“Temos uma questão primordial no Brasil para o alto desemprego negro que não podemos justificar com a pandemia: o racismo estrutural, que veio desde o Brasil Colônia e da República”, afirma Edilene Machado, pós-doutora em relações étnicas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e doutora em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
É assim que a pesquisadora enxerga novos números da alta taxa de desocupação de pretos e pardos no Brasil. Negros são a maioria entre os desempregados no país no quarto trimestre de 2020, período que compreende os meses de outubro a dezembro. A constatação é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os negros representam 72,9% dos desocupados do país, de um total de 13,9 milhões de pessoas nessa situação. De acordo com o levantamento, 11,9% dos sem ocupação são pretos e 50,1%, pardos. Apesar de os números representarem queda em relação ao terceiro trimestre de 2020, quando 14,1 milhões de pessoas estavam desempregadas (50,5% pardos; 36,3% brancos e 12,6% pretos), o percentual da população negra ainda é alto.
Edilene explica que, durante um tempo, a justificativa para não contratar pretos e pardos era a falta de escolarização e profissionalização. “Tudo começou com a negação do direito à educação para escravizados e ex-escravizados, quando éramos República e os pretos não podiam estudar. O resultado foi o abismo na qualificação em comparação aos brancos”, analisa.
No entanto, mesmo com a capacitação desse grupo, possibilitada pela implementação de ações afirmativas para ingresso no ensino superior, o cenário não mudou. “No mercado de trabalho, a cor da pele ainda é uma barreira quase que intransponível. O currículo é muito bom, mas quando o recrutador vê a pessoa, tudo muda”, afirma.
Estereótipo cruel
Para Edilene, a estrutura racista do país faz com que pretos e pardos sejam vistos como menos qualificados, mesmo que o currículo mostre o contrário. Por isso, os empregadores escolhem sempre os brancos. Em diversas situações, não é atribuída aos negros a imagem de alguém capacitado. Edilene já sentiu isso na pele.
“Certa vez, fui convidada para palestrar em uma instituição. Eram dois dias de evento. No primeiro, a diretora não estava presente. Dei a palestra e todos amaram”, lembra. “No outro dia, a diretora, que não me conhecia, se reportou a mim achando que eu era a moça que servia café”, diz. “Eu sou pós-doutora, mas isso não muda o fator racial que me enquadra como uma pessoa que só é vista como alguém que ocupa cargos de serventia”, pontua.
Exclusão feminina
De acordo com a Pnad, mulheres são maioria entre os desocupados (52,9%), reflexo de o número de pessoas do sexo feminino em idade para trabalho (53,2%) ser maior do que o de homens (46,8%). A pesquisa não apresenta cruzamento entre gênero e raça, mas Edilene afirma que a maioria das mulheres devem ser negras.
“Na minha pesquisa de doutorado, na qual entrevistei 150 mulheres de vários estados, brancas, pardas e pretas, em geral o perfil da maioria que não consegue em prego é de mulher preta”, declara. “Ela está na base, sustenta sua família e tem trabalho precarizado, além de ser invisibilizada”, lamenta.
“Entre as mulheres escolarizadas, a negra também é a que fica para trás, porque temos um grande grau de exclusão. Em um país racista e machista, primeiro, a vaga é do homem branco; depois, da mulher branca; o homem preto ainda vem antes da mulher preta”, elenca. “Mesmo se a mulher preta for mais qualificada, ela ainda será preterida”, complementa.
Para a doutora, o caminho para reverter a situação é reconhecer a estrutura e instituir programas de acesso ao mercado de trabalho. “A solução é desmascararmos nossos demônios e assumir que somos um país racializado. O branco tem que reconhecer os privilégios e lutar contra isso”, afirma.
“Instaurar mais ações afirmativas também é necessário. Infelizmente ainda precisamos dela no país. O processo seletivo exclusivo para negros, feito pela Luíza, do Magazine Luíza, foi um ótimo exemplo que deve ser seguido”, pontua. A seleção referida ocorreu entre setembro de 2020 e janeiro de 2021.
Também é dever dos governos municipais, estaduais e federal promover a inclusão dessa população. “Deve haver políticas públicas que realmente obriguem as empresas a ter um quadro de colaboradores equânime. Se esperarmos por boa vontade, a mudança não irá ocorrer”, pontua. “Mas é preciso fiscalizar, porque, se não, será mais um documento sem efeito”, diz.
“Eu espero que outras ‘Luizas’ (Magazine Luiza), outras iniciativas apareçam e reconheçam a distância estrondosa que existe entre as etnias do Brasil. Nós, pretos, fomos desfavorecidos, mas temos talento, somos persistentes e somos capazes, é só nos deixar fazer”, garante.
Desigualdade
72,9%
Percentual de negros entre os desempregados do país
Fonte: IBGE
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*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa