Entre os advogados de destaque de escritórios de alto padrão ranqueados no Brasil, apenas 26% são mulheres, segundo o ranking de 2021 da Chambers and Partners. Essa organização faz pesquisas independentes com o objetivo de analisar e produzir escalas sobre o mercado jurídico em 200 países. No Distrito Federal, há escritórios que representam clientes diante dos tribunais superiores, a porcentagem é ainda menor que a média nacional: apenas três mulheres aparecem entre os 24 advogados selecionados.
Em diferentes proporções, a baixa representatividade se repete em outras regiões do país, como Rio Grande do Sul (15%) e Minas Gerais (18%). Esses índices não são uma particularidade no Brasil, infelizmente. Nos Estados Unidos, a porcentagem feminina é de 23%; Itália e Suécia registram 17%. Em situação mais favorável, o Reino Unido tem 34% de mulheres.
“Levando em consideração a área jurídica como um todo, as posições de liderança sempre foram dominadas por homens, historicamente”, aponta Luís Bulcão, chefe de pesquisa da Chambers and Partners no Brasil. “Os exemplos que a gente tem no ranking servem para mostrar que o espaço está sendo cada vez mais aberto por mulheres, mas ainda existe um grande vácuo a ser preenchido”, diz.
O pesquisador cita como exemplo Grace Mendonça, primeira mulher a assumir o comando da Advocacia Geral da União (AGU), em 2016, e Ellen Gracie Northfleet, que abriu as portas do Supremo Tribunal Federal (STF) às mulheres, em 2000.
Área de mulher?
Há ainda certo estigma em relação às áreas seguidas pelas advogadas, segundo Yelba Nayara Bonetti, advogada e professora. Atuante, sobretudo, em direito de família e do trabalho, ela afirma que o primeiro é visto como uma “área de mulher” por muitas pessoas. Isso porque envolve mais questões afetivas, familiares e domésticas. No direito do trabalho, ela percebe uma maior mescla em relação aos gêneros.
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reforça a importância de políticas de incentivo às lideranças femininas na instituição. Segundo a entidade, "a OAB segue o caminho de combate à desigualdade, no entendimento de que essa é uma luta de toda a sociedade”.
A OAB Nacional entende como necessário e indispensável o combate à desigualdade de gênero no cenário jurídico.
Presidente da Comissão da Mulher Advogada - OAB/DF, Nildete Santana, 54 anos, afirma ser lamentável a participação feminina estar aquém do que é esperado no ranking elaborado pela Chambers and Partners.
Ela reafirma o que o levantamento comprova: os cargos de liderança são majoritariamente dominados por homens. Ainda que, hoje, no Brasil, mais de 50% dos advogados sejam, na verdade, advogadas.
Contudo, Nildete diz que o Distrito Federal, no que tange à representatividade dentro da OAB, dá uma aula para o resto do país. A lei de paridade de gênero, que obriga as chapas, nas eleições da Ordem a terem pelo menos 50% de mulheres, foi aprovada nacionalmente em novembro de 2020. Mas, na capital do país, isso ocorria desde 2019.
Sobre a predominância de pautas masculinas dentro da OAB/DF, a presidente da Comissão da Mulher da Ordem explica que não enxerga isso como uma realidade em Brasília. “Recentemente, fizemos três cartilhas (na OAB): assédio moral e sexual no trabalho; câncer de mama e prerrogativas da mulher advogada”, diz Nildete Santana.
Na cartilha de prerrogativas entra a questão da Lei Júlia Matos nº 13.363, aprovada em 2016. A legislação estipula direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para o advogado que se tornar pai. O texto garante às mulheres reservas de vagas nos fóruns dos tribunais, salas para amamentação, preferência na ordem de sustentações em audiências, além de outros direitos.
Os avanços jurídicos não são suficientes
A advogada e professora Yelba Nayara Bonetti ressalta que, para além do incentivo às mulheres em posição de destaque, conquistas legislativas como a inclusão da Lei do Feminicídio, nº 13104/15, no Código Penal e os avanços da Lei Maria da Penha são fruto da luta das mulheres no direito. “Acho interessante a gente pensar que as proteções legais que o direito nos oferece, hoje em dia, também acabam sendo um reflexo desse caminho que temos”, comenta.
Para ela, o resultado do ranking é sinônimo de tristeza. Ainda assim, prefere analisar os dados com esperança, e afirma que a sociedade caminha para um avanço, ainda que lento. “Não posso dizer que nós não alcançamos nenhuma conquista, mas não posso dizer também que essa conquista é satisfatória", pondera Yelba Nayara.
Docente no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e na Universidade Católica de Brasília (UCB), ela explica que a baixa presença feminina está relacionada a uma questão histórica e afeta não só a área do direito, mas todo o mercado de trabalho.
“Não tem como ignorar que viemos de uma estrutura extremamente patriarcal, em que havia a dominação masculina no mercado de trabalho e nas relações familiares”, explica a advogada.
Mas ela cita avanços importantes em relação à representatividade. Para Yelba, a ocupação da vice-presidência da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal (OAB-DF) pela advogada Cristiane Damasceno Leite é um grande exemplo. “Quando você vê mulheres te representando, isso te dá maior ânimo para seguir nessa jornada”, afirma.
Feliz com o reconhecimento
Comemorando sua estreia no ranking da Chambers and Partners, Carol Caputo, 36 anos, está na profissão desde 2008. A advogada é sócia do escritório familiar Caputo Bastos & Fruet Advogados. Ela está contente com o reconhecimento e explica que, embora muitas advogadas se formem, a prática no mercado acaba afunilando as oportunidades como sócias e outras chances de crescimento.
Por ser um ambiente majoritariamente masculino, Carol conta que, assim como várias mulheres, já passou por constrangimentos. “Eu tive uma experiência em que conduzi toda a audiência e, no fim, meu cliente ficou dizendo como eu era bonita. Eu sei que é um elogio que, em outro contexto, eu não rejeitaria, mas, naquele local, não cabia”, relata.
Ela acredita que situações como essa ocorrem por ainda não enxergarem a presença feminina com naturalidade no mercado. “É muito comum, por exemplo, que reuniões aconteçam dominadas por homens. Então, é comum que a mulher se sinta intimidada para expor seu ponto de vista”, explica a advogada. “Essa dificuldade de se tornar sócia, por ser um ambiente muito masculino, desestimula as mulheres”.
Para ela, o ambiente jurídico precisa dar mais espaço às mulheres em artigos, publicações, seminários e congressos. “O ambiente do direito deveria olhar para isso, ver que não é razoável, não é normal, que tem várias mulheres competentes produzindo e aptas a se posicionarem mais em um determinado assunto”, declara.
A precursora
Fernanda Hernandez tem 60 anos hoje, mas, quando veio para Brasília, tinha apenas 22, em 1983. A advogada aparece no ranking da Chambers and Partners desde 2012. Mãe e avó, ela fundou o próprio escritório em 1990, quando o primeiro filho era ainda recém-nascido. “Eu fiz uma opção por não ter um escritório grande, porque eu queria ser mãe e também queria trabalhar”, conta.
Quando veio para Brasília após ter se formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), a advogada se recorda de poucas mulheres atuando no direito brasiliense. “Sou meio precursora do nosso caminho”, conta. Além dela, a profissional atuante no direito público recorda de mais dois nomes: a advogada Marisa Poletti e a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maria Cristina Peduzzi.
“Eu fico muito contente de ver que, depois de mim, vieram muitas mulheres”, comenta Fernanda. “Aqui no escritório, sou uma incentivadora, inclusive de mulheres: que sejam mães, que sigam a carreira, que sejam casadas, que tirem férias, que vivam. Eu acho que todas as funções são conciliáveis”, opina.
Para ela, a presença feminina no ranking faz com que mais mulheres acreditem no ideal que escolheram, o de serem advogadas. E aconselha: “Trabalhem de coração, sempre sabendo que cada caso significa uma solução que vai fazer uma enorme diferença na vida de uma pessoa, seja jurídica ou física”.
Otimista em relação ao futuro
Beatriz Donaires, 55 anos, é outra advogada presente na seleção de líderes da pesquisa da Chambers and Partners. Ela também é mãe e conta que a família foi essencial para que ela conseguisse conciliar bem o direito e a maternidade. “Minha família foi essencial para me dar o suporte adequado”, diz.
Quando começou no direito, na década de 90, a filha ainda era pequena. Advogada sócia no escritório Caputo Bastos & Fruet Advogados, o mesmo em que Carol Caputo trabalha, e que a tua, principalmente, na defesa perante o Supremo Tribunal Federal (STF), relata que está na profissão desde jovem e que a filha cresceu acostumada com a rotina.
“Não houve uma situação que eu não pudesse estar presente”, afirma Beatriz. “Conseguia conciliar a minha atuação profissional com os meus compromissos com a educação e a participação na vida dela”, continua.
Ranqueada há alguns anos pela pesquisa da Chambers and Partners, a quantidade de mulheres no ranking causa estranhamento para a advogada. "Hoje, em Brasília, me parece que o número de mulheres que se formam em direito é maior do que o de homens”, argumenta.
No entanto, ela procura ser otimista em relação ao mercado de trabalho. Beatriz Donaires aconselha persistência e resiliência a todas as profissionais para lidar com os desafios que o Brasil pode fazê-las enfrentar. “Parece que o país acorda em alguns aspectos e depois retrocede em muitas outras áreas. Eu aconselharia que elas continuem otimistas em relação ao futuro do Brasil e que continuem a buscar seus direitos, nos seus espaços”, declara.
Para saber mais
A pesquisa da Chambers and Partners existe há 30 anos e é realizada anualmente nos principais mercados de advocacia corporativa do país. Para elaborar o levantamento, os pesquisadores conversam com os clientes dos escritórios para descobrir o nível de satisfação e a qualidade do serviço prestado. Além de questionarem se o escritório tem boa técnica jurídica, os advogados reconhecidos como líderes no mercado também passam por entrevistas. A equipe conta com mais de 200 pesquisadores que analisam áreas diversas do direito corporativo, e para chegar ao ranking eles estudam informações minuciosas sobre casos e transações dos escritórios avaliados. A metodologia utilizada pela Chambers é independente e “rigorosa”, segundo o próprio documento da escala brasileira.
* Estagiária sob supervisão de Ana Sá