A gravidez é na vida de muitos um divisor de águas, momento ímpar que revela tanto aos pais quanto às mães um novo mundo, cheio de amor e desafios. Um deles é encontrado assim que a criança nasce: a preocupação de com quem o bebê vai ficar depois que a licença-maternidade e paternidade acabarem. No Brasil, em janeiro deste ano, foram registrados 210.066 nascimentos, o que significa uma queda de 6% na taxa de natalidade se comparado ao mesmo período de 2020. Ao que parece, com as incertezas geradas pela pandemia, os planos de muitos pais foram adiados por vários motivos, entre eles o receio das licenças.
A licença-maternidade é garantida pela Constituição Brasileira a todas as mulheres que são contribuintes do INSS, mesmo se desempregadas no momento ou autônomas, e a todas as mulheres que trabalham no serviço público. Ao dar à luz ou até mesmo adotar uma criança, essa profissional pode se ausentar do trabalho durante 120 dias no mínimo, sem quaisquer tipos de prejuízos ao salário ou a sua posição na empresa.
Assim como o benefício concedido às mães, a licença-paternidade é um direito previsto pela constituição. O profissional, depois do nascimento do filho, tem a chance de permanecer cinco dias em casa, sem quaisquer descontos em seu salário. O período só pode ser maior caso a empresa faça parte do Programa Empresa Cidadã, neste caso a mãe tem direito a 180 dias e o pai, 20 dias. Mesmo assim, ainda seria considerado desigualdade trabalhista, segundo o advogado Cláudio Santos, 52 anos.
“O cuidado com a criança, o nascituro, deveria ser de ambos os pais, a possibilidade de atender a criança durante aquele período, sobretudo na amamentação”, afirma. “Eu entendo que deveria equiparar a licença-paternidade com a maternidade”.
Responsabilidade compartilhada
O Brasil não apresenta desempenho satisfatório em dois itens analisados pelo Fórum Econômico Mundial: empoderamento político feminino e participação econômica e oportunidade para mulheres. A última categoria foi a que mais contribuiu para o país subir no ranking de desigualdade.
As mulheres têm sido mais afetadas pelo desemprego no Brasil e ganham, em média, 23% menos do que os homens, apesar de a legislação brasileira proibir a discriminação de salários entre os gêneros e mesmo que a desigualdade de gênero na educação tenha sido eliminada. Hoje, as mulheres alcançaram maior escolaridade que os homens no Brasil.
Saiba Mais
Uma das possibilidades de mudar esse quadro, seria a criação da licença-parental em substituição à licença-maternidade. Nesse tipo de licença, os quatro meses de licença após o nascimento do filho passariam a ser compartilhados entre o pai e mãe, em períodos alternados. Dessa forma, o risco financeiro de contratação de homens e mulheres seria similar.
Nesse cenário, surgem propostas em análise na Câmara, para que a licença-maternidade possa ser dividida entre pais e mães, como o projeto da deputada Sâmia Bomfim e do deputado Glauber Braga, ambos do Psol. Eles protocolaram o Projeto de Lei nº 1.974/21 que dispõe sobre o instituto da Parentalidade em todo território nacional e altera leis como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Regime Jurídico dos Servidores, a Lei Orgânica da Seguridade Social, o Regime Geral da Previdência Social e a Empresa Cidadã. A proposta está sendo chamada de “Estatuto da Parentalidade”, pois é a legislação mais completa apresentada no Congresso até o momento.
O texto prevê a licença estendida, concedida aos pais ou mães em razão do nascimento ou adoção de filhos. É um instituto presente em alguns países europeus, como Portugal, Suécia e França, em que os pais do recém-nascido têm a autonomia de escolher e equacionar o período de afastamento do emprego, sem prejuízo do salário. De modo que o homem e a mulher têm liberdade para decidir quais serão os meses que a criança ficará com a mãe e quais deles a responsabilidade será do pai.
O projeto também regulamenta um salário parentalidade para auxiliar na criação de crianças e adolescentes. Nesse caso, o pai poderá usufruir integralmente da licença. Quando passado o período pós-parto, a mãe irá decidir se volta ao trabalho para o pai usufruir da licença do tempo restante. Mesmo que a mãe esteja amamentando, não seria impedimento para fazer essa escolha, pois o pai ficaria com o ônus de levar o bebê para amamentar, visto que a legislação atual tem garantido dois intervalos de meia hora.
A proposta do estatuto da parentalidade traz como elemento central o estabelecimento da “licença-parental” em substituição às licenças maternidade e paternidade. Cede um período de 180 dias (seis meses) a até duas pessoas de referência para uma mesma criança ou adolescente. Permitindo que não apenas os genitores estejam habilitados para a licença, como também avós, tios, companheiros e demais pessoas que compartilham a responsabilidade por esse cuidado, inclusive em substituição aos próprios genitores.
Como ocorre na prática
Desde que o Programa Empresa Cidadã possibilitou estender a licença-paternidade para 20 dias — 15 a mais do que o previsto em lei no Brasil —, o benefício foi adotado por 29% das empresas do país, de acordo com pesquisa da Mercer Benefícios. E a tendência é de que a adesão cresça. Segundo o Guia Salarial 2021 publicado pela Robert Half, 71% dos profissionais consideram o pacote de benefícios antes de aceitar uma proposta de emprego. A licença-paternidade estendida é apontada como uma das principais demandas.
Enquanto muitas companhias ainda se apegam à licença-paternidade mínima, há aquelas que vão bem além dos 20 dias do Empresa Cidadã. A Mars Brasil, detentora de marcas como Pedigree, Whiskas, M&M's, Skittles, entre outras, conta com uma iniciativa diferente no mercado. Trata-se de uma licença estendida que reforça a consciência sobre a importância dos pais nos primeiros meses de vida de seus filhos.
A licença-paternidade da empresa foi implementada em 2016 e tem duração de 20 dias remunerados, corridos e contados a partir do dia de nascimento do filho. Além disso, esse intervalo pode ser estendido por mais 40 dias — não remunerados — de acordo com o desejo do pai, dando a oportunidade de que ele tenha 60 dias ao lado do bebê.
A nova lei trabalhista proibiu que convenção ou acordo coletivo de trabalho suprima ou reduza a licença-paternidade. Desta forma, nenhum acordo celebrado entre empregador e empregado pode diminuir ou pôr fim à licença de no mínimo cinco ou de 20 dias, no caso previsto em lei.
Para Gabriel Guimarães de Santana, 21, churrasqueiro, a licença foi de apenas cinco dias, mesmo com o desejo do seu chefe de ser mais flexível, não foi possível. “Foi muito importante, porque nesses dias eu pude estar cumprindo o meu papel de pai, ajudando a minha esposa com os afazeres de casa no momento inicial após a saída do hospital. Sem esses cinco dias, eu nem consigo imaginar como nós teríamos resolvido, então é muito importante por conta disso”, explica.
Segundo ele, apenas cinco dias não são suficientes, por esse motivo ele precisou pedir ajuda a outras pessoas para poder garantir que a esposa não ficasse sozinha.
Caroline Pereira Pacheco, 26, é assistente administrativa e está no oitavo mês de gestação, ela espera o Miguel e diz que gostaria de mais um mês para ficar com o bebê e que a licença paternidade é muito curta. “Precisarei de uma pessoa de confiança para cuidar do meu filho enquanto trabalho. Acho pouquíssimo tempo, principalmente porque nos primeiros meses necessitamos de mais ajuda”, lamenta. Ao ser questionada sobre a licença-parental, diz que já ouviu falar e acha uma proposta favorável a esse momento de adaptação.
A assessoria da deputada Sâmia Bomfim (PSOL), afirmou que a deputada defende as licenças. A parlamentar deu luz à Hugo, na última quinta-feira (25). “O reconhecimento da parentalidade, proposto no projeto apresentado por nós, toma por princípio o compartilhamento do cuidado atingindo a paridade entre pais e mães e outras pessoas que por essa criança se responsabilizem, garantindo que se construa uma verdadeira rede de apoio comunitário no exercício do cuidado com aqueles que são os mais vulneráveis dessa relação: a criança e o adolescente”, aponta Sâmia em nota.
“O reconhecimento da parentalidade, proposto no projeto apresentado por nós, toma por princípio o compartilhamento do cuidado atingindo a paridade entre pais e mães”
Outros tipos de benefícios
Licença-especial: O direito pode ser concedido aos pais quando precisam dar assistência especial ao filho até os seis anos de idade. Ela pode ser integral por três meses; parcial por 12 (quando o pai trabalha meio período e cuida do filho no outro); ou intercalada, desde que as ausências totais sejam equivalentes a três meses. Nesse caso, é preciso avisar a empresa com antecedência e apresentar atestado médico que comprove a necessidade.
Levar o filho ao médico: A CLT prevê o direito do pai de acompanhar o filho de até seis anos ao médico no horário de trabalho, um dia por ano. Uma medida do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no entanto, recomenda a ampliação para dois dias. Por meio do Precedente Normativo nº 95, o TST aplica-se a conflitos o seguinte entendimento: “Assegura-se o direito à ausência remunerada de 1 (um) dia por semestre ao empregado, para levar ao médico filho menor ou dependente previdenciário de até 6 (seis) anos de idade, mediante comprovação no prazo de 48 (quarenta e oito) horas”. No entanto, é necessário que a regra conste nas leis da categoria.
Licença para pais adotivos ou em caso de falecimento da mãe: É concedido salário-maternidade a apenas um dos adotantes. Nesses casos, o adotante permanece em licença pelo período de 120 dias. Também em caso de morte da mãe, é assegurado ao pai empregado o gozo de licença por todo o período de licença-maternidade ou pelo tempo restante a que a mãe teria direito, exceto em caso de morte ou abandono do filho.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo