Empregadores tiveram que se acostumar, obrigatoriamente, com o estilo home office de trabalho. Alguns não gostavam, mas passaram a valorizar os benefícios, outros foram resistentes e continuam fiéis ao modelo presencial. No entanto, a tendência, mesmo depois da pandemia, é que essa forma se perpetue e entre uma outra categoria, a do nômade digital, na qual pessoas trabalham de qualquer lugar do mundo.
Pesquisa da Solutto, fornecedora de sistemas de gestão, mostra que o trabalho remoto veio para ficar. A empresa ouviu 866 pessoas. Foi constatado que 55,9% dos entrevistados, no ano passado, se sentem mais produtivos no trabalho remoto. Para eles, é vantajoso não precisar se deslocar até o escritório (39,33%), além de gostarem de economizar com almoço ou transporte (19,94%). O estudo ainda revelou que eles são menos interrompidos em casa e conseguem se concentrar mais (13,15%).
Das mais de 800 pessoas, somente 3,8% preferem voltar ao trabalho presencial. Cerca de 40% gostariam que houvesse ao menos alguns dias remotos. É expressiva a porcentagem daqueles que querem continuar longe da empresa física no dia a dia, indo somente para reuniões (39,3%). Já aqueles que preferem home office sem nenhuma concessão somam 15,1%.
O economista Ricardo Amorim, em post recente em suas redes sociais, confirma que, com toda certeza, o home office veio para ficar, mas ressalta que haverá a adoção dos dois modelos de trabalho, além de um terceiro: gente trabalhando em qualquer lugar do mundo, os chamados nômades digitais.
Benito Pedro Vieira, 48 anos, diretor executivo da Avante Assessoria Empresarial, confia na tendência e não vê mais como voltar atrás a partir do ponto em que a sociedade se encontra. “Não acredito nem que seja o futuro, isso já está acontecendo e de uma maneira muito rápida. As pessoas cada vez mais vão querer trabalhar de lugares diferentes”, diz. Segundo ele, os nômades digitais são pessoas competentes, que não se adequam ao ambiente de escritório, mas funcionam perfeitamente em qualquer outro local.
O especialista em administração e reestruturação de empresas, ainda, alerta que não se pode perder bons profissionais, pelo fato de eles gostarem de estar sempre viajando. “Esse conceito de liberdade precisa ser respeitado”, diz.
Ricardo Amorim explica no seu post que o home office experimentado na pandemia, e que ainda está sendo adotado, é um outro tipo de trabalho remoto, o qual estar em casa é sinônimo de cuidar de crianças, lavar roupa, e não sair de casa, porque o comércio e os estabelecimentos de diversão estavam fechados. Mesmo assim, a aderência e o gosto pelo home office ainda são expressivos em pesquisas sobre o assunto.
Benito Pedro Vieira sempre foi contrário ao home office. “Pouquíssimas vezes tinha feito trabalhos a distância”, admite, logo no início da entrevista. Ele explica que a pandemia mudou a visão de mundo dele. O diretor executivo não vê problema se a pessoa estiver viajando para qualquer lugar do planeta, contanto que entregue o trabalho proposto.
Hoje, ele emprega uma funcionária que, a cada três meses, está em um local diferente do Brasil. Antes, ele enxergava pessoas assim como descompromissadas. “Há meses que ela está trabalhando em Angra dos Reis, já esteve na Bahia, mas ela sempre entrega o trabalho. Às vezes, melhor do que o de uma pessoa que está dentro do escritório”, ressalta Vicente.
Para ele, há uma diferença clara nos termos. “O nômade digital é diferente do home office, é aquele que gosta de viajar, com isso conseguimos abraçar projetos fora de São Paulo, inclusive em outro país”, pontua.
Brasiliense não se vê em escritório
Álvaro Fernando de Souza, 29 anos, não assumiu um concurso em Brasília porque não se vê voltando para um escritório, ou se vestindo de maneira formal. Ele mora em Brasília, mas trabalha para uma empresa de Vancouver, no Canadá. A instituição em questão é a Wishpond, empresa de marketing e propaganda. Álvaro é desenvolvedor de software e está em constante aprimoramento da plataforma principal da empresa.
Segundo ele, foi uma ótima oportunidade para aprofundar o inglês — seu nível era intermediário, sentia dificuldade em se comunicar apesar de entender bem e conseguir escrever. Mas, agora, falando todos os dias com pessoas que estão em vários lugares do mundo, alcançou o nível avançado da língua.
O desenvolvedor não conseguiu de forma fácil um emprego,. E tentou trabalhar no país norte-americano desde julho de 2020, contudo, só conquistou uma vaga apenas em dezembro. Segundo ele, passou alguns meses fazendo um treinamento em um site chamado Vanhack, destinado exclusivamente para ajudar pessoas de fora do Canadá a passarem em oportunidades de emprego na área de tecnologia e design.
A respeito da rotina, o jovem relata que tem alguns rituais dentro da instituição: por exemplo, todo início do dia, eles se encontram virtualmente. “A gente se reúne num horário fixo, às 9h15 de lá, às 13h15 (de Brasília). Todo mundo fala o que fez, o que vai fazer e quais são os planos para o dia. Dependendo das minhas tarefas, posso parear, que é programar com outra pessoa, e compartilho se estiver com algum problema”.
Saiba Mais
Há pessoas de todos os lugares no local em que Álvaro é desenvolvedor: Filipinas, Chile, Argentina, entre outros países. O chefe do setor dele é natural da Guatemala mas, atualmente, mora na Alemanha. A empresa dele vive, de fato, o conceito de nômade digital, pois a maior parte dela é formada por pessoas de fora do Canadá.
“Tenho o sonho de ir para o Canadá ainda, as empresas pagam para o estrangeiro um salário que, comparado ao do trabalhador local, não é competitivo. Minha faixa salarial é de uma pessoa iniciante, sendo que tenho seis anos de experiência, mas tudo bem, porque eu já tripliquei o quanto ganhava aqui, mesmo sendo júnior lá”, relata Álvaro Fernando.
O desenvolvedor de software recebe em dólar canadense, e, aqui, no Brasil, ele é pessoa jurídica. Ele contrata uma empresa para fazer os trâmites e converter a moeda do Canadá para real.
O jovem passou para um concurso do Hospital Sarah Kubitschek, mas não assumiu a vaga por estar muito envolvido e mais interessado no que está construindo na sua carreira internacional. “Não consigo mais me ver indo para um escritório, fui nomeado para um concurso e não fui, apesar da estabilidade. É algo que não faz mais sentido para mim”, diz.
"Ainda há espaço para o antigo e há espaço para o novo também"
O gerente de núcleo Eric Bragion, 33 anos, é brasileiro, mas mora em Londres,e trabalha desde 2020 para uma empresa sediada em São Paulo, capital. Eric conta ter conhecido o espaço físico do escritório, mas, na pandemia, precisou se adaptar às novas necessidades do mercado e, atualmente, mantém 18% da equipe fora da cidade de São Paulo, tanto em outros estados quanto no exterior.
A instituição sempre teve um clima organizacional muito bom, ele conta. Mesmo morando em Londres, o gerente foi a São Paulo, onde pôde conhecer pessoalmente parte da equipe. Os demais ele afirma conhecer virtualmente. “Minha equipe se comunica diariamente pelo Microsoft Teams e sempre quando há uma oportunidade nós jogamos conversa fora", relata. Para Bragion, o trabalho remoto abre novas oportunidades.
Eric trabalhava nessa modalidade há alguns anos, mesmo assim, acredita que mais do que nunca as companhias deveriam permitir aos funcionários equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Nesse sentido, o ideal seria que as empresas e os funcionários pudessem ter liberdade para negociar as melhores condições para cada indivíduo dentro das empresas. Ou seja: reconhecer que determinadas pessoas são mais produtivas em casa e outras precisam do ambiente corporativo.
Sobre a possibilidade da permanência dessa modalidade de trabalho, Bragion fala que não é novidade e afirma que existia, na verdade, uma resistência por parte das lideranças em aceitarem explorar novas possibilidades. “Ainda há espaço para o antigo e há espaço para o novo também", segundo o gerente. Depende de como a empresa quer se colocar no mercado.
* Sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo