Santos Dumont fez história ao decolar com o 14-Bis criado por ele pelo céu de Paris em 1906. Ele é, com certeza, um dos inventores brasileiros mais lembrados ao se falar de inovação. Desde então, 115 anos se passaram e o Brasil continua a ser celeiro de grandes invenções. Há aqueles, inclusive jovens, que decidiram solucionar problemas de um grupo de pessoas, no país e no mundo.
Para o inventor Paulo Gannam, “quanto maior o número de patentes geradas por um país, maiores são as chances de serem gerados novos produtos e, consequentemente, novos empregos, mais renda e mais impostos que mantêm e fazem evoluir toda uma sociedade”.
Para além de movimentar a economia, o que move um inventor é a busca por melhorar a realidade. “A tecnologia e a inovação facilitam a vida das pessoas, tornam obsoletas as limitações de gerações anteriores e reinventam a forma com que vivemos e como definimos nossos objetivos”, diz Paulo.
No último levantamento do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), de janeiro a outubro de 2020, os inventores independentes foram responsáveis por 42% dos depósitos de patentes de invenção e por 60% dos pedidos de patentes de modelos de utilidade.
Por isso, Paulo cobra mais apoio para os inventores autônomos. “Na hora de se avaliar os contratos de tecnologia firmados, quem se destaca são as empresas de médio e grande portes, que fecham a maior parte dos negócios”, lamenta.
ENTREVISTA / PAULO GANNAM
Os desafios do inventor autônomo
Criador de quatro invenções patenteadas e lançadas e com 800 ideias em estoque para passar pelo processo de aplicação e patenteamento, Paulo Gannam, 38 anos, atua na criação e desenvolvimento de produtos e softwares inovadores para o mercado desde 2010 . Ele cria os produtos e trabalha com o sistema de pedido de patente a fim de captar investidores que possam fabricar e produzir e só assim comercializar suas invenções.
Dentre as 800 ideias que ainda estão estocadas, quatro foram lançadas ao público: a primeira é o Sistema de Cooperação no Trânsito, que consiste numa solução de comunicação entre motoristas e motociclistas capaz de enviar mensagens com a velocidade e a segurança necessárias para prevenir falhas no trânsito.
A segunda é um jogo de um ou mais sensores vinculados a um software, capazes de oferecer informações de distância em relação ao meio fio e instruções ao motorista durante a manobra.
Paulo também criou uma película para revestir e evitar que as pessoas roam as unhas - esta já está patenteada e disponível para licenciamento. A última criação é uma lixa para unhas em formato que permite que a pessoa lixe o contorno das unhas, nivele e dê brilho.
Formado em jornalismo pela Universidade de Taubaté (Unitau) e especialista em dependência química pela Universidade de São Paulo (USP), Paulo acredita que falta apoio para incentivar a criação de mais inovações no país. Em entrevista ao Correio, ele fala sobre como é a carreira de inventor.
Qual foi a sua maior motivação para começar a criar projetos inovadores?
A necessidade de melhorar o que pode ser melhorado. De estar apto para, assim que identificar um problema, anotá-lo e, em seguida, encontrar uma solução.
Quais os desafios da profissão de inventor no Brasil?
Como não existe apoio ou incentivo governamental e, como o processo de patente, além de caro, é demorado, é necessário apostar não só no sucesso, mas contar com o fato de que o fracasso é uma grande possibilidade. Pode soar estranho para quem trabalha na área de vendas, de empreendedorismo e de startups, em que se vende a imagem de sucesso, mas o inventor, pessoa física, tem de aprender a fazer um “brinde ao fracasso” todos os dias para adquirir a paciência que, talvez, o faça chegar ao sucesso.
Como é possível fazer um bom trabalho nessa área?
O ideal é você ter parceiros de desenvolvimento de protótipos, pelo menos um bom profissional na área de propriedade intelectual e seguir em frente na medida de suas possibilidades, com o dinheiro que tiver disponível. Não é “brinquedo”.
Como o senhor define a sua profissão?
Ser inventor é uma vocação, é entrar em uma frequência de pensamentos capaz de enxergar e criar soluções para problemas que os outros não conseguem ver. Eu realmente não planejei ser inventor, mas, hoje, essa atividade se tornou um pedaço da minha vida que carregarei até os últimos dias, independentemente dos resultados. Desejo que, no futuro, tenhamos um país que valorize mais a ciência e a tecnologia e que dê valor àqueles que, embora anônimos, estão na linha de frente da produção de propriedade intelectual brasileira.
E essa tal de patente?
Conhecida pelos inventores, o registro de patente é essencial para proteger direitos de uso de uma invenção. A advogada especialista em cibercrimes Lorrana Gomes, do escritório L Gomes Advogados, afirma que a patente é necessária para evitar utilizações indevidas da criação.
Diferentemente do registro de marca (que diferencia logo e nome de um produto já existente), o registro de patente se refere ao título de propriedade temporária sobre uma invenção inédita, o que protege o proprietário legalmente, a fim de evitar utilizações indevidas.
Com patente registrada, outras empresas ou pessoas não podem comercializar, vender ou importar um produto ou processo sem o consentimento do criador. Este pode conceder a autorização de maneira gratuita ou remunerada.
Saiba Mais
No Brasil, os pedidos de patente são feitos ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e o processo é regulado pela Lei nº 9.279/96. Para entrar com o pedido, o criador deve apresentar, junto à solicitação, relatório descritivo da invenção, desenhos, resumos e comprovante de pagamento do pedido, de R$ 70.
Após a entrega do material, o órgão leva até 18 meses para uma análise preliminar. Depois deste prazo, o INPI publica o pedido de patente, o registro, o que é considerado um mecanismo de segurança para inventores colocarem para circular o produto. Por fim, o solicitante deverá, em até três anos após a publicação do registro, solicitar o exame do pedido.
A partir dessa solicitação, a concessão da patente pode ser dada entre cinco e oito anos. O órgão já afirmou à reportagem que a demora se dá pela falta de funcionários. A concessão de patente dura, no mínimo, 10 anos e, no máximo, 20 anos.
*Estagiárias sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa