Na próxima terça-feira, será comemorado o Dia Nacional da Luta pelos Direitos da Pessoa com Deficiência, data importante para a reflexão sobre a situação desses colaboradores no ambiente de trabalho. É tempo para questionar se a inclusão iniciada há 30 anos é satisfatória.
São 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, correspondendo a 25% da população brasileira. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 1% desse exército está empregado no país. Essa realidade tem melhorado desde 1991, quando o Brasil aprovou a Lei de Cotas, que obriga as empresas com 100 ou mais empregados a terem, em seus quadros de funcionários, de 5% a 25% de pessoas com deficiência (PCDs).
De acordo com o procurador do trabalho Piero Menegazzi, os dados oficiais da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2019 revelam que o preenchimento das vagas de trabalho reservadas às pessoas com deficiência chegava a 53% no Brasil. Para se ter uma ideia, esse índice era de apenas 11,4% em 2000.
Também conforme a relação do Ministério Público do Trabalho, havia em torno de 469 mil vínculos de emprego formal de PCDs no país, sendo que isso representava apenas 1,1% do total de trabalhos formais naquela ocasião. Piero considera que é preciso haver transformação na cultura da sociedade, apesar da lei. “São necessárias mudanças culturais, que são favorecidas por políticas públicas com foco na inclusão, como a chamada educação inclusiva”, cita.
De acordo com pesquisa realizada pela agência de empregos Catho, 34% dos profissionais com deficiência de sua plataforma se sentem isolados no ambiente de trabalho. Além disso, eles reclamam da falta de perspectiva de carreira (56%) e da sensação de serem apenas um funcionário de cota (46%). Segundo o levantamento, esses são os fatores que mais os fazem desistir de um trabalho. Para que esse cenário mude, as pessoas com deficiência acreditam ser necessário que empresas lhes ofereçam salário compatível com a qualificação do profissional (65%), plano de carreira (50%) e bom ambiente de trabalho (43%).
Outro ponto a ser considerado, segundo o representante do MPT, é a aplicação da Lei Brasileira de Inclusão, Lei nº 13.146, que objetiva superar diversas barreiras urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações e informações. É preciso, além disso, modificar as barreiras de atitude existentes. Dessa forma, segundo ele, seria mais fácil que PCDs tivessem acesso à vida em sociedade, logo, mais oportunidades de trabalho.
Sem acessibilidade
O primeiro emprego com carteira assinada de Viviane Peres, 46 anos, foi o concurso estadual para professor na cidade de Toledo, no Paraná. Formada em pedagogia, a professora não conseguia emprego na sua área antes de passar em um concurso, porque nenhum local era adaptado para cadeirantes.
Mesmo depois de conquistar uma colocação na rede de ensino do Paraná, os problemas não acabaram, pois foi difícil alocar a pedagoga em uma escola que tivesse estruturada para recebê-la. Não conseguindo, precisou lutar pela acessibilidade no local, que iria trabalhar todos os dias.
Antes de passar no concurso, ela havia trabalhado sem carteira assinada como secretária de uma loja de mecânica e como professora de pintura em telas. Viviane se mudou para Brasília porque o marido Oldemar Barbosa, 47 anos, concursado, foi transferido para a cidade.
Aqui, não foi difícil se estabelecer. Logo, conseguiu emprego no Colégio Sigma de Águas Claras como orientadora do ensino fundamental — anos finais. A pedagoga atua na escola há 10 anos. A escola foi construída com adaptações. A estrutura é nova e, quando chegou ao local, não se sentiu deixada de lado ou prejudicada, por esse e outros motivos, a orientadora educacional gosta bastante do local em que trabalha.
Dos 46 anos de vida, convive com a deficiência há 44 anos. Com um ano e oito meses, a profissional teve poliomielite. A doença afetou membros superiores e inferiores, e ela ficou com limitações parecidas às da tetraplegia. “Consigo me virar: dar banho, cuidar da minha filha, mas dentro das adaptações necessárias”, conta.
Viviane se considera bem resolvida em relação à deficiência. No entanto, há uma cobrança velada. “Acho que a PCD precisa provar o tempo todo que é capaz. Você sofre com a pressão de achar que não vai dar conta, ou se o local de trabalho vai atender às necessidades”, diz.
Dificuldades
De acordo com a orientadora educacional, o que o cadeirante precisa é de mais estrutura, mas ela diz não saber se isso é preconceito ou não. “Preconceito vem muito de você não acreditar no potencial de alguém, de pensar que não vai dar conta”, lamenta. O Brasil, para a pedagoga, não está preparado para conviver com PCDs. As rampas, segundo ela, não têm um bom declínio, o transporte não oferece um serviço adequado e, quase sempre, é preciso estar com alguém para que o cadeirante consiga se locomover pelas ruas.
A pedagoga fala do momento em que deu à luz a sua filha. As enfermeiras nunca tinham dado assistência a pessoa com deficiência, mesmo o hospital sendo particular. Aquele momento foi complicado para Viviane, pois nem mesmo os profissionais que deveriam saber cuidar dela em um momento de necessidade estavam capacitados.
Viviane ainda deixa claro que as empresas não contratam pessoas com deficiência porque são “boazinhas”, e, sim, porque estão cumprindo uma lei. “Isso é direito adquirido, é previsto por lei que a gente dê conta de se sustentar com nosso próprio trabalho, por mérito. Meu marido é cadeirante e enfrentou várias questões para assumir a posição no concurso em que passou. Tudo é uma luta muito grande”, desabafa.
Concursado desde 2000
A principal dificuldade de uma pessoa com deficiência (PCD) é a questão da escolaridade, segundo Oldemar Barbosa, 47 anos, marido de Viviane Peres, també cadeirante. Ele é formado em ciências econômicas e tem pós-graduação na área de planejamento urbano e econômico. Apesar das dificuldades que enfrentou, não desistiu e trabalha, há mais de 20 anos, no Banco do Brasil.
O pós-graduado faz parte da equipe de desenvolvimento de estratégias para que a organização cresça no Brasil e fora. “Estou agora em home office, mas trabalhei muitos anos presencialmente, e gosto muito do que faço”, relata.
Sua carreira profissional também começou em Toledo (PR), assim como a da esposa. Em 1994, passou em um concurso no Paraná para o cargo de assistente administrativo, conseguindo desempenhar com louvor as funções necessárias. Na época, ele conta que o local ajudava a pagar o deslocamento até a faculdade que cursava, pois ficava muito longe.
A parte ruim, conta Oldemar, é que, além da descrença que as pessoas tinham da capacidade dele, de duvidar se ele, de fato, conseguia desempenhar as funções a ele atribuídas, precisava lidar ainda com a preocupação da estrutura arquitetônica do local, se ela era adequada para um cadeirante. “Às vezes, o trabalho que eu desempenhar era em outra dependência, e isso já me preocupava”, lembra.
Ao chegar em Brasília, em 2008, conta que enfrentou um desafio: encarar de frente os trabalhos que lhe eram apresentados. Ele sempre morou em Águas Claras e trabalhou no Plano Piloto. Ou seja, o deslocamento diário é grande, cerca de 20 quilômetros. “Mesmo assim, sempre fui muito guerreiro, gosto de enfrentar o desafio de não ter medo de encará-lo”, afirma.
Segundo Oldemar, a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência é importante, uma vez que não dá para contar com a boa vontade das empresas de empregar PCDs. Hoje, comenta ele, as instituições escolhem pessoas com deficiências “menos graves” para não ter que lidar com a mudança na estrutura arquitetônica. “As adaptações mexem tanto no bolso quanto na rotina da empresa. Essas rotinas são limitantes no sentido de que a empresa ainda não detém o total conhecimento de como essas pessoas se desenvolvem dia a dia no trabalho”, informa.
Ele acredita que, se não fosse a lei, grande parte dessa população ainda estaria desempregada. O concurso do Banco do Brasil, no qual participou, em 2000, foi o primeiro do órgão a abrir para pessoas com deficiência. Oldemar acredita que precisa haver uma cultura da empresa que seja iniciativa dos próprios empregadores. O bancário pensa que é fundamental que eles tenham um olhar diferenciado e acreditem no potencial da pessoa com deficiência. Isso é fundamental para desempenhar um bom trabalho.
A reinvenção de Bruno
Bruno Braga, 30 anos, tornou-se deficiente físico há 12 anos, em um acidente de carro. Desde então, sua vida mudou para sempre. Quando tinha 16 anos,descobriu que não iria mais andar. O jovem era atleta profissional de tênis de mesa, e, a partir da mudança radical que ocorreu em sua vida, não foi fácil voltar a praticar o esporte. Apesar disso, Bruno conseguiu olhar para o lado positivo do que lhe ocorreu e passou a contribuir para a vida de pessoas que sofreram traumas semelhantes.
Depois do acidente, o rapaz se formou em marketing e fez pós-graduação em administração. Atualmente, trabalha como assistente administrativo de recursos humanos no Sabin e como membro do Comitê de Diversidade da empresa, além de fazer palestras sobre inclusão. “Tive oportunidades que, se eu andasse, não teria”, admite.
A experiência de vida se tornou uma ferramenta de atuação. Bruno compartilha sua história com pessoas para chamar a atenção às boas práticas de recursos humanos. Somente no Sabin, ministrou mais de 30 palestras. Recentemente, o jovem fechou um curso de gestão de diversidade nas organizações. Desde setembro, o administrador dá aulas nos fins de semana na Pontífica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Além disso, outras palestras estão marcadas em Osasco, São Caetano e Campinas.
Saiba Mais
A vontade de trabalhar na organização surgiu durante um curso de especialização que fez. Nele, Bruno conheceu a diretora administrativa e de pessoas da instituição, Marly Vidal. Com ela, aprendeu que o Sabin era, de fato, um lugar que respeita as pessoas com deficiência (PCD). “Aqui não é um lugar que se contrata para cumprir cotas”, considera.
Bruno afirma que todos ao seu redor estão preparados para lidar com a sua deficiência, além do prédio em que trabalha ter acessibilidade e adaptações para que ele consiga ter sua independência no local. “No meu trabalho, estou na lua. Tudo é adaptado, e consigo ir para qualquer lugar. A partir do momento que eu saio ali na calçada, acabou”, diz.
Segundo Marly, diretora administrativa e de pessoas do Sabin, a empresa tem em sua essência a valorização das pessoas. "Para se ter um ambiente de trabalho inclusivo e harmônico, é fundamental acolher qualquer tipo de diferença, seja ela de gênero, raça, idade, seja também na forma de pensar, de solucionar problemas e de tomada de decisão", afirma.
Boas iniciativas
Para lançar um olhar plural aos valores da empresa, o Sabin implantou o Comitê de Diversidade. "A intenção é tornar as pessoas mais capacitadas e hábeis para lidar com as diferenças do próximo. Todo mundo é diferente; ninguém é igual”, declara Bruno Braga. Para ele, é necessário engajar todos na causa da diversidade por meio de grupos de atuação interna. Assim, o trabalho fica mais direcionado e produtivo. “A gente quer que a pessoa seja quem ela é aqui dentro”, completa.
O comitê tem cinco pilares: gênero, raça, orientação sexual, pessoa com deficiência e gerações. A iniciativa conta com a participação voluntária de colaboradores para discutir e refletir sobre questões rotineiras, que fomentem o respeito e a promoção da diversidade dentro da empresa, sempre com o apoio da equipe de gestão de pessoas.
*Sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo