Desde cedo, ela percebeu que tinha facilidade em trabalhar com crianças. Essa é Ana Maria Cardoso Cabral, 60 anos, que, antes de trabalhar em Unidades Intensivas de Tratamento Neonatais, como enfermeira, dava aulas, voluntariamente, para crianças, no centro comunitário de sua cidade, em São Luís (MA). O sonho foi deixado de lado por alguns anos, mas ela nunca desistiu de estudar, mesmo que esporadicamente, para o vestibular da universidade da região. Dessa forma, depois de quase 36 anos, entre abandonos e retomadas, a profissional de saúde, finalmente, realizou o sonho dela: passar para o curso de pedagogia, na Universidade Federal do Maranhão.
A enfermeira não se lembra bem, mas afirmou que, por volta de 1985, ou antes, passou a ter vontade de cursar pedagogia. No entanto, o desejo foi deixado um pouco de lado, porque o mais viável, naquele momento, era trabalhar em hospitais. Ana Maria é formada em técnico de enfermagem, e conta como conseguiu concluir essa etapa numa escola pública, em 1979.
Apesar de ter nascido em Bacabal (MA), distante 250 quilômetros da Ilha de São Luís e com pouco mais de 100 mil habitantes, quantidade que tem a região administrativa de Sobradinho, ela foi para a capital com apenas três anos. Na entrevista, a nova universitária repete: “Desde o início, meu sonho era fazer pedagogia”.
Ela tentou iniciar a carreira profissional ao prestar, em 1979, um concurso para a Marinha do Brasil. Essa foi a primeira chance que mulheres tiveram para participar, e Ana Maria foi a primeira colocada em São Luís do Maranhão. Infelizmente, na prova de aptidão física, que ocorreu em Belém do Pará, ela não passou de fase e, naquela época, não pôde trabalhar com enfermagem para oficiais e praças.
Ana não desistiu. Entrou para um hospital do Maranhão, onde começou a trabalhar como auxiliar de enfermagem. Em 1986, passou para o concurso do Hospital Universitário Materno Infantil, realizado na época pelo Ministério da Saúde, onde ficou por mais de 20 anos.
A enfermeira não tinha uma rotina fácil. Não satisfeita com o emprego, Ana Maria passou para uma vaga na Prefeitura de São Luís, onde também era profissional de saúde. “Trabalhei por 30 anos em um local e me aposentei há três anos. Nesse outro da prefeitura, eu sigo exercendo a profissão. Recentemente, inclusive, passei a trabalhar com vacinas: iniciei com a de rotina de H1N1”, conta.
Mesmo como enfermeira, ela conseguiu trabalhar próximo àquilo que sempre quis, com crianças. Na UTI neonatal, trabalhava com bebês prematuros, na maioria dos casos. Ana Maria conta que havia harmonia no trabalho e, apesar de o sonho de pedagogia ter sido esquecido por algum momento, ajudava aqueles que sempre gostou, as crianças.
A respeito da vida acadêmica, a auxiliar de enfermagem explica que, não é porque parou em alguns momentos, que havia desistido. A justificativa para o abandono esporádico dos estudos está nas responsabilidades do dia a dia, como trabalho, filhos, marido, entre outras coisas que acabaram sendo prioridade. Além disso, ela não tinha condições financeiras para poder pagar um cursinho preparatório.
Trajetória
“Desde que iniciei essa trajetória houve paradas, momentos em que não fiz o vestibular, porque existiam outras prioridades. Mesmo assim, eu não desisti, passei pelo vestibular da Universidade Estadual do Maranhão e a previsão é de que as aulas comecem em 16 de setembro e, quando elas iniciarem, eu vou estar com 61 anos”, afirma a enfermeira.
Saiba Mais
Ana Maria não quer fazer uma faculdade apenas pelo conhecimento. Mesmo depois de anos, ainda quer cumprir a missão de ajudar crianças aprenderem a ler e escrever. “Depois de me formar, quero fazer esse trabalho de educação com excelência. Vou estar aposentada do meu atual emprego, então daqui para a frente é só pedagogia”, planeja.
"Eu sempre falava: 'Meu Deus, está faltando alguma coisa na minha vida, tenho dois empregos, um eu já me aposentei, eu preciso entrar em uma faculdade'. Pode saber que se eu não passasse agora, continuaria tentando”, assegura a auxiliar de enfermagem.
A enfermeira trabalha com crianças na igreja e “tem certeza que tudo vem na hora certa”, pois quer ajudá-las. “Descobri, recentemente, que tem uma criança de 12 anos que não sabe ler e escrever, outras duas de 5 e 6 que não leem e escrevem mal. Amo demais crianças, e tenho certeza que vou desenvolver um trabalho incrível com elas”, garante Ana Maria.
A empreendedora de moda praia
Maria do Socorro Sousa, 83 anos, tem duas características em comum com Ana Maria Cardoso, 60. Também é maranhense, de São Luís, e servidora pública aposentada desde 1990. Apesar de hoje ter um negócio de moda e ter começado costurando, fez um curso de administração no Centro Universitário de Brasília (Ceub), onde se formou em 1977. Além disso, é pós-graduada em análise organizacional pela Fundação Getúlio Vargas.
Mas, depois que se aposentou, tornou-se, de fato, empreendedora. Primeiramente, fez um curso de moda praia e fitness, e, em 1992, capacitou-se em modelagem industrial no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Socorro conta que abriu sua empresa como hobbie, para preencher seu tempo enquanto aposentada, no entanto sentia com o dia a dia da empresa, a necessidade cada vez maior de se profissionalizar. Naquele momento, ela também fez cursos de empreendedorismo.
A empresária afirma que é fundamental se preparar constantemente como profissional. “Principalmente, para o empreendedor, que precisa sempre estar atualizado. O mercado já é concorrido, então, é necessário acompanhar o que está ocorrendo”, diz. “A moda vai e volta, é como uma onda, mas é preciso estar preparado”, aconselha a experiente empresária do ramo, com mais de 30 anos no setor.
Maria do Socorro acaba de se matricular no curso da pós-graduação de gestão de negócios de moda no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Distrito Federal (Senac-DF). A especialização começou com a vontade de nunca parar de aprender, mas também, por ela saber da importância de estar por dentro do que está ocorrendo.
Com a pandemia e as mudanças na relação com os clientes, ela precisou aprender a vender mercadorias de forma virtual. Para isso, organizou-se para montar um planejamento estratégico. A empresária conta que passou a maior parte do tempo com seus serviços fechados, porque, além de o comércio não estar abrindo, as costureiras eram grupo de risco, assim como ela.
Agora, a Vento Radical, fábrica de Maria do Socorro, está aberta no Polo de Modas do Guará e, apesar de fornecer produtos para outras lojas, também vende as peças no local. “Desde criança, gostei muito de costurar. Costurava roupas para as minhas bonecas. Hoje, não costuro. Mas, se for preciso sentar numa máquina, faço com certeza. Meu trabalho é criar, desenhar e modelar as peças”, detalha.
O hobbie da servidora pública aposentada se transformou numa ocupação que gera renda, empregos e produtos. “Eu amo o que eu faço, senão, já estava ali vendo novela, mas esse não é o meu perfil. Gosto de criar, de movimento, se eu não estivesse mexendo com costura, estaria fazendo outra coisa, mas, em casa, parada, eu não estaria. Isso daí é ficar doente”, finaliza.
De técnico de informática para filósofo
Uma vez engraxate, René Naves, 84 anos, jamais imaginara que concluiria, anos depois, a segunda pós-graduação, em neurociências. “Eu comecei a trabalhar cedo, com 12 anos mais ou menos. Era muito pobre, carregava garrafa, vendia jornal, marmita”, conta o técnico em informática, que hoje está aposentado.
Em 1957, o mineiro concluiu o ensino médio. A partir disso, começou a estudar para o concurso da Escola de Especialista da Aeronáutica. René passou e foi trabalhar em Guaratinguetá (SP), na Área de Proteção ao Fogo. Nesse local, mexeu com eletrotécnica e depois com eletrônica somente. Com o advento da internet, ele migrou para a informática em 1985.
Nessa área, fazia manutenção de computadores, consertos e depois trabalhou com software. O técnico explica que à medida que chegavam novos equipamentos, os funcionários precisavam fazer cursos para se profissionalizar. E foi dessa forma que René fez mais de 14 cursos, enquanto estava na Aeronáutica.
Ao sair de lá, René Naves veio para Brasília, onde trabalhou na Presidência da República. como chefe da manutenção do Centro de Processamento de Dados, na área de rede analógica. Quando se cansou, saiu do emprego e abriu a própria loja, no Conic, na área central de Brasília.
Fôlego
A Dot Pitch Informática ficou com as portas abertas durante 21 anos. O filho o ajudava a tocar o empreendimento, mas ele começou a fazer faculdade e ter menos tempo para cuidar do negócio. René também não estava com fôlego de atender os clientes e resolveu fechar a loja. “Com meus filhos todos formados, achei que não era mais a hora de trabalhar. Então, parei”, afirma.
Mas o aposentado tem uma certa teimosia. Algum tempo depois, abriu uma loja de conveniência. Por carregar muito peso, levando mercadorias, o ex-técnico de informática teve um princípio de infarto em 2014. Após isso, sua carreira acadêmica foi retomada. Recuperado, em 2016, entrou para a Universidade Paulista (Unip), no curso de pedagogia, mas desistiu.
Da pedagogia foi para filosofia, graduação na qual se formou em 2019 pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Não satisfeito, fez pós-graduação em metodologia de ensino de história e, agora, vai terminar, no fim do ano, a segunda especialização em neurociências. “O saber tem um sabor mais forte, o sabor que inebria a pessoa, é bom demais saber as coisas”, afirma René Naves.
Nem sempre é pelo conhecimento
Janaína Penido, 59 anos, é natural de Carmo da Mata (MG), mas mora em Brasília há 32 anos. Em 1989, veio para a capital com o marido, ambos convidados por uma instituição financeira privada para trabalhar. Hoje, ela é aposentada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) há 10 anos.
Formada em contabilidade pela União Educacional de Brasília (Uneb), a ex-assistente bancária nunca chegou a exercer a profissão, porque, quando fez curso superior, já tinha uma colocação no mercado de trabalho. “Nunca pensei em exercer a profissão de contadora. Mas, hoje, eu trabalharia num escritório de contabilidade como auxiliar. Não em cargos de contadora ou de chefia. Queria me ocupar, ter meu salário certinho e ficar feliz e satisfeita”, diz.
Gestão
Após 20 anos longe dos estudos, Janaína resolveu fazer o curso técnico em serviços públicos oferecido pelo Instituto Federal de Brasília (IFB). A aposentada relata que não se adaptou à rotina de dona de casa. Por isso, decidiu procurar alguma atividade que agregasse ao conhecimento que ela tinha e também ao que queria resgatar. Por meio de um e-mail, ela tomou conhecimento sobre os cursos de formação continuada do IFB. Foi assim que resolveu fazer um curso técnico de gestão e políticas públicas. Foi sorteada na segunda chamada.
“Eu queria alguma coisa para me ocupar. Não como limpar a casa, queria algo para relaxar, e eu gosto muito de fazer doce. Se eu não tivesse iniciado esse curso, acredito que estaria fazendo sobremesas”, afrima.
A aposentada conta que enfrentou dificuldades na volta aos estudos, principalmente na modalidade remota. “De vez em quando, reclamo porque, como tem muito tempo que não estudo, não tenho muita intimidade com computador, programas, essas coisas. Fico desesperada por não saber mexer nas matérias ou lidar com acessos”, desabafa.
Janaína explica que a maior dificuldade no momento é com a informática. Mas, com o apoio da família, ela estuda e anota tudo para não se perder. Pretende, inclusive, fazer outro curso ao terminar esse.
Apesar das dificuldades, a ex-assistente bancária revela estar satisfeita com a experiência. “No fundo, estou adorando. Fico ansiosa para chegar o horário da aula. Tomo banho, me arrumo, tem dia que passo até maquiagem, mesmo eu não aparecendo na telinha. Estou adorando a turma, e os professores são legais”, afirma.
A futura técnica em gestão e políticas públicas pretende se reinserir no mercado de trabalho, mas sem muita ambição. “Se não der para ser em período integral, quero, pelo menos, meio período”, diz.
Acostumada a trabalhar desde os 12 anos, Janaína começou em uma casa paroquial de Carmo da Mata, passando livros de batismo a limpo. Conta que sempre teve o próprio dinheiro para comprar o que quisesse. No entanto, ao se aposentar pelo INSS, a renda caiu bastante. “Quero trabalhar porque é uma renda que faz falta e, também, porque quero sair de casa, conversar e ver pessoas”, relata.
Filosofia: o assunto preferido deles
Elias Ribeiro, 60 anos, estuda filosofia na Universidade de Brasília (UnB). Entrou no curso em 2013, mas não tem pressa para se formar porque o objetivo não é ter um canudo, mas adquirir conhecimento. Nesse período, chegou a trancar o curso para passar um período nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, graduou-se em administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), em 2010.
Antes disso, cursou engenharia em uma universidade privada em 1985, mas parou no décimo semestre. “Cheguei a colar grau em engenharia elétrica, porém era um período de muita agitação política, com o movimento estudantil na ponta. Eu era do grêmio e, após uma greve, fui punido com suspensão. Então, abandonei o curso”, lembra.
Na época, Ribeiro trabalhava no Banco do Brasil. Era funcionário da instituição desde 1982 e, por isso, não se preocupou em concluir o ensino superior. Aposentado desde 2016, o objetivo do ex-bancário não é conseguir uma colocação profissional. “Estudo porque gosto”, conta. “Quando não estou frequentando escola regular, utilizo o método autodidata”, revela.
Hábito
O acadêmico diz que tem o hábito de estudar porque o Banco do Brasil incentiva os funcionários a se profissionalizarem. Natural de Governador Valadares (MG), Elias veio transferido para Brasília em 2008, como analista para a área de tecnologia.
Além da filosofia, o aposentado se dedica ao desenvolvimento de software para empreender. O objetivo é colocar um software android no mercado até o fim do ano, que servirá de ponte entre filantropos e instituições de caridade. Bem inteirado tecnologicamente, Ribeiro costuma fazer cursos on-line em plataformas como a Udemy e Uudacity, além de recorrer a livros específicos.
Ele diz não se preocupar com o futuro, economicamente falando. O que precisava ser feito nessa área, considera realizado. Segundo ele, pensa ainda em poder contribuir com algo que ajude a sociedade brasileiras a aumentar o trabalho de filantropia.
“Entrei para a filosofia porque queria transmitir para outras pessoas esse gosto. Vejo vantagem em estar sempre estudando. Penso, também, que a filosofia tem um grande valor, porque o que modifica o mundo não é o dinheiro, a tecnologia ou a ciência, são as ideias. Os conceitos são a base da filosofia”, considera.