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Por que estudar na velhice?

Especialistas explicam os motivos de idosos estarem buscando ensino superior, e falam de benefícios da prática

Vicente Alves, 58 anos, coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), garante que há áreas que são mais procuradas pelos idosos. Uma delas é justamente a filosofia. Há uma busca por razões “mais existenciais”, segundo o professor. O enfoque dessa faixa etária seriam graduações ligadas a causas humanitárias e sociais, com apelo à ecologia, ao compromisso com o outro.

“São valores que crescem à medida que a idade avança e o campo profissional foi mais estabilizado”, afirma Vicente.

O coordenador em gerontologia retrata bem a realidade de René Alves, 83 anos, e Elias Alves, 60. Ambos procuram entender algo mais aprofundado, que não tiveram tempo enquanto estavam ocupados tentando ganhar a vida.

“Os principais motivos que vemos [para a procura] são a necessidade de uma nova qualificação para se posicionar no mercado ou, depois de aposentado(a), fazer uma graduação que queria ter feito quando jovem, mas a busca por uma profissão estável não permitiu”, explica o especialista.

Milton Pignatari, professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie de São Paulo, afirma que há necessidade de uma melhor colocação para aqueles que ainda se encontram no mercado de trabalho. Os que permanecem trabalhando, mesmo depois de idosos, entendem a exigência do mercado de se obter uma formação mais específica.

Mestre em educação, arte e história da cultura, Milton lembra que haverá um aumento da expectativa de vida, com a tendência de envelhecimento da população nos próximos anos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o órgão de pesquisa, em 2030, terão mais pessoas com mais de 60 anos do que crianças até os 14 anos de idade.

“Esse fato fez com que houvesse uma busca pela necessidade de uma atividade intelectual, para manter a mente em movimento. Porque há a possibilidade de a realização de atividades físicas não ser do agrado desse público”, comenta. De acordo com o professor, a atividade física seria mais uma forma de manter a mente funcionando.

O especialista analisa que em 2018, segundo dados do Ministério da Educação, houve um aumento de 40% de idosos matriculados no curso de ensino a distância. O que era um sistema confortável para todos os grupos de estudantes, torna-se mais atrativo para os idosos. O EAD possibilita a esse grupo a facilidade de não ter nenhuma preocupação com deslocamento, alimentação fora da residência e mobilidade. Milton Pignatari ressalta que, para alguns, é um benefício poder ficar na presença da família, tendo um ambiente tranquilo onde possam se concentrar.

Arquivo Pessoal - Milton Pignatari explica que o interesse em uma graduação está ligado ao fato do aumento da expectativa de vida

A faixa etária que mais procura uma graduação na melhor idade é entre 55 e 70 anos, segundo o especialista. Mas, para ele, ”é muito difícil dizer o que leva esse público a ingressar, de fato, em um desses cursos”. Milton pondera que podem ser alguns fatores como: desejo antigo de cursar graduação; constante busca de conhecimento em diversas áreas ou a influência de um grupo de amigos ou familiares.

Universidade do Envelhecer

Pensando em ressignificar a velhice de uma forma intensa, com intuito de garantir que as pessoas tenham dignidade em viver essa fase, foi criada a Universidade do Envelhecer (UniSER). O projeto da Universidade de Brasília (UnB) tem o objetivo de fazer com que essa fase seja produtiva do ponto de vista do desenvolvimento humano e da sociedade. A proposta é exaltar um dos pilares da educação, que é aprender a conviver junto.

Saiba Mais

Idealizado em 2014 pela coordenadora Margô Karnikowski, o programa é inspirado na Universidade da Maturidade, pertencente à Universidade Federal do Tocantins (UFT), de onde é originária a tecnologia social utilizada hoje no projeto de extensão. A UniSER funciona em 10 regiões administrativas, mas de forma on-line. De acordo com Margô, o projeto tinha uma boa adesão presencial e, agora, se aperfeiçoa no método remoto.

Em 2015, foi lançada a primeira turma do curso de educador político social em gerontologia. Os gerontólogos estudam os fenômenos físicos, sociais e psicológicos relacionados ao envelhecer. Apesar de ser o único curso oferecido pela UniSER, a proposta incorpora e conversa com outros projetos dentro do programa, entre eles: Projeto Ação (contributo da UniSER em tempos de pandemia, oferece minicursos e algumas ações virtuais), Projeto Voa (concurso literário de abrangência nacional), Projeto Educação Alimentar (oficinas de aprendizagem para alimentação saudável), Projeto Comunica UniSER (atividades relacionadas à melhoria da comunicação e a difundir o envelhecimento saudável nas redes sociais), Projeto Tecnogeronto (gamificação e intergeracionalidade) e Projeto Esporte intergeracional (formação de árbitros para atuarem em jogos escolares).

Durante a pandemia, a procura por vagas cresceu. A demanda sempre foi alta, mas agora está mais. No último edital, mais de 1.300 pessoas se inscreveram para o quantitativo de 400 vagas. A pedido dos alunos, foram ofertadas e criadas novas turmas na modalidade remota. Muitos não sabiam nem acessar a plataforma Google Meet ou mexer em computadores e, juntos com a equipe do UniSER, aprenderam e desenvolveram essas habilidades.

Margô afirma que não há a possibilidade de abrir mais vagas, mesmo no formato on-line, porque foram desenvolvidas metodologias específicas para trabalhar com essa faixa etária que abrange o programa — acima de 45 anos.

“Quando acabar a pandemia, a UniSER nunca mais será a mesma. Nós aprendemos demais e manteremos a modalidade presencial e a virtual. Com essa percepção, a nossa vontade e esperança é construir algo melhor. Esse momento nos ensina a ter solidariedade e construir um mundo melhor a partir da educação”, afirma a professora.

De acordo com ela, muitos dos participantes do projeto não tiveram a oportunidade de fazer uma universidade. E o objetivo da UniSER é levar a universidade até elas, porque a maior parte desse público não tem conhecimento de qual é a missão de uma instituição de ensino. “Isso faz com que a UnB cumpra com a sua missão de uma das universidades mais importantes do país, nesse sentido de ser pioneira de uma estrutura social que está mudando, onde o crescimento da população idosa é acelerado”, arremata Margô, coordenadora do projeto.

 

*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo