DEMISSÃO

Especialistas orientam sobre recolocação profissional após demissão

O momento desafiador na vida de qualquer profissional deve servir para refletir sobre a carreira. Para quem não pode ficar parado, a dica é empreender

Gabriella Castro*
postado em 02/05/2021 15:34 / atualizado em 02/05/2021 19:43
Em meio a crises, inclusive a sanitária, desligamentos se tornam mais comuns, e profissionais passam a retratar o fato de serem mandados embora com mais normalidade. Inclusive muitos fazem questão de relatar o fim do ciclo no LinkedIn. Será que pega bem? Confira essas e outras respostas de especialistas em RH sobre o que fazer após a dispensa -  (crédito: Reprodução)
Em meio a crises, inclusive a sanitária, desligamentos se tornam mais comuns, e profissionais passam a retratar o fato de serem mandados embora com mais normalidade. Inclusive muitos fazem questão de relatar o fim do ciclo no LinkedIn. Será que pega bem? Confira essas e outras respostas de especialistas em RH sobre o que fazer após a dispensa - (crédito: Reprodução)

Quem usa a rede social profissional LinkedIn já deve ter notado que relatos de pessoas que foram demitidas se tornaram comuns no feed, e o mais surpreendente é que muitos posts têm tom positivo. A demissão ainda é cercada de muitos estigmas, não precisa ser, necessariamente, um tabu. Além disso, ser desligado nem sempre é um demérito.

Até porque, em meio a uma pandemia e crises em diversas áreas que buscam cortar gastos, o funcionário mandado embora pode ser um excelente profissional. No entanto, num momento de enxugamento orçamentário, acabou perdendo o emprego. Em outras ocasiões, apesar da contribuição do trabalhador, a empresa percebeu que ele deixou de ser necessário — e está tudo bem.

O momento de encerrar o ciclo, mesmo que por iniciativa do contratante, passa a ser visto com mais naturalidade. E, mesmo nesses casos, ver empregados agradecendo pela experiência e pela oportunidade se torna comum. “Hoje encerro um ciclo”, é mais ou menos assim que se iniciam muitos textos de pessoas que foram demitidas no LinkedIn.

"Demissão não é o fim do mundo, é normal se sentir mal, mas não é para desistir" Bruna Santini, A advogada trabalhista
"Demissão não é o fim do mundo, é normal se sentir mal, mas não é para desistir" Bruna Santini, A advogada trabalhista (foto: Arquivo Pessoal)

A advogada trabalhista Bruna Santini, 34 anos, está entre as pessoas que relataram o processo de demissão na rede social profissional. Ela afirma que fez a postagem com o intuito de motivar outras pessoas que estão em situação semelhante. “Demissão não é o fim do mudo, é normal se sentir mal, mas não é para desistir”, afirma.

Demitida em novembro de 2020 após dificuldades financeiras nda empresa, ela resolveu se reinventar em outra área: a panificação. A alternativa, que surgiu como um hobby durante o isolamento, acabou por se tornar a nova fonte de renda.

No direito desde 2011, a profissional afirma que não desistiu da advocacia, mas a mudança de profissão “serviu para clarear a mente e mostrar que tudo tem um porquê”. Bruna tirou aprendizados da situação. “Não é demérito para ninguém dar um passo para trás para dar dois para frente”, reflete.

Pega bem?

Afinal, será que expor a demissão, mesmo que de uma perspectiva positiva nas redes sociais, é visto com bons olhos por recrutadores? Apesar de ser bastante humano e servir para incentivar outras pessoas demitidas, nem sempre os empregadores verão bem a iniciativa, e existe o risco de o candidato ficar marcado como alguém que foi demitido.

De acordo com o empresário e fundador da consultoria PMOLab Fernando Santos Dantas, deve-se tomar cuidado com o que se posta nas redes sociais. “Muitas vezes, o que se fala, da forma como se fala afeta a imagem do candidato perante um processo seletivo”, explica.

“Se eu tenho alguma dúvida quanto a algum candidato, eu vou procurar o perfil dele numa rede social para verificar se ele está adequado com o que a empresa está solicitando”, aponta o administrador com MBA em gerenciamento de projetos. Caso queira fazer relatos sobre alguma empresa, especialmente de forma negativa, uma alternativa são as denúncias anônimas, como as postadas no site Glassdoor.

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E se fui desligado por justa causa?

E se fui desligado por justa causa?

“A demissão por justa causa é uma espécie de penalidade àquele empregado que não desempenhou suas funções como deveria. É a punição mais severa a ser aplicada e pressupõe que houve um ato grave, como é o exemplo do funcionário que viola segredo ou até abandona o emprego. Quando o empregador vai admitir um novo funcionário, ele procura alguém que “vista a camisa da empresa”, alguém com que ele possa contar. O empregado que já foi demitido por justa causa talvez não passe a confiança que o mercado procura. Entretanto é uma situação que pode ser revertida por meio da dedicação do funcionário no desempenho de novas atividades.”

Kamila de Araújo Cordeiro, advogada trabalhista

Não atire para todo lado

Para Fernando Santos Dantas, a busca por recolocação deve ser assertiva
Para Fernando Santos Dantas, a busca por recolocação deve ser assertiva (foto: Arquivo Pessoal)

O administrador com mestrado em gestão do conhecimento Fernando Santos Dantas avisa que o funcionário não deve “sair dando tiro para tudo quanto é lado” após a demissão. Segundo Fernando, o candidato “tem que saber dar o tiro certo, mandar o currículo da forma correta”.

Na hora de procurar oportunidades, o especialista aponta que a melhor forma é entrar em sites de currículo e fazer o cadastro. O administrador cita como exemplo as plataformas Vagas, Curricullum, Gupy, Infojobs e o LinkedIn.

Outra dica do consultor é apostar em uma capacitação na área de atuação para incrementar o currículo. Pode ser por meio de cursos pagos ou gratuitos, participação em palestras e até lives de profissionais capacitados. Essa é uma boa forma de se destacar na hora da recolocação no mercado.

Supere o luto

Maria Fernanda Meireles, gestora de RH: o desligamento gera um misto de sentimentos
Maria Fernanda Meireles, gestora de RH: o desligamento gera um misto de sentimentos (foto: Arquivo Pessoal)

O processo de demissão pode ser um momento delicado para funcionários de diversos setores. Segundo especialistas, o desligamento é visto como um período de luto e, em alguns casos, pode atrapalhar a reinserção no mercado e trazer consequências para a saúde mental do trabalhador.

Maria Fernanda Meireles, head de Pessoas e Cultura na Allya, empresa com foco em benefícios corporativos e bem-estar financeiro dos colaboradores, explica que o processo de demissão, assim como em um luto, traz um misto de sentimentos para o funcionário como negação e raiva. “Existe, também, a questão de colocar a culpa no outro porque é difícil lidar com a nossa culpa”, explica.

Para seguir em frente, é importante entender o que foi ou não sua responsabilidade em “causar” aquela demissão, mesmo sem justa causa. Saber disso sem um retorno do gestor é mais difícil. “O que acontece, muitas vezes, é que o feedback não é tão transparente, ele aponta só os erros, mas ignora qualquer tipo de melhoria”, aponta Fernanda Medei, CEO e fundadora da Medei, empresa de recursos humanos com ênfase em demissão e pós-desligamento.

“Boa parte das pessoas que foram demitidas muitas vezes nem sabem por que foram desligadas.” Ela afirma que uma demissão malfeita pode, ainda, impactar na equipe atual da empresa. “Dependendo da forma como o gestor a giu, as pessoas ficam se perguntando: e se fosse comigo?”, explica.

Maria Fernanda, da Allya, reforça que é fundamental se colocar no lugar do outro. “As empresas têm que lembrar, na hora de fazer a demissão, que é uma pessoa ali do outro lado e, por mais erros que ele tenha cometido, deve se ter esse lado humano para não gerar trauma”, recomenda.

O empregador também tem um papel a desempenhar para ajudar o empregado a passar bem por esse momento de encerrar o ciclo, segundo Fernanda Medei. Ela ressalta a importância de um processo de demissão que reduza danos emocionais ao colaborador. “Se a demissão não é bem-feita, ela gera um prolongamento do luto”, aponta.

A motivação para fundar a Medei de Fernanda veio de uma experiência de demissão traumática que a prejudicou em outros processos seletivos. “Eu transpirava desespero nas minhas entrevistas, porque eu não tinha resolvido dentro das minhas emoções essa questão do luto”, relata a advogada.

Primeiros passos após a demissão

Fernanda Medei, fundadora da consultoria Medei, dá dicas para quem acabou de passar por um desligamento.
Fernanda Medei, fundadora da consultoria Medei, dá dicas para quem acabou de passar por um desligamento. (foto: Arquivo Pessoal)

1 - Faça uma pausa
Ao sair do emprego, reflita: É isso mesmo que quero ou apenas estou seguindo por inércia? Quero continuar fazendo o que faço ou quero algo novo? Faça uma pausa, se dê alguns dias nos planos para a vida profissional.

2 - Organize suas finanças
Uma demissão pode desestabilizar a sua saúde financeira. Por isso, faça uma relação de todos os gastos fixos e variáveis. Com isso bem claro, é possível estabelecer uma escala de importância e evitar endividamentos.

3 - Redesenhe a carreira
Mesmo disponível para o mercado, é importante ter as metas à vista. Estabeleça onde quer trabalhar, quais são seus objetivos profissionais e de aprendizado da sua área ou da nova área em que atuará. Tudo isso irá ajudá-lo a se manter motivado.

4 - Faça networking
Não tenha vergonha de falar para todos conhecidos que está buscando uma colocação. Entre em contato com colegas e outras pessoas que possam contribuir com sua vida profissional, vá a reuniões e se abra para novas oportunidades.

5 - Atualize seu currículo
Liste tudo de novo que aprendeu e desenvolveu ao longo dos anos, especialmente nos dois últimos. Atualize seu currículo vitae com novas informações, procure os novos formatos de CV no mercado e adeque seu perfil no LinkedIn.

Vou aproveitar e mudar

Priscila atuava como auxiliar administrativa e quer carreira em tecnologia da informação
Priscila atuava como auxiliar administrativa e quer carreira em tecnologia da informação (foto: Arquivo Pessoal)

Priscila Aparecida Porto, 34 anos, já estava decidida a migrar de carreira quando foi demitida, em fevereiro. Auxiliar administrativa num hospital, ela foi desligada após a reestruturação da instituição. Designer gráfica de formação, ela está agora no curso de análise e desenvolvimento de sistemas.

“Eu trabalho desde os meus 13 de idade; ficar parada, para mim, não é uma opção”, relata. Além do emprego formal, Priscila mantém uma gráfica. Ela explica que o negócio contribui para que as finanças da família sejam menos afetadas. A designer comenta que o apoio da família é essencial neste momento. “Meus filhos são bem inteligentes e sabem conversar sobre tudo, eles e meu marido me apoiam.

Empreender por necessidade

Ter um intervalo após a demissão não é uma opção para a maioria dos brasileiros. A desigualdade social, a falta de oportunidades e a pandemia fazem com que muitas pessoas precisem de uma nova fonte de renda o mais ráapidamente possível.

Para quem não tem como dar um tempo, a head de pessoas e cultura Maria Fernanda Meireles aconselha empreender localmente. A psicóloga organizacional afirma que é necessário enxergar o mercado perto de você. “O que você consegue fazer? Você consegue cozinhar? Então, faça marmita, venda no prédio para quem está trabalhando e não consegue parar para cozinhar”, exemplifica.

“O negócio é entender o que o vizinho precisa e se colocar à disposição para ajudá-lo e que, obviamente, você consiga uma remuneração em cima disso”, explica. Com isso, o profissional encontra uma fonte de renda enquanto segue em busca de oportunidades de emprego formal.

Novos projetos

O chef de cozinha Raimundo Nonato de Andrade, 60, piauiense de Bom Jesus (PI), foi desligado do emprego em abril de 2020, após redução da equipe do hotel em que trabalhava desde 2009. Dos 21 funcionários da cozinha, restaram apenas seis. Ele juntou os 20 anos de carreira na área e o desejo de fazer algo novo para abrir seu próprio negócio.

Inicialmente, ele pensou em abrir uma panificadora, mas os planos sofreram alterações, justamente ante à pandemia, quando ele precisou ficar mais tempo em casa. Agora, traçando e retraçando rotas, ele se mostra otimista. O chef afirma ter “total confiança na retomada de mercado” e oportunidades de crescimento no ramo. Para Raimundo, empreender se tornou mais difícil, porque a empresa não cumpriu todas as obrigações trabalhistas.

Três perguntas para

Kamila de Araújo Cordeiro, advogada trabalhista do Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade Católica de Brasília (UCB)

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. (foto: UCB/Divulgação)

Como fazer com que o processo de demissão seja mais justo entre as partes?
A Justiça do Trabalho e a legislação trabalhista caminham para o estímulo à solução consensual dos litígios. A reforma trabalhista, inclusive, acrescentou à CLT o art. 484-A, que regulamenta o acordo entre empregado e empregador de modo em que as duas partes se beneficiam: o empregador pela redução das despesas oriundas da rescisão e o empregado, pela agilidade no pagamento das verbas.

O que mudou nisso durante a pandemia?
Mas, no cenário atual, com demissões em massa em razão da pandemia, essas negociações estão sendo dificultadas pela urgência das empresas em recuperar suas contas e pelo medo do empregado em relação à perda do emprego.

Como pessoas de baixa renda podem obter suporte jurídico para cobrar direitos em um processo de demissão?
O suporte jurídico é feito primordialmente por meio de um advogado. Caso o empregado não tenha profissional de confiança para atuar nas causas, o DF conta com a atuação dos Núcleos de Prática Jurídicas, que têm advogados dedicados para a atuação em demandas trabalhistas. Além disso, a Defensoria Pública da União pode oferecer direcionamento jurídico.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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