Eu, Estudante

DIA DAS MÃES

Empatia é a chave para construir mercado de trabalho empático para a maternidade

Especialistas e profissionais que são mães comentam sobre caminhos e experiências que contribuem para um ambiente de trabalho justo e solidário para quem tem filhos

Empatia é a chave

Apesar das estatísticas e dos relatos desanimadores, a mudança de cenário é possível e começa a partir da mudança de mentalidade dos gestores das empresas. A primeira atitude é ter empatia pela profissional e entender que a maternidade por si só não é sinônimo de diminuição na produtividade da mãe. Esse passo trata da desconstrução de um preconceito enraizado no mercado de trabalho.

“Se a empresa pensa dessa forma, ela vê a necessidade de criar contextos flexíveis para a profissional que vão propiciar a entrega delas”, crava Viviane da Mata. A consultora estratégica de gestão de pessoas conta que em Portugal há um programa em que empresas são avaliadas pela qualidade na relação vida e trabalho. “O governo pontuava as empresas que definiam e implementavam uma série de políticas para o cotidiano, o respeito ao horário de trabalho e à saúde mental, além da criação de condições para mães serem mães”.

Entre as ações que as empresas podem aderir estão a flexibilidade de horários, a redução de demandas, o ambiente acolhedor para conversas pessoais e a adaptação do ambiente físico para o recolhimento e armazenamento do leite materno. No entanto, o ponto crucial apontado pelas especialistas é a mudança de cultura que ocorre por meio do conhecimento e debate do tema.

“Trazer informações e propiciar conversas são etapas essenciais. Isso pode ocorrer por meio de palestras ou rodas de conversas. Nelas, será falado sobre o que a colaboradora passa, a importância da flexibilidade e exemplos de que a abertura propiciará mais produtividade”, afirma Ana Paula Ferraz, executiva de carreiras e co-fundadora da MamaJobs.

Essas negociações são essenciais no período pandêmico, em que a maioria das mães e dos pais estão se desdobrando na conciliação entre trabalho home office e suporte para os filhos que estudam e estão na modalidade de ensino remoto. Além disso, com crianças pequenas, as mães podem ser requeridas em qualquer momento ou precisam amamentar durante uma reunião, o que demanda uma compreensão de toda a equipe.

Para desconstruir o preconceito nos processos seletivos, um trabalho de conscientização com os recrutadores da empresa é indicado, de forma que o setor de RH mude a avaliação para focar nas qualidades oferecidas pelas mães e não apenas nas dificuldades que a maternidade pode trazer para a carreira profissional.

Saiba Mais

Ana Paula Ferraz ressalta que a maternidade desenvolve na mulher habilidades buscadas pelos recrutadores, como administração do tempo, criatividade, empatia e administração de conflitos. “Uma mãe tem apenas 24h para fazer todas as atividades e ainda administrar o tempo dos filhos, essa habilidade com certeza leva ao sucesso profissional. Outra questão é resolver conflitos, ela tem que ser neutra, ouvir todas as partes e saber lidar sem prejudicar ninguém, assim como uma boa gestora”, conta.

“A maternidade é uma pós-graduação, ela nos prepara muito e nos dá as soft skills que o mercado procura. As mulheres devem se empoderar dessas habilidades e trazer isso em entrevistas”, afirma.


“É preciso acabar com este viés inconsciente de que mães não vão entregar resultados. Eu sou mãe, profissional e mulher. A gente é capaz disso”.

Ana Paula Ferraz, executiva de carreiras e fundadora do MamaJobs

Auxílio profissional

Algumas profissionais que viveram e identificaram a falha no mercado de trabalho para as mulheres que são mães se colocaram como protagonistas nas mudanças necessárias para tornar as empresas em ambientes empáticos. Um exemplo é a iniciativa MamaJobs, criada em 2019 pela executiva de carreiras Ana Paula Ferraz e a publicitária Mariana Gabrijelcic, no Rio Grande do Sul.

Juntas, elas oferecem consultoria para empresas que querem mudar os ambientes de trabalho, além de disponibilizar conexões profissionais para mães que buscam recolocação no mercado, a nível nacional. O local foi criado após as fundadoras perceberem a dificuldade em se realocarem após terem filhos. “Nós começamos com um banco de currículos nacional, na época e até hoje, as mães se cadastram no site e as encaminhamos a empresas por meio dos processos seletivos que nos contratavam”, conta Ana.

Atualmente, a empresa oferece consultoria focada em três grupos que compõem a organização: RH, para mudança no processo de seleção; liderança, para propiciar espaços de conversa e acolhimento permeados de empatia; e colaboradores, a fim de criar equipes colaborativas. Ana Paula afirma que a MamaJobs também aproveita o espaço para discutir a importância da parentalidade bem dividida. “Focamos em mostrar aos homens que o pai não ajuda, ele também tem responsabilidade. Precisamos que eles internalizem esse entendimento que por muitos anos foi tirado deles”, diz.

Outro exemplo é a Filhos no currículo, empresa brasiliense criada por Camila Antunes e Michelle Levy Terni, mães empreendedoras que desejam “decodificar os motivos que impedem muitas mulheres de permanecer ativas no mercado de trabalho”. O serviço é feito em duas frentes: para negócios, a fim de auxiliar na construção de locais de trabalho acolhedores, e para profissionais, uma plataforma de desenvolvimento pessoal e profissional.

Conheça as iniciativas que podem oferecer conexões profissionais e consultoria:

MamaJobs: mamajobs.com.br
Filhos no currículo: filhosnocurriculo.com.br

Solidariedade que gera sucesso profissional

Arquivo Pessoal - Lisa, junto ao marido e os três filhos, na viagem que ganhou da Ambev por ótimo desempenho no ano que voltou da licença-maternidade

Em 2013, a brasiliense Lisa Cardoso, 37 anos, estava focada no novo cargo de gerente financeira da Ambev Centro-Oeste Norte e em proporcionar o melhor para os dois filhos, Ana Maria e Luís Felipe, quando uma nova gravidez a surpreendeu e trouxe momentos de ansiedade e tensão. Isso não estava nos planos dela e do marido.

Quando percebeu mudanças no corpo, foi ao médico e descobriu que estava grávida, mas o bebê não apresentava batimentos cardíacos. O especialista que a atendeu pediu para ela retornar após duas semanas, Lisa voltou antes quando sentiu fortes dores e descobriu que teve um princípio de aborto espontâneo. “O médico achou que a criança já não estava ali, mas ao fazer um exame de imagem, ele ainda estava e apresentava batimento, mas a placenta estava descolada. Eu precisava de repouso”, conta.

Foi neste momento que ela sentiu receio de contar para o gestor da necessidade de uma jornada mais flexível, sobretudo porque estava há pouco tempo no cargo de gestão. Mas, Lisa foi consolada pelo gestor, que a orientou a se cuidar e o que ela precisasse, teria. Para auxiliá-la, a jornada de trabalho foi intercalada entre períodos em home office e trabalho presencial. Além disso, a brasiliense foi substituída na rotina de fechamento que ocorria presencialmente nos fins de semana.

Após cinco meses, uma nova complicação forçou Lisa a entrar em repouso absoluto e uma nova preocupação afligiu a gestora, que tinha receio em se afastar completamente após poucos meses na gestão. “Nessa época, meu gestor viu minha preocupação, marcou um café comigo na minha casa, trouxe um bolo e olhou nos meus olhos e falou que a empresa sempre teria espaço para bons profissionais”, lembra. “E que minha prioridade era a minha saúde e minha gestação, e quando eu voltasse meu espaço continuaria lá. Aquele cuidado me fez me sentir segura e me afastei completamente”, conta.

No oitavo mês de gestação, Lisa deu à luz à Gabriela, uma bebê saudável. Após seis meses de licença-maternidade e um de férias, Lisa voltou à rotina profissional, em 2015, e se deparou com mais empatia: os primeiros 20 dias de retorno ela trabalhou em conjunto com o substituto, para atualizá-la dos trâmites, e, após esse prazo, passou a trabalhar a carga horária normal, exceto nos fins de semana. “A liderança estruturou outra forma de checagem para que eu não precisasse ir à empresa e pudesse acompanhar tudo remotamente”.

O resultado desse cenário acolhedor foi mostrado nas entregas: após dois meses de retorno, Lisa foi promovida a um nível maior de gerência, além de bater as metas mais altas de toda a carreira na empresa até então. No fim daquele ano, ela recebeu uma premiação na esfera regional. Após esse período, Lisa foi promovida seis vezes, quase o mesmo número de anos que a filha Gabriela tem atualmente.

Hoje, ela é gerente regional de gestão da Ambev Centro-Oeste e afirma que a empatia da empresa influenciou diretamente no bom desempenho que oferece. “A minha carreira decolou depois deste acolhimento. Em outra situação, a instabilidade e o estresse seriam amplificados”, explica.

Ela afirma que ainda quer chegar mais longe. “Eu tenho orgulho da minha empresa e da minha trajetória. Entrei na Ambev como menor aprendiz aos 16 anos e hoje faço parte da alta liderança regional e sonho em ir cada vez mais longe”, declara animada.

Coragem para mudar

Arquivo Pessoal - Bruna Marques, a mãe do Tom, encontrou uma empresa em que tem liberdade para ser mãe e profissional

A psicóloga e especialista em employer branding Bruna Marques, 30 anos, teve que tomar uma decisão corajosa logo após ser mãe: se abrir para novas oportunidades de trabalho a fim de encontrar uma empresa que oferecesse flexibilidade para dar o seu melhor sem prejudicar o cuidado materno com o filho recém-nascido, Tom.

Em 2019, ao descobrir a gravidez, a paulista recebeu apoio do gestor da empresa em que trabalhava. No entanto, ao retornar da licença maternidade, notou uma troca de gestão que resultou em um ambiente menos flexível, diferentemente do que esperava. “Quando nos tornamos mães, nos tornamos uma nova versão de nós mesmas e temos visões diferentes. Eu sempre fui muito apaixonada pela minha carreira e também por ser mãe, e percebi que ali não conseguiria os dois”, conta.

Foi nesse momento que ela tomou a decisão corajosa de fazer mais uma mudança entre tantas que a maternidade proporcionou. No Zé Delivery, empresa de entrega de bebidas, encontrou o que procurava, além de se identificar com a cultura da instituição. “Eu fui muito transparente nas conversas com ele, disse que o Tom precisava de mim e que era minha prioridade e que, claro, eu sou comprometida em minhas entregas. Recebi muito acolhimento em troca”, diz.

Bruna conta que tem a liberdade de amamentar o filho durante reuniões e que, por vezes, a chefe a libera de uma reunião por ouvir o choro de Tom. Esse ambiente auxiliou Bruna a saciar um anseio que ela teve após o nascimento da criança. “Eu pensava se um dia me sentiria como eu mesma, apaixonada pelo trabalho novamente. Isso foi até tratado em terapia e em conversas com amigas que já são mães. Elas me disseram que sim, hoje eu me sinto eu mesma, mas muito mais focada e com poder de entrega”, explica.

Neste Dia das Mães, comemorado no mês em que Tom completa o primeiro ano de vida, Bruna está certa de que a prioridade na vida da mãe e de um pai deveria ser o filho. Entretanto, isso não quer dizer que as entregas profissionais dessas pessoas serão menores.

 

*Estagiárias sob a supervisão da editora Ana Sá