Márcia Cristiane Carvalho, 51 anos, conseguiu novo emprego em meio à pandemia. A vendedora foi demitida no início do lockdown, em 2020, de uma empresa na qual trabalhou durante 18 anos. Com o dinheiro da rescisão, ficou alguns meses em casa, e foi contratada no fim do ano passado. Hoje, Márcia trabalha em uma loja de lingerie no Sudoeste. A conquista dela reforça pesquisa do site Gupy, empresa em tecnologia para recursos humanos no Brasil. O estudo revela que, no primeiro semestre deste ano, houve aumento de 217% na contratação de pessoas com mais de 40 anos em compa ração ao mesmo período do ano passado.
São publicadas, aproximadamente, 60 mil vagas por mês na plataforma da Gupy. Entre as pessoas contratadas pelas empresas, 10% têm entre 40 e 50 anos. Os setores que mais geraram empregos para esses profissionais foram: serviços (16,68%), varejo (16,10%), saúde (15,06%), telecomunicações (8,87%), atacado (6,77%) e tecnologia da informação (4,74%). Ao analisar os dados do ano passado, foi observado uma tendência em outras áreas, com um crescimento significativo de contratações em contabilidade ou controladoria (1.261,54%), jurídico (690%), marketing e comunicação (600%) e recursos humanos (478,26%).
Mariana Dias, chefe executiva da Gupy, diz que há dois motivos para as empresas contratarem pessoas desse grupo etário. "Algumas empresas estão olhando mais para a diversidade em seus times e buscando reduzir os vieses nos processos seletivos (isso também explica porque houve contratações de profissionais com mais de 40 anos para programas de estágio e trainee, por exemplo).”
A segunda razão, de acordo com ela, é que, a partir da pandemia e as incertezas do cenário econômico, pode-se observar a tendência de contratações desses profissionais em áreas estratégicas como jurídica, contabilidade e recursos humanos. O destaque vai para a última área,que precisou lidar com toda a adaptação da empresa ao trabalho remoto.
Para a CEO da Gupy, as trocas intergeracionais são muito importantes, porque, apesar de haver pessoas mais jovens adquirindo conhecimento e desenvolvendo habilidades técnicas de maneira rápida, as comportamentais estão ganhando relevância. Elas se fizeram necessárias no contexto da pandemia, onde o cenário era não linear e complexo.
“Adaptação, resiliência, inteligência emocional, entre outras habilidades — que, inclusive, são tendências do futuro do trabalho — comuns entre os profissionais seniores. Essa troca de experiências diferentes que gerou aprendizados e o desenvolvimento de habilidades diferentes podem ser ricas para os profissionais e mais rica para as empresas", informa.
Esse crescimento nas contratações de profissionais com mais de 40 anos é muito importante para a economia, segundo a empresária. A pirâmide etária está se invertendo, e a expectativa de vida da população é cada vez maior. Essas pessoas, portanto, serão economicamente ativas por mais tempo.
Experiência
A vendedora Márcia é uma profissional de excelência. Ela recusou quatro propostas de trabalho no período em que ficou desempregada. E as ofertas de emprego vieram por meio de indicação. Na loja de roupas íntimas onde trabalha, não foi diferente. “A dona da loja perguntou para uma representante de marca se ela conhecia alguém experiente na área, e foi assim que fui indicada. A entrevista foi boa, porque, assim que a ex-funcionária terminou de cumprir o aviso -prévio, eu entrei”, conta.
Essa conquista significa, para ela, liberdade e segurança. “Poder bancar as contas da casa, é muito bom. A segurança de acordar todos os dias e saber que tenho um lugar para ir, e como me manter, é ótima”, afirma.
Márcia avalia que, no início de sua vida profissional, era mais fácil obter capacitação, porque as próprias fábricas davam cursos aos trabalhadores. Segundo ela, aqueles que aproveitaram se deram bem. Esse também seria o motivo de ser mais comum encontrar empregados da idade da vendedora em lojas de peças íntimas. “Pessoas da minha faixa etária têm um currículo de peso em razão dos cursos. Mas, se não tiver experiência, vai ser difícil de qualquer maneira”, pondera.
A proprietária da loja em que Márcia trabalha, Ondina Laignier, 65 anos, relata que a Segredo Íntimo foi um dos primeiros empreendimentos do Sudoeste, região de Brasília. Desde o início, ela preferiu dar prioridade a candidatos mais experientes.
A empresária acredita que os empreendedores são restritos à questão da idade, principalmente, em lojas de shopping. “O jovem tem rapidez, mas os mais velhos são, sim, capazes de atingir esse dinamismo”, ressalta.
Ondina informa que, nesses momentos, o essencial é olhar o lado humano. “É muito mais fácil para uma pessoa jovem conseguir emprego, porque tem tempo e oportunidades. O funcionário com idade mais avançada necessita de um trabalho fixo que permita que ele se aposente”, explica.
Para Marcelo Lima, presidente da empresa Governança Brasil (Govbr), que produz softwares para a gestão pública, uma pessoa de 50 anos ainda é jovem e tem muito a contribuir com a sociedade. “Precisamos atualizar nossos conceitos e nossa visão, a experiência é um valor muito importante”, pontua.
Essa característica, sozinha, consegue minimizar erros e reforçar estratégias, na medida em que olhar para o futuro diz respeito a ser competente em considerar resultados bons e ruins e, ainda assim , ter memória. Na visão de Marcelo, esses requisitos são oferecidos justamente por pessoas experientes.
As vantagens
O coordenador do curso de gestão de recursos humanos do Centro Universitário Iesb, professor André Daniel, ressalta que o profissional sênior traz diversos benefícios. Geralmente, essas pessoas se depararam com situações adversas e podem utilizar a experiência para resolver problemas ou aproveitar oportunidades que surgirem.
A orientação que esse grupo pode proporcionar deve ser utilizada pelos demais colaboradores, principalmente, os mais jovens. É comum que trabalhadores mais velhos tenham um senso de autorresponsabilidade e, geralmente, agem de forma conciliadora ante os conflitos.
“O mercado de trabalho ainda é bastante conservador com a idade dos colaboradores. Há pouca oferta de vagas para profissionais que têm a idade acima de 40 anos e que possuem mais experiência de mercado”, afirma.
Percepção
Pesquisa realizada neste ano pela doutora em gerontologia Bernardete Cordeiro constatou que as empresas de construção civil não percebem a falta de funcionários com mais de 50 anos no quadro de pessoal.
A especialista diz que os profissionais com essa idade estão dispostos a se adaptar às empresas. No entanto, os empregadores não estão preparando os ambientes para recebê-los.
Bernardete explica que empresas com grande mão de obra masculina começaram a capacitar mulheres. Movimento, sem dúvidas positivo. Contudo, há profissionais habilitados para ocupar essas posições — pessoas de mais de 40 anos — mas, às vezes, são considerados inadequados.
Desde 1982, a Organização das Nações Unidas (ONU) chamava a atenção das empresas para a questão do envelhecimento.
Saiba Mais
“Esse grupo ainda tem vida para participar e oferecer, e é importante estar integrado à sociedade”, diz Bernardete. Apesar do cenário ruim, ela pondera que há empresas priorizando políticas para empregabilidade de pessoas mais velhas.
Desequilíbrio social
A recolocação no mercado de trabalho para um profissional experiente é mais difícil do que a de um trabalhador jovem. No entanto, precisa ser realizada. A pesquisadora Bernardete Cordeiro afirma que as consequências dessa realidade são o desequilíbrio social e a desestabilização da economia. “As empresas precisam parar de ter medo de contratar pessoas experientes. A própria ciência atesta que o ambiente de trabalho rico e diverso é importante para o crescimento. Mantê-los empregados não é só uma questão social, mas de desenvolvimento econômico”, explica.
Há qualidades que um trabalhador experiente pode oferecer e, um jovem, não. Lealdade, comprometimento e a própria experiência de vida e trabalho são alguns deles. Segundo Bernardete, essa última característica ajuda na tomada de decisões dentro de uma empresa.
De acordo com a pesquisadora, dois fatores motivam esse grupo a continuar empregado, são eles: a manutenção da renda e o padrão de vida. As aposentadorias podem ser enxutas, e isso leva o aposentado de volta ao mercado de trabalho.
Para Renan Laffranchi, professor de administração e marketing da Universidade Norte do Paraná (Unopar), as pessoas acima de 40 anos precisam se reinventar todos os dias, pois, em um mundo de multiplataformas e redes sociais, as empresas exigem um profissional atualizado.
“As pessoas estão se especializando muito nessa área (de redes sociais). Profissionais mais velhos competem com pessoas mais novas. Então, é preciso estar no páreo da concorrência. Uma boa dica, além de realizar cursos, é buscar profissionais de recursos humanos e apoio na psicologia para desenvolver habilidades individuais, além de técnicas”, aconselha.
10 setores que mais empregaram profissionais entre 40 e 50 anos*
» Educação 658,62%
» Saúde 479,90%
» Siderúrgica 448,48%
» Indústria em geral 351,08%
» Logística 350,50%
» Serviços 238,37%
» Telecomunicações 226,23%
» Tecnologia da Informação 176,95%
» Varejo 166,49%
» Bens de consumo 81,54%
*Crescimento nas contratações no primeiro trimestre do ano ante o nesmo período de 202