Foi encaminhado para o Senado, na última semana, o Projeto de Lei (2.058/21) que autoriza grávidas imunizadas, ou que se recusaram a tomar a vacina, a retornarem ao trabalho presencial. A proposta é de autoria do deputado Tiago Dimas (Solidariedade-TO). Segundo ele, o texto é de interesse das gestantes que desejam voltar à normalidade. Em suas palavras, o projeto está sendo aprovado em um contexto da pandemia diferente de quando o PL 3.932/20 foi sancionado. A proposta da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que se tornou lei em maio deste ano, determinou o afastamento das gestantes do trabalho presencial.
De acordo com Dimas, a questão que permeia a discussão é de que há trabalhos impossíveis de serem realizados de forma remota, prejudicando, assim, os micros e pequenos empresários. O deputado explica que as instituições têm que pagar por todas as empregadas gestantes afastadas, mesmo as que não têm função compatível com o trabalho de forma remota.
“Nesse caso, além de não receberem nenhum serviço pelo valor pago, as empresas têm que arcar com os custos da contratação substituta. É um salário dobrado, e isso é uma tremenda injustiça, principalmente com micro e pequenos empresários”, afirma o deputado.
O parlamentar considera essa situação um incentivo para o aumento do desemprego. Ele argumenta que isso fez aumentar a demissão de gestantes e o receio em contratar mulheres jovens em idade fértil. “Por isso, propus o projeto para regulamentar o afastamento: permitir uma equação justa de modo que o Estado pague a extensão do salário-maternidade, garanta-se a estabilidade da empregada e desonere o empregador”, diz.
Para a deputada Perpétua Almeida, autora do PL que se tornou a Lei 14.151 de 2021 — e que afasta grávidas do trabalho presencial — muitas empresas recorreram à Medida Provisória 1.045 de 2021. A legislação auxiliou pequenos empregadores a conseguirem pagar seus funcionários, que estavam trabalhando de forma remota e não conseguindo exercer suas funções. A MP, no entanto, está com o prazo de validade próximo de expirar.
Segundo a parlamentar, é possível criar outras saídas que não negligenciem a vida das mulheres, mas olhe o lado dos pequenos empresários. Para ela, a solução seria que o governo assumisse esses salários e ajudasse às instituições que não têm condições de sustentar um funcionário sem trabalhar. “O governo precisa retomar sua responsabilidade de ajudar aos micro, pequenas e médias empresas sem prejudicar as gestantes”, diz. A Lei em vigor não estipula nenhuma compensação às empresas nos casos em que a empregada não pode manter a prestação de serviços.
Nos primeiros seis meses de pandemia, de acordo com a deputada, 77% das mortes de mulheres grávidas no mundo eram de brasileiras. A preocupação é de que essa percentagem volte a crescer. “O PL do deputado Dimas, aprovado na Câmara, seguiu para o Senado. Não creio que o Senado vá cometer o mesmo erro que a Câmara cometeu, aprovando um PL que despreza a vida das mulheres”, declara Perpétua.
Contexto
Para Arno Bach, advogado e especialista em direito do trabalho, empresarial e gestão de empresas, a lei foi criada num momento em que o país enfrentava um estado de calamidade pública. Na época, havia a proposta de um plano de imunização, mas ele ainda não estava ativo. “Essa lei, de forma indireta, colocou para o empregador a responsabilidade sobre o pagamento das verbas remuneratórias (salário base e adicionais legais), com a empregada afastada do ambiente do trabalho, e sem exercer qualquer função”, explica.
O professor de pós-graduação acredita que essa é uma solução inviável para aqueles que não podem pagar pela remuneração. O projeto de lei, segundo Bach, dizia que a remuneração permaneceria a mesma, sem redução ou prejuízo, mas não apontava qual órgão ou como o pequeno empresário iria lidar com a situação.
Não foi proposto nenhum desconto da verba previdenciária, por exemplo. “A melhor solução seria que todo o valor pago à gestante fosse abatido do INSS ou de qualquer tributo federal daquela empresa”, argumenta Bach.
Nesse sentido, o especialista em direito do trabalho acredita que não é viável para uma empresa contratar uma mulher grávida ou mantê-la. A CLT estabelece para empregadas gestantes e lactantes o afastamento de lugares insalubres. Nessa analogia, todos os lugares seriam considerados insalubres, enquanto perdurasse o estado de emergência de saúde pública.
Duas decisões, tomadas por juízes de tribunais regionais de São Paulo, foram favoráveis às empresas, mas sem prejudicar o recebimento de salário das grávidas. Os casos ocorreram, em junho e agosto deste ano, e as empresas que levaram os casos aos tribunais conseguiram que a remuneração paga às gestantes fosse enquadrada no salário-maternidade, benefício previsto pela CLT.
Uma das decisões do juiz diz o seguinte: “Defiro, portanto, a tutela de urgência para enquadrar como salário-maternidade os valores pagos às trabalhadoras gestantes, contratadas pela agravante e afastadas por força da Lei nº 14.151/21 enquanto durar o afastamento”.
A Lei gera controvérsias
“Acredito que quanto mais a gente se posiciona, mais frutos a gente pode colher, né? E o meu propósito é tão somente esse”, diz a moradora de Goiânia (GO) Débora Figueiredo, 26 anos. A profissional era gerente do Departamento de Marketing de uma empresa quando foi demitida, depois de ter sido colocada de férias sem motivo aparente. O motivo que usaram para dispensá-la, depois de terminar sua licença-maternidade, foi uma reestruturação, mas Débora afirma que, na sua área, não havia razão para serem feitas mudanças.
“Foi muito frustrante vivenciar tudo isso, porque é um superpreconceito com as mães, com as mulheres. O mais difícil foi ouvir que era uma reestruturação, ao invés de serem transparentes”, conta.
A publicitária pede que o nome da empresa não seja exposto, não por medo de alguma retaliação, mas por acreditar que essa não é a forma que estimula uma transformação. “Meu foco é promover uma mudança na mentalidade, gerar solução e não mais problemas”, afirma.
Débora é contra o Projeto de Lei 2.058/21, que autoriza grávidas imunizadas a voltarem ao trabalho presencial. “A pandemia não acabou, e as mulheres grávidas são mais suscetíveis, vulneráveis e muito prejudicadas caso contraiam a covid-19. A vacina não é passaporte de isenção ao vírus”, diz.
Ela pensa que essa é uma questão mais moral do que legal. Para a publicitária, as empresas estão mais preocupadas com a renda. O bem-estar do funcionário fica para segundo plano. “Apesar do departamento dentro das instituições se chamar Recursos Humanos, sem as pessoas, não há recursos. As pessoas devem vir primeiro”, declara.
“O problema está na falta de implementação de ferramentas e cultura organizacional nas empresas, que não dão autonomia para os colaboradores e nem os prepara para as funções", diz Débora. Segundo ela, não é colocando o funcionário presencialmente que a produtividade irá aumentar.
Risco para a mãe e para o bebê
Paula Ramos Sicsú, 32 anos, considera um risco trabalhar de forma presencial, especialmente no Distrito Federal, onde a taxa de transmissão do novo coronavírus cresce a cada dia. Os riscos, explica a professora de biologia, vão desde contrair o vírus e desenvolver uma versão mais grave da covid-19, com possível internação, até óbito da gestante/puérpera e também do feto/neonato.
“Fico contente em dizer que passei todo o período da gravidez em home office. Por mais que seja desafiador dar aula a distância, foi um grande alívio me proteger melhor do risco”, diz a docente, que acabou de dar à luz a Nina.
Foi difícil não ter esse contato que só a sala de aula possibilita. Ela afirma ter sentido uma dificuldade maior ainda, pois, como professora de biologia, precisava levar seus modelos didáticos, o que foi limitante. “No entanto, foi necessário, e sei que sou sortuda”, reconhece.
Sobre o projeto de lei do deputado Tiago Dimas (Solidariedade-TO), que pretende trazer grávidas vacinadas aos seus postos de trabalho, a bióloga considera lamentável a iniciativa. Vacinas são estratégias de proteção coletiva, “o que, infelizmente, ainda não é o caso”.
Linha de frente
Letícia Alves, 31 anos, nome fictício, que é enfermeira em um emprego e técnica de enfermagem em outro, acaba de entrar no seu oitavo mês de gravidez, mas, durante três deles, trabalhou presencialmente se expondo ao risco de contaminação em uma de suas ocupações.
Quando a enfermeira completou o terceiro mês de gravidez, saiu o decreto que determinou o afastamento de gestantes do trabalho presencial. Antes disso, uma das empresas colocou Letícia na área administrativa. No outro local, no entanto, ela permaneceu na linha de frente.
Ao ser questionada se se sentiu insegura ao trabalhar grávida em dois hospitais, a jovem lembra que, no Brasil, o número de mortes de gestante por covid-19 foi um dos maiores do mundo. “Geralmente, em hospital particular, não há um controle de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Não é todo setor que tem a obrigação de usar a máscara adequada, que é a PFF2 ou a N95. Então, isso deixa a gente muito exposto”, explica.
Segundo ela, o medo é para todos que trabalham com pessoas diretamente, mas quem está na área de saúde, o risco é muito maior. “Foi comprovado, cientificamente, que grávidas têm o sistema imunológico mais fraco do que o de pessoas não grávidas. O corpo fica mais lento para combater o vírus”, diz.
Letícia acrescenta que a vacina não é capaz de proteger totalmente o ser humano. “Em razão de ficarmos mais vulneráveis com a covid-19, acho um risco gestantes, mesmo vacinadas, voltarem a trabalhar”, finaliza.