É o primeiro dia do emprego, você é recepcionado pela equipe, fica sabendo onde vai trabalhar, passa por treinamento, visita as várias áreas da firma, descobre onde fica a sala do cafezinho para fazer um intervalo com os novos colegas e, lá pela quinta ou sexta-feira, a equipe lhe convida para um happy hour para fechar o expediente.
Esses seriam os passos que um funcionário nos primeiros dias de trabalho teria a oportunidade de vivenciar, porém, devido à pandemia, muita coisa tem se adaptado. Agora, a integração de muitos trabalhadores é feita remotamente. É perfeitamente possível passar a fazer parte de uma equipe sem nunca ter visto nem o chefe nem os colegas cara a cara e sem nunca ter pisado na sede física do empregador.
O processo de integração de novos funcionários, em muitos casos, é feito informalmente e de modo improvisado. No entanto organizações maiores e mais profissionalizadas costumam ter um processo organizado de onboarding, termo que, do inglês, pode ser traduzido como socialização organizacional.
O jargão foi criado na década de 1970 e reúne ações e práticas para que colaboradores recém-chegados adquiram conhecimentos, habilidades e comportamentos essenciais para se tornarem membros de alta performance. Hoje em dia, a jornada de introdução do colaborador é planejada pelas empresas e feita de maneira 100% remota para garantir a segurança sanitária.
O onboarding virtual, no entanto, traz consigo diversos desafios para fazer com que os novatos se sintam, de fato, parte do coletivo. Com os obstáculos do trabalho a distância, ter um processo sistematizado e eficaz de integração de novos colaboradores ganha ainda mais importância para que os novos contratados passem logo a “render” no trabalho.
Investimento que compensa
“Um alto executivo demora de três a seis meses para estar plenamente ambientado na organização e começar a gerar resultados. Quanto mais rápido você se integrar com o time, mais rápido pode começar a trazer impactos positivos”, explica o administrador Carlos Guilherme Nosé sobre a importância de um onboarding bem-feito.
Ele é CEO do FESA Group, consultoria especializada em gestão de talentos e desenvolvimento organizacional, tendo expertise em recrutar executivos. Carlos Guilherme observa que o primeiro passo para uma integração de sucesso é estruturar e fazer todo o planejamento da integração do novo colaborador para que ele ganhe agilidade e se alinhe com a empresa.
Lívia Kuga é líder da área de pessoas da Stone, empresa de soluções financeiras, e acredita que a importância do onboarding está no aprendizado. A partir de cursos ou de uma introdução da empresa, o colaborador terá uma base para tornar-se apto a trazer resultados. “Gerar integração com os colaboradores vai fazer com que a pessoa performe melhor, mais rápido e, naturalmente, isso vai fazer a empresa crescer”, explica a psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP).
Acolhimento é a chave
Fazer os novatos gerarem resultado é chave, mas o onboarding vai além disso. Ele é fundamental para garantir que os funcionários se sintam acolhidos para, enfim, poderem gerar valor à organização.
Segundo Laura Dias, coordenadora de gente da Convenia, proporcionar um ambiente positivo e autônomo colabora para que os trabalhadores se sintam mais capacitados para efetuar as entregas. “A gente tem em mente que o onboarding é uma experiência que precisa garantir que os novos colaboradores se sintam acolhidos, integrados, informados e empoderados”, define.
Jeniffer Araújo, 21 anos, estudante de administração da USP, já passou por experiências de onboarding presencial e virtual. Em ambos os casos, ela se sentiu acolhida. Ela era jovem aprendiz e, após novo processo seletivo, tornou-se estagiária da área de comunidade na mesma empresa, a WeWork, que oferece espaços de coworking.
“Tive as duas formas de integração e posso dizer que a empresa em que trabalho manteve muito bem sua proposta com a nova situação em que estamos, principalmente, por fazer com que nos sentíssemos parte de todas essas adaptações necessárias ante o contexto atual”, relata.
Deveres do colaborador
Todo processo de integração só pode ser feito com sucesso se o trabalhador tiver iniciativa e comprometimento, afinal, a empresa fornece os meios, e o funcionário precisa do protagonismo para participar ativamente das ações. É no que acredita Lívia Kuga, da Stone.
Ela explica que as pessoas que acabaram de chegar às empresas precisam se entregar de corpo e alma para garantir um bom onboarding. “Se o novo colaborador não tiver a intensidade de querer estar próximo, é muito difícil que a gente consiga se aproximar dele”, explica a líder.
Essa distância é mais complicada de ser quebrada em home office, por isso, se você acabou de ser contratado e passará por um onboarding, a dica é: vá de cabeça aberta e cheio de vontade de aprender e de conhecer as pessoas.
Formas de aproximação
Confira iniciativas de diferentes empresas adotadas durante o onboarding de novos contratados:
Bom dia, turma
Dentro de um dos times da Stone, um dos líderes faz uma reunião virtual durante uma hora para conversar com a equipe nova, saber como está a semana e a adaptação. É um momento para, realmente, criar uma aproximação e fazer com que os novos se sintam acolhidos no ambiente de trabalho.
Dinâmica dos novatos
Cada time na Stone cria seu ritual de check-in (momento inicial de qualquer reunião para dar um quebra-gelo). A equipe de RH faz um jogo de perguntas quando uma pessoa nova entra no time. A líder tira uma pergunta aleatória para algum membro responder (por exemplo: qual a história da roupa que você está usando?) e, assim, todos podem se conhecer melhor.
Saiba Mais
Kit do funcionário
Na Convenia, é preparado um kit de admissão adaptado às necessidades do colaborador para que ele tenha condições mínimas de executar o trabalho remoto com conforto. É possível personalizar e deixar o kit o mais acolhedor possível, como enviar uma carta personalizada de boas-vindas, camiseta do time e outros itens personalizados.
Notícias da covid-19
Uma das ações de engajamento do FESA Group foi criar um ambiente para as pessoas comentarem o que estavam achando das notícias referentes ao novo coronavírus. Uma pessoa escrevia uma frase, e as outras tinham que continuar na mesma linha de raciocínio até que eles formassem um texto com as opiniões acerca da pandemia.
Hora da sofrência
Para uma empresa que gosta de comemorar resultados unida, também é possível fazer um happy hour no fim do expediente para integração, mas cada um com a sua cerveja em casa. O FESA Group, recentemente, contratou uma cantora sertaneja para fazer uma live para os colaboradores enquanto eles se integravam.
Alinhamento cultural
As práticas de onboarding também reforçam um aspecto importante das empresas: a cultura organizacional. Carlos Guilherme Nosé, CEO da FESA Group, explica que ações e práticas, desde reuniões com pequenas equipes até happy hours de integração, demonstram o interesse da instituição de estar junto de alguma forma com os funcionários.
“A cultura faz uma grande diferença para você atrair e reter as pessoas que você quer”, destaca o CEO. “Se você passa muito tempo trabalhando em um lugar com o qual não se identifica com o jeito de fazer as coisas, vai ser sofrido.”
Para Lívia Kuga, sócia da Stone, se a cultura da organização não for forte, haverá ainda mais dificuldades em situações difíceis. “A cultura organizacional é um pilar estratégico para tomadas de decisão”, afirma. Todas as estratégias devem estar alinhadas, portanto, também é preciso que os colaboradores estejam engajados para buscar os mesmos objetivos.
Lucca Alencastro, 28 anos, passou por um processo seletivo 100% on-line e foi contratado como analista de marketing na Stone. Para ele, o onborarding é fundamental para conhecer a cultura (que ele vê como diferencial competitivo das organizações) e perceber os efeitos que o trabalho em equipe pode gerar.
“O onboarding, além de nos inserir na cultura e na rotina da empresa, nos dá uma visão sistêmica e holística, fundamental para enxergarmos nosso papel na engrenagem e o impacto das nossas atividades na companhia como um todo”, relata o graduado em engenharia de produção pela Universidade Federal de Juiz de Fora. “A cultura é vivida no dia a dia da companhia, em cada interação, comportamento e, principalmente, na tomada de decisão das pessoas que a compõem.”
Aprendizados na crise
Em artigo sobre a recuperação das empresas durante a pandemia, os sócios de escritórios da consultoria Mckinsey & Company Björn Hagemann e Fernanda Mayol defendem que um dos principais aprendizados das organizações na crise sanitária é em relação à cultura organizacional. Quanto mais o propósito de cada colaborador estiver conectado à missão da empresa, será melhor para ambos.
“No fundo, o seu trabalho precisa trazer significado para você. O que a gente viu é que as organizações onde as pessoas estavam mais alinhadas com o propósito, elas (as pessoas) conseguiram ter um nível de engajamento maior. Conseguiram passar melhor por este momento que a gente está vivendo”, explica Fernanda Mayol, sócia da empresa no Rio de Janeiro. “Você viver a cultura é mais desafiador, mas é mais importante do que nunca.”
Pesquisa da McKinsey para auxiliar clientes a gerenciar e cuidar da crise revela como tendência modelos de trabalho mais circulares, mais agilidade e produtividade, devido ao home office e à gestão de tempo individual das pessoas, além de mais aprendizado. Este último passou a ficar cada vez mais facilitado remotamente, pois não é preciso deslocamento do professor para ministrar as capacitações ou agendar um local para que seja feito. O acesso ao conhecimento ficou muito mais fácil.
Trilhas de conhecimento
Como forma de integrar funcionários, algumas empresas oferecem plataformas de aprendizado ou aulas que abordam desde a história da empresa e tudo o que o colaborador precisa saber até capacitações especializadas. Na Stone, por exemplo, são oferecidos cursos livres de ética e empreendedorismo, para estimular o aprendizado constante, além de manter vivos os valores da empresa.
Essa é uma maneira também de incentivar que os colaboradores sempre busquem saber mais. “Sempre dá para saber mais e sempre dá para fazer mais e melhor. Então, eu acho que essa insaciedade de conhecimento e de agregar valor é um negócio que, com certeza, vai te levar cada vez mais longe. E você vai ter mais justificativa de coisas para você se orgulhar”, diz Lívia Kuga, sócia da Stone.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa