RACISMO ESTRUTURAL

Pretos no topo: desemprego recorde entre negros é resultado de racismo

Hoje, 21 de março, é o Dia contra a Discriminação Racial, mas não há muito a comemorar. Apesar do aumento da escolarização, negros são maioria entre os desempregados por causa do preconceito sistêmico

Ana Paula Lisboa
Isabela Oliveira*
Talita de Souza *
postado em 21/03/2021 19:47
"No mercado de trabalho, a cor da pele ainda é uma barreira quase que intransponível. O currículo é muito bom, mas, quando o recrutador vê a pessoa, tudo muda" Edilene Machado, pesquisadora de relações étnicas - (crédito: Arquivo Pessoal)

“Temos uma questão primordial no Brasil para o alto desemprego negro que não podemos justificar com a pandemia: o racismo estrutural, que veio desde o Brasil Colônia e da República”, afirma Edilene Machado, pós-doutora em relações étnicas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e doutora em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

É assim que a pesquisadora enxerga novos números da alta taxa de desocupação de pretos e pardos no Brasil. Negros são a maioria entre os desempregados no país no quarto trimestre de 2020, período que compreende os meses de outubro a dezembro. A constatação é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os negros representam 72,9% dos desocupados do país, de um total de 13,9 milhões de pessoas nessa situação. De acordo com o levantamento, 11,9% dos sem ocupação são pretos e 50,1%, pardos. Apesar de os números representarem queda em relação ao terceiro trimestre de 2020, quando 14,1 milhões de pessoas estavam desempregadas (50,5% pardos; 36,3% brancos e 12,6% pretos), o percentual da população negra ainda é alto.

Edilene explica que, durante um tempo, a justificativa para não contratar pretos e pardos era a falta de escolarização e profissionalização. “Tudo começou com a negação do direito à educação para escravizados e ex-escravizados, quando éramos República e os pretos não podiam estudar. O resultado foi o abismo na qualificação em comparação aos brancos”, analisa.

No entanto, mesmo com a capacitação desse grupo, possibilitada pela implementação de ações afirmativas para ingresso no ensino superior, o cenário não mudou. “No mercado de trabalho, a cor da pele ainda é uma barreira quase que intransponível. O currículo é muito bom, mas quando o recrutador vê a pessoa, tudo muda”, afirma.

Estereótipo cruel

Para Edilene, a estrutura racista do país faz com que pretos e pardos sejam vistos como menos qualificados, mesmo que o currículo mostre o contrário. Por isso, os empregadores escolhem sempre os brancos. Em diversas situações, não é atribuída aos negros a imagem de alguém capacitado. Edilene já sentiu isso na pele.

“Certa vez, fui convidada para palestrar em uma instituição. Eram dois dias de evento. No primeiro, a diretora não estava presente. Dei a palestra e todos amaram”, lembra. “No outro dia, a diretora, que não me conhecia, se reportou a mim achando que eu era a moça que servia café”, diz. “Eu sou pós-doutora, mas isso não muda o fator racial que me enquadra como uma pessoa que só é vista como alguém que ocupa cargos de serventia”, pontua.

Exclusão feminina

De acordo com a Pnad, mulheres são maioria entre os desocupados (52,9%), reflexo de o número de pessoas do sexo feminino em idade para trabalho (53,2%) ser maior do que o de homens (46,8%). A pesquisa não apresenta cruzamento entre gênero e raça, mas Edilene afirma que a maioria das mulheres devem ser negras.

“Na minha pesquisa de doutorado, na qual entrevistei 150 mulheres de vários estados, brancas, pardas e pretas, em geral o perfil da maioria que não consegue em prego é de mulher preta”, declara. “Ela está na base, sustenta sua família e tem trabalho precarizado, além de ser invisibilizada”, lamenta.

“Entre as mulheres escolarizadas, a negra também é a que fica para trás, porque temos um grande grau de exclusão. Em um país racista e machista, primeiro, a vaga é do homem branco; depois, da mulher branca; o homem preto ainda vem antes da mulher preta”, elenca. “Mesmo se a mulher preta for mais qualificada, ela ainda será preterida”, complementa.

Para a doutora, o caminho para reverter a situação é reconhecer a estrutura e instituir programas de acesso ao mercado de trabalho. “A solução é desmascararmos nossos demônios e assumir que somos um país racializado. O branco tem que reconhecer os privilégios e lutar contra isso”, afirma.

“Instaurar mais ações afirmativas também é necessário. Infelizmente ainda precisamos dela no país. O processo seletivo exclusivo para negros, feito pela Luíza, do Magazine Luíza, foi um ótimo exemplo que deve ser seguido”, pontua. A seleção referida ocorreu entre setembro de 2020 e janeiro de 2021.
Também é dever dos governos municipais, estaduais e federal promover a inclusão dessa população. “Deve haver políticas públicas que realmente obriguem as empresas a ter um quadro de colaboradores equânime. Se esperarmos por boa vontade, a mudança não irá ocorrer”, pontua. “Mas é preciso fiscalizar, porque, se não, será mais um documento sem efeito”, diz.


“Eu espero que outras ‘Luizas’ (Magazine Luiza), outras iniciativas apareçam e reconheçam a distância estrondosa que existe entre as etnias do Brasil. Nós, pretos, fomos desfavorecidos, mas temos talento, somos persistentes e somos capazes, é só nos deixar fazer”, garante.

Desigualdade

72,9%
Percentual de negros entre os desempregados do país

Fonte: IBGE

Fique por dentro do mundo corporativo!

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. (foto: Bayer/Divulgação)

Inclusão impulsionada
Iniciativas lançadas pela multinacional farmacêutica e química Bayer no Brasil no último trimestre de 2020 começam a dar resultados. Depois de receber 25 mil inscrições, o programa de trainee Liderança Negra Bayer, exclusivo para pretos e pardos, efetivou os 19 selecionados no último mês. Dos escolhidos, 16 são mulheres. Os contratados têm de 22 a 30 anos. A empresa também lançou, no último trimestre do ano passado, um programa de mentoria para negros, idealizado pelo BayAfro, grupo de diversidade étnico-racial da companhia. Conheça alguns dos selecionados pelo programa de trainee:
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. (foto: Arquivo Pessoal)
“Apesar de não ter uma carreira muito tradicional, aprendi que a direção é mais importante que a velocidade e que a melhor forma de impulsionar transformações relevantes é acreditar em seu potencial e inspirar outras pessoas a entrarem por portas que nunca imaginaram”

Juliana Gomes, é trainee na sede da empresa em São Paulo
 
“Com este programa, a Bayer sinalizou que serão dadas ferramentas e oportunidades necessárias a jovens profissionais negros e pardos, permitindo sua potencialização e desenvolvimento. Isso por si só anima qualquer profissional que esteja  no início da carreira!”
 
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. (foto: Arquivo Pessoal)

Guilherme Ventura, nasceu em Duque de Caxias (RJ), trainee remoto
 
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. (foto: Arquivo Pessoal)
 
“Como estudante de engenharia elétrica, tive contato com pessoas de culturas, cores e jeitos diferentes. Percebi que na universidade havia pouca representação preta e vi a necessidade de termos e sermos referência para outras pessoas que buscam entrar numa universidade, num emprego ou fazer qualquer outra coisa. E eu quero ser referência e inspiração. Busquei na Bayer uma empresa que vai à luta junto comigo.”

Renata Cruz, fez engenharia elétrica e é trainee do Parque Industrial de Belford Roxo (RJ)
 

Inspire-se!

 
Representatividade na inspiração
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. (foto: Pinterest/Divulgação)

Quem utiliza a rede social de compartilhamento de fotos e referências visuais Pinterest terá mais uma ferramenta para facilitar na busca de inspirações. A plataforma anunciou o recurso “gama de tons de pele”, espécie de filtro pelo qual o usuário poderá escolher os tons de pele que quer ver nos resultados.

Além disso, o recurso também filtra fotos que estejam relacionadas ao tom escolhido. De acordo com a empresa, “é difícil conseguir inspiração quando você não se vê nos resultados das pesquisas” e por isso foi criada a funcionalidade. A novidade já era presente nos Estados Unidos e foi ampliada para 12 países, além do Brasil. Boa notícia para negros cansados de só encontrar “inspirações” brancas na plataforma.
 

Apoie!

Biblioteca comunitária em São Sebastião
 
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. (foto: Sebastianas/Divulgação)

O coletivo Sebastianas busca ajuda para consolidar uma biblioteca para jovens negros, indígenas e LGBTQIA+ em São Sebastião. A Biblioteca Exu do Absurdo será um espaço de arte-educação que oferecerá à comunidade estrutura de coworking, reuniões, estudos e manifestações culturais, como cineclubes, sarau e exposições.

O grupo do DF está com uma vaquinha aberta para ajudar na reforma do local e também aceita doações de materiais, como móveis (prateleiras, mesas, estantes de livro, cadeiras), computadores, plantas, materiais de construção, e utensílios de cozinha. Informações e doações em: abacashi.com/p/exudoabsurdo. Contato: (61) 99683-6991.
 

Assista!

Atuação que emociona 
 
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. (foto: Rede Globo/Divulgação)

Tatiana Tibúrcio ganhou o prêmio de melhor atriz pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Os críticos aclamaram a atriz pela atuação como Mirtes Souza, a doméstica recifense que perdeu o filho Miguel após o menino de cinco anos cair de um prédio de luxo em 2020, no especial Falas Negras, da Rede Globo. 
 
Criadores de conteúdo apoiados
 
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. (foto: Youtube/Divulgação)

O Youtube anunciou os 132 criadores e artistas que participarão da primeira turma do Fundo Vozes Negras do Youtube. Criado em outubro de 2020, o fundo oferecerá recursos e mentoria para pessoas pretas produzirem conteúdos na plataforma. No Brasil, a lista tem 35 nomes, entre eles estão os criadores Nátaly Neri, Spartakus e Gabi Oliveira, além dos artistas Péricles, MC Carol, Urias e Rael. Confira todos os brasileiros selecionados no link: bit.ly/fundonegroyt.
 

Leia!

Os viajantes
 
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. (foto: Companhia das Letras/Divulgacao)

Autora: Regina Porter
Editora Companhia das letras
384 páginas
R$ 74,99/R$ 39,90 
(versão Kindle)

A obra de ficção traz a história de duas famílias, uma branca e outra negra, da década de 1950 aos dias de hoje. Um romance sobre amor e memória, preconceito e identidade, trauma e destino.

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*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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