Eu, Estudante

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Inciativas de mulheres negras que inspiram

Conheça o negócio de pretas e pardas que conseguiram crescer a partir da sua persistência

Adriana Barbosa, 43 anos, é a fundadora da Feira Preta. Ela se viu desempregada em 2002 e teve que se reinventar. Com a amiga Deise Moyses, criou um brechó onde vendia peças de roupas que não usava mais. A amiga, antes, ofertava pastéis em feiras de rua e mercados alternativos. A empreitada da dupla deu certo, e ambas logo foram visitar diversos locais para vender os produtos.

Mas o ponto de virada veio mesmo quando Adriana e Deise sofreram um arrastão e perderam boa parte das mercadorias. Nesse momeno, tiveram a ideia de criar uma feira própria, com a possibilidade de propiciar um espaço de difusão e comercialização de produtos, voltados para a estética e a cultura negras.

Com um olhar de empreendedora, Adriana notou que o bairro Vila Madalena, localizado na zona oeste de São Paulo, estava se tornando palco de eventos de black music, no qual a maioria das baladas possuía público e DJs negros. Entretanto, nenhuma tinha um proprietário afro-brasileiro.

Sonho

Foi então que, para resolver o problema da falta de protagonismo, realizando também o sonho que tinham de ter o próprio espaço, as amigas lançaram, em 2002, a primeira Feira Preta. Loca lizada na Praça Benedito Calixto, na mesma região de São Paulo, a expressão cultural contou, em sua primeira edição, com 40 expositores e cerca de 7.000 visitantes. A feira reúne cultura, produtos e serviços sob a estética afro.

Saiba Mais

Apesar da grande oferta de cursos e ferramentas e do cenário mais propício para empreender, a carga tributária ainda é um obstáculo. O imposto é alto e pesa no orçamento, principalmente das classes desfavorecidas que são de maioria negra no país. De acordo com Adriana, um problema recorrente é a facilitação do acesso aos cursos acompanhada da dificuldade de obtenção de crédito. “De nada vale ter conhecimento se não tivermos a prática. Ou seja, dinheiro para dar escala aos nossos negócios”, explica.

Entre os desafios, ela cita a dificuldade do povo preto em se reconhecer como empreendedor ou empresário e ultrapassar o limite do MEI (Microempreendedor individual).

Olhar

Para contornar a adversidade em capacitar mulheres não brancas, Adriana Barbosa criou o Afrolab para Elas, projeto que visa ao fortalecimento de mulheres econômica, política e socialmente. “Quando lançamos nosso o lhar aos impactos da pandemia sobre os negócios liderados por empreendedoras negras e indígenas, vimos que a necessidade de esforços para a recuperação desses empreendimentos, no cenário atual, é ainda mais urgente”, compartilha a fundadora da Feira Preta.

Além de ajudar outras pessoas a empreender, Adriana quer inspirar outras mulheres negras. Segundo ela, é impactante para uma negra ver outra como fundadora de um dos maiores eventos de empreendedorismo e cultura negra da América Latina. “É um lembrete de que não podemos ser só resistência. É preciso poder sonhar. A nossa vida não pode ser marcada pela sobrevivência. Ver uma mulher negra em posição de destaque faz com que outras mulheres negras se permitam sonhar, porque também é para elas”, garante.

Uma marca e uma missão

Arquivo Pessoal - "Seria ótimo se a empreendedora brasiliense tivesse um incentivo tanto da área privada quanto da pública para criar. O incentivo na compra de material, principalmente para as mulheres da área da moda, seria transformador" Ialê Garcia, 52 anos, dona da Yalodê

A loja Yalodê tem o empreendedorismo feminino estampado no nome. ‘Yalodê’ é uma palavra nigeriana e significa que a mulher detém poder na cidade. Esse termo antigo servia para identificar as mulheres que iam ao mercado e faziam a circulação da moeda local ocorrer. Ela dava oportunidade para outras mulheres.

Portanto, a dona do empreendimento, Ialê Garcia, 52 anos, afirma que a marca nasceu com essa missão. Não é vender somente. A Yalodê também é um coletivo e, por isso, ela ocupa espaços como escolas e festivais. A dona do local se preocupa em ministrar oficinas de turbantes em escolas públicas, além de entrar em contato com professores para poder entregar materiais sobre a história da moda africana.

A dona do empreendimento brasiliense, localizado em Jardins Mangueiral, é gestora cultural por formação e teve experiência no governo federal durante 15 anos. Na marca, ela atua no ponto de criação, ou seja, desenha as peças, mas conta com a ajuda de uma equipe na confecção dos materiais.

“A Yalodê é referência em Brasília para outras mulheres, eu sou muito procurada, tanto para passar informação de locais de venda quanto para sugerir mudanças no trabalho de mulheres. Às vezes, algumas me procuram para fazer parcerias. A loja tem esse perfil de atuar junto a outras mulheres”, afirma Ialê.

Não existe fazer cultura sozinha, segundo a estilista. Para atuar nessa área, é preciso beber de várias fontes, trocar informações e interagir constantemente. Esses aspectos, segundo a CEO da Yalodê, ficaram mais marcantes e significativos na pandemia. Quem não sabia fazer comércio digital precisou aprender e adquiriu esse conhecimento de forma partilhada.

A gestora cultural declara que é extremamente necessário que um apoio institucional seja dado às mulheres negras. Segundo ela, só é possível avançar na atuação de mercado quando há espaço e crédito. “Isso nos impede, muitas vezes, de dar saltos mais altos, criar coleções mais complexas ou fazer viagens para participar de encontros de moda”, lamenta a empresária. “Seria ótimo se a empreendedora brasiliense tivesse um incentivo tanto da área privada quanto da pública para criar. O incentivo na compra de material, principalmente para as mulheres da área da moda, seria transformador”, completa.

O mercado está favorecido

Valdir Oliveira, 54 anos, superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Distrito Federal (Sebrae-DF), afirma que o mercado empreendedor negro tem um histórico favorável em Brasília. Primeiro, porque a cidade tem um comprador privilegiado, uma vez que ele reside no local com maior renda per capita do país. Segundo, porque, geralmente, as mulheres negras realizam um mercado de nicho, e isso significa que elas vendem para clientes de necessidades específicas.

O superintendente ressalta um ponto que é possível enxergar em Ialê Garcia, dona da Yalodê e em Lia Maria dos Santos, idealizadora da diaspora009. Ambas se identificam com o negócio de que são donas e, isso, segundo Valdir, é fundamental para um negócio dar certo.

“O empreendedorismo de mulheres negras é uma baita oportunidade em Brasília, porque há um consumidor privilegiado. Temos cases de sucesso que focaram nesse nicho de mercado e conseguiram se dar bem, porque, no empreendedorismo, é preciso haver um reconhecimento do dono com a marca”, afirma o superintendente do Sebrae-DF.


*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo