 15 mil recém-formados de 15 países, entre eles, o Brasil, e 58% se sentem confiantes sobre suas perspectivas futuras de carreira, mesmo com o cenário da pandemia de covid-19.
O levantamento foi realizado entre 2 e 26 de julho deste ano, com entrevistados de 18 a 25 anos. De acordo com o que foi observado, as cinco áreas mais atraentes para o desenvolvimento profissional são educação, saúde, medicina/ciência, vendas/mídia/marketing e finanças.
Apesar disso, 46% dos entrevistados gerais estão reavaliando seus caminhos em razão da pandemia. As principais preocupações são os baixos salários no setor desejado (26%), falta de empregos no ramo de preferência (25%) e trabalhar em um local que não lhes satisfaz ou lhes interessa (26%). Além disso, há inseguranças como o medo da subqualificação para o trabalho que almejam (25%) e a sensação de não estar pronto para o mercado (22%).
Em razão disso, 47% do total pretende prolongar seus estudos.
Vagas temporárias em alta
Juliana Souza: "Agora, procuro empregos temporários porque estou estudando para passar em uma residência"
ED ALVES/CB/D.A.Press
Outra pesquisa realizada pela Employer, empresa de RH do país que oferece serviços e tecnologia para recursos humanos, aponta que os jovens entre 18 a 25 anos representaram 42% das contratações na modalidade temporária no primeiro semestre deste ano, um aumento de cerca de 5% comparado ao mesmo período de 2020.
A diretora de serviços de RH da Employer, Vânia Montenegro, explica que o trabalho temporário é uma excelente oportunidade para jovens que estão em busca do primeiro emprego e também para quem procura se recolocar no mercado de trabalho. "Essa é a oportunidade para os jovens conhecerem os desafios e tarefas em empresas de segmentos e portes diversos, além de ser uma alternativa para os que estão em busca de crescimento e de efetivação no mercado de trabalho", afirma.
Houve ampliação de 39% na contratação de temporários no primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período de 2020, de acordo com outro levantamento realizado pela Employer. A expectativa é de que a modalidade de contratação continue em crescimento, que, por conta da vacinação e da reabertura das atividades econômicas, as demandas pela admissão de pessoas estão em crescimento.
Juliana Souza Lopes, 23 anos, acaba de se formar em enfermagem. No último semestre, primeiro de 2021, ela se graduou no Centro Universitário do Planalto Central (Uniceplac), em Brasília. A moradora do Gama se encaixa no perfil ideal citado por Vânia Montenegro, diretora de serviços de RH da Employer, uma vez que está em busca de empregos temporários.
De acordo com ela, é extremamente difícil conseguir uma colocação e, antes disso, ela já sentia dificuldade em ter acesso a estágios. "Agora, procuro empregos temporários porque estou estudando para passar em uma residência", conta.
A opinião da enfermeira é de que o mercado de trabalho não está pronto para receber recém-formados. Juliana diz perceber a dificuldade não só de sua própria experiência, mas observando a vivência de outros colegas de curso. Segundo a profissional, "todos os recrutadores, sem exceção, procuram pessoas com experiência".
Não é uma dificuldade somente da enfermagem, acredita Juliana. Na sua visão, várias profissões enfrentam o mesmo problema. Segundo ela, as empresas pedem uma experiência de, no mínimo, dois anos, o que é difícil, pelo número reduzido de estágios ofertados durante o período da graduação. Juliana diz, ainda, que envia seu currículo em sites de hospitais e clínicas, mas nunca obteve uma resposta. Ela conta que as pessoas que se formaram na mesma turma e conseguiram um emprego foi por meio de indicação ou por já ter tido um estágio.
"Eu optei por estudar para a residência, que é na área da saúde, porque, para mim, vale mais a pena. Além de eu conseguir uma experiência boa, vai agregar bastante ao meu currículo", afirma. Outro ponto positivo da residência em enfermagem, conforme suas palavras, é a bolsa. De acordo com Juliana, o salário inicial para a carreira que ela escolheu é baixo, no entanto, a bolsa de residência supera esse valor. Além disso, o residente ganha moradia. "Se eu conseguir, vou ficar bem feliz, mas é preciso ter um plano B, e o meu plano B é arrumar emprego na minha área, só que está difícil", conclui.
Pandemia dificultou o processo
Jéssica Frota não colou grau ainda, mas já está empregada
Arquivo pessoal
Desempregada atualmente, Anna Luiza de Almeida, 23 anos, estagiou durante a graduação e foi voluntária por um mês na Defensoria Pública, ainda no segundo semestre do curso. No quarto semestre, foi estagiária no Palácio do Itamaraty por pouco mais de um ano. Depois, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ficou dois anos, até meados de 2020. Antes do fim do contrato, a bacharel em direito já tentou emprego ou vaga de estágio em escritórios de advocacia. Sem sucesso.
"Até hoje, mando diariamente currículo para várias vagas de empregos, mesmo fora da minha área, como auxiliar administrativa, secretária, recepcionista…", conta. Nem dentro do seguimento de formação, nem fora dele, Anna consegue ser contratada. "Está muito complicado", desabafa.
A jovem atribui a dificuldade ao fato de não ter carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Quando a gente se forma em direito como bacharelado, não consegue fazer quase nada da profissão", diz. Pessoas formadas em direito que não são habilitadas pela OAB só podem fazer consultoria ou assessoria jurídica. Anna fez a primeira e a segunda etapa do último certame, mas não passou e fará novamente a prova do Exame de Ordem em dezembro deste ano.
"Vou advogar por necessidade, no primeiro momento, mas quero ser defensora pública e professora universitária. Pretendo começar um mestrado no ano que vem", planeja. Por conta dessas condições, a jovem está limitada a procurar vagas de assistente/auxiliar na área do direito, ou outros cargos que aceitem qualquer formação.
Anna sente que a pandemia dificultou o processo para conseguir uma colocação. "Não ajudou muito, porque houve empresas que fecharam, que adotaram regime de home office, não contrataram mais gente ou reduziram pessoal. Muitas pessoas estão procurando emprego e não tem vaga para ser ofertada", relata.
A jovem vê a falta de experiência como empecilho para atuar fora do ramo jurídico. "Dificulta bastante, porque, às vezes, eu não tenho o que é necessário para ser contratada como vendedora, por exemplo. Não tenho experiência em vendas." Desde 2020, ela só foi chamada para três entrevistas, tendo passado em duas. A advogada não aceitou porque uma delas oferecia remuneração equivalente ao valor pago para estagiários de ensino médio, algo em torno de R$ 500. A outra chance era em uma empresa de venda de cursos que pagava por meio de comissão e, para ela, não valia a pena.
Formado em 2017, advogado não consegue emprego
Jefferson Antônio Coelho, 27 anos, é advogado e se formou em 2017. Por falta de oportunidades, atualmente, o profissional é autônomo na área de direito cível e minerário e estuda para concursos desde 2018. O morador de Petrolina (BA) foi estagiário no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da Bahia. Ele fazia parte do setor de licitação e logística, onde cuidava de questões administrativas como contratos.
O jovem trabalhou como estagiário na Prefeitura de Juazeiro, cidade vizinha de Petrolina. No órgão, ele também fazia parte do setor de licitação, e assessorava a parte jurídica. Inclusive, chegou a cuidar das dispensas de contratos.
De acordo com ele, o mercado de trabalho não está preparado para receber graduados recentes. "Tampouco, recém-formados estão aptos, na maioria das vezes, a serem inseridos no mercado", afirma.
O advogado conta que as faculdades, de forma geral, se comportam como uma "ilha autossuficiente", na qual não há uma integração de atividades do curso com o objetivo de preparar para a prática. O aluno, ao fim da graduação, não se sente pronto para encarar o mundo do trabalho. Segundo ele, isso sempre gera um prejuízo ao formando, que não saberá qual próximo passo a ser tomado por não ter uma experiência concreta.
Apesar de tudo, Jefferson diz estar pronto para assumir uma colocação. "No entanto, dentro de regras objetivas exigidas para ocupar um cargo, sinto que deixo margens para passar uma imagem de despreparado, porque há um excesso de requisitos exigidos previamente em um emprego", pondera.
"É uma necessidade quase fora do normal de experiência prévia ou networking extremamente eficiente para você conseguir uma colocação dentro do mercado, principalmente nesse início de carreira", argumenta o advogado.
Treinamento
Daniela Caetano, gestora do projeto Engajafro, faz a ponte entre profissionais que estão desempregados e empresas. Na proposta, que é voltada para pessoas negras, a especialistas em recursos humanos ajuda no processo de preparação de currículo e criação de LinkedIn. Além disso, a profissional tira dúvidas sobre entrevistas e dinâmicas de processo seletivo. Ou seja, o trabalho da empresa é instruir brasileiros para conseguir um emprego.
"É um deficit que tenho observado na população negra, ela não está no mercado de trabalho. Quanto mais a gente qualificar essas pessoas e deixá-las aptas a exercer cargos, maior será o número de negros em posições de liderança e ingressando em empresas", argumenta.
A gestora também afirma que as universidades não têm preparado bem os alunos para o mercado de trabalho. A grande maioria dos conteúdos são teóricos, mas a parte prática, apesar de ter estágio, está distante e é diferente da "vida real". Ela diz que mesmo que algumas instituições deem mais atenção à vivência prática, ainda é uma exceção.
"Não é em toda experiência que você vai utilizar a parte teórica. As empresas focam mais na questão da prática", afirma. Até por conta disso, segundo Daniela, alguns locais não costumam contratar profissionais sem experiência, por não acreditar no desempenho sozinho da universidade na vida do recém-formado. Ela assegura que não acha irrelevante a graduação, inclusive incentiva que seja feita, mas não pensa também que a formação seja suficiente para conseguir um emprego.
A especialista na área de RH pontua que as instituições de ensino deveriam colocar em debate a questão de como fazer um currículo e passar em uma entrevista de emprego ou processo seletivo. "Na minha universidade tinha uma oficina para o pessoal de RH, da gestão. Eles promoviam essas oficinas, mas não é toda universidade que faz isso e eu acho que é por esse motivo que os profissionais não saem prontos", considera. De acordo com Daniela, o aluno sai preparado na área de conhecimento, no entanto, as habilidades deixam a desejar. (A.L.A) e (M.S.)