O início da campanha de vacinação contra o novo coronavírus traz esperanças de volta ao “velho normal”. No entanto, segundo especialistas, quando o assunto é mercado de trabalho, a certeza é de que o home office veio para ficar. Com ou sem imunização, empregadores e empregados perceberam muitas vantagens (incluindo menos custos para as empresas e mais flexibilidade para os profissionais) e se adaptaram ao modelo.
Há, claro, empresas que planejam a retomada: cinco em cada 10 companhias têm planos para a volta presencial, de acordo com pesquisa da VR Benefícios, empresa do segmento de vales. Especialistas apostam que muitas escolherão o formato híbrido, que intercala horas presenciais com períodos remotos.
Esse meio termo, inclusive, pode ser uma boa estratégia para um retorno gradativo, seguro e que garante o mínimo de relações humanas. Há, ainda, organizações que migraram de vez para o trabalho remoto e não pretendem voltar ao escritório.
Um dos reflexos da pandemia foi o aumento do número de vagas de emprego remotas. Segundo pesquisa do InfoJobs, empresa de recrutamento e seleção on-line, a oferta cresceu cerca de 85% no início de 2021, em comparação com os primeiros meses de 2020. O número de oportunidades de home office passou de 4.010 para 25.888.
Para Ana Paula Prado, gerente nacional do InfoJobs em São Paulo, o aumento é “significativo”. Como cada empresa tem uma realidade, há mais liberdade para se adequarem ao modelo que faz mais sentido. Antes, o home office, muitas vezes, nem era considerado e, hoje em dia, muitas companhias perceberam que podem funcionar muito bem a distância.
“Nós temos um conjunto: o número de ofertas de emprego está crescendo e o trabalho remoto continua sendo uma alternativa importante para que o mercado de trabalho e a economia se mantenham aquecidos. Então, automaticamente, esses dois lados estão bem interligados”, pontua. “Nós acreditamos que esse modelo de trabalho veio para ficar, porque as empresas entenderam que não é necessário que as pessoas estejam sempre no escritório.”
Home office rompe barreiras
O trabalho a distância não está em alta só por permitir que o colaborador atue fora das instalações da empresa: há outros benefícios. Fabio Camara, CEO do grupo de consultoria empresarial FCamara, destaca dois pontos positivos do trabalho remoto: a possibilidade de democratizar as vagas de emprego e “desafogar” o fluxo de carros nas grandes cidades, como São Paulo, onde o grupo está localizado.
“Eu acredito que os profissionais vão pensar nos benefícios do home office, como ficar mais em casa e evitar trânsito. Se você está trabalhando agora com computador, pode trabalhar para qualquer um e de qualquer lugar”, observa. Por isso mesmo, as vagas de trabalho se democratizam: por exemplo, um trabalhador de Brasília pode concorrer a vagas do DF e de qualquer lugar que aceite a atuação a distância, dentro ou fora do país.
Ana Paula Prado vê essa possibilidade como um grande ganho também para as empresas, que passam a ter um rol maior de talentos para escolher. “Quando a gente fala em vaga 100% home office, a gente deixa de ter a barreira da cidade e muitas vezes do país. Romper essa barreira é muito bacana para a diversidade”, destaca.
Em contrapartida, para Anselmo Bonservizzi, sócio da Deloitte, empresa internacional de serviços, existe uma ressalva. Trabalhar on-line não pode ser forçado: é preciso que o colaborador se voluntarie e esteja de acordo com o modelo. “O home office funciona e, quando conseguimos dosar e equilibrar esse modelo, melhoramos a qualidade de vida das pessoas. Quando você melhora a qualidade de vida, você melhora o profissional também”, reflete.
Empresários brasileiros são mais flexíveis
Além de romper a barreira física, o home office também rompeu a barreira tecnológica das empresas. Levantamento da Deloitte mostra que os brasileiros estavam mais preparados para o trabalho remoto e se tornaram mais flexíveis do que outras nações.
Saiba Mais
A pesquisa ouviu cerca de 2.200 empresários de 21 países e destacou que 49% dos empresários brasileiros se adaptaram rapidamente durante a pandemia, porque existia algum avanço na transformação digital antes da crise sanitária. Já no índice global, 30% conseguiram tomar a mesma atitude prontamente.
O levantamento também abordou o índice de confiança das lideranças. Entre os empresários brasileiros, 56% acreditam que sairão da pandemia fortalecidos e mais confiantes para liderar equipes. A média entre empregadores dos outros 20 países foi de 34%.
73%
Percentual de gestores entrevistados que têm a intenção de fazer menos reuniões presenciais
59%
Parcela de líderes que pretendem escalonar o horário de trabalho dos funcionários
52%
Fatia de chefes que vão alterar a disposição de mesas do escritório.
Fonte: Robert Half
Cuidados para o retorno à firma
Confira dicas de especialista em direito do trabalho Vera Barbosa sobre o que deve ser feito antes, durante e após a retomada para garantir a biossegurança:
» Orientação técnica
As empresas devem chamar um médico e engenheiro do trabalho para analisar as condições do local e elencar possíveis adaptações que devem ser feitas no espaço.
» Adaptações
Algumas empresas instalaram divisórias de vidro, outras ampliaram o espaço de convivência. Tudo isso para garantir o devido distanciamento durante o trabalho.
» Limpeza
Além de desinfetar o local com frequência, é importante manter recipientes de álcool em gel, ou até mesmo álcool spray, de fácil acesso para todos.
» Máscaras
É preciso exigir que todos os empregados utilizem máscaras e orientá-los acerca de todas as novas medidas da empresa.
» Alimentação
No momento em que as pessoas forem se alimentar, cuidados são muito importantes, porque o maior meio de contaminação é a saliva. A pessoa tirar a máscara para comer representa um momento perigoso para contágio do vírus. Por isso, nos espaços compartilhados de alimentação dentro das empresas, além de reduzir a capacidade total, é importante fixar horários e turnos para que seja feito um rodízio entre os colaboradores.
Interação humana
Apesar de o trabalho remoto ter cada vez mais força, o contato presencial é importante em determinados momentos. Por isso, o modelo híbrido também se tornará popular. De acordo com pesquisa da revista de tecnologia MIT Technology Review Brasil, feita com 1.400 entrevistados, 6,5% das pessoas não querem trabalhar a distância e 93,5% desejam manter o home office pelo menos um dia na semana.
Para Fabio Camara, o ser humano precisa de interação social. “O colaborador não vai conseguir ficar trancado em casa para o resto da vida”, explica. Pensando nisso, o Grupo FCamara investiu e está ampliando as áreas de interação e instalando menos estações de trabalho.
Em agosto de 2020, a companhia começou a permitir o modelo híbrido, mas de forma totalmente voluntária. Quem prefere o home office continua nele. Uma das formas de permitir a volta presencial de alguns colaboradores foi a implementação de um sistema de inteligência para fazer agendamentos.
“Nós criamos uma alternativa para que o funcionário possa frequentar o escritório, que tem capacidade para 200 pessoas, mas não pode ter mais de 50 nas condições atuais, para melhorar o distanciamento e a percepção de segurança”, explica o CEO.
A empresa implementou, para melhorar as interações sociais, pequenos encontros com, no máximo, 10 pessoas que se sentem à vontade para participar. Os grupos fazem reuniões para entender como as pessoas estão, recuperar o senso de comunidade e resgatar a cultura da empresa.
Retorno híbrido opcional
Líder direto de 25 colaboradores, Leonardo Fernandes, 39 anos, é superintendente regional da filial da BlueTrade, organização que atua no mercado de investimentos, em Brasília. Com a pandemia, a empresa passou a atuar 100% de forma remota. Desde o mês passado, os escritórios passaram a aderir ao trabalho híbrido opcional.
Segundo Leonardo, a mudança foi imprescindível, principalmente, por se tratar do mercado financeiro. “Apesar de a gente poder trabalhar de onde quiser, o mercado financeiro é muito dinâmico, a gente muda muito rápido”, explica o farmacêutico de formação. “A proximidade faz diferença para nós pela dinâmica do mercado.”
Para garantir a dinâmica de forma segura, a equipe de cultura da matriz da BlueTrade, em São Paulo, juntamente à filial, em Brasília, analisou diversos fatores para garantir uma retomada segura, incluindo a curva de contágio e a ocupação dos leitos de Unidade de Tratamento Intensiva (UTI).
Também se verificou a condição de saúde dos funcionários quem desejavam retornar ao trabalho presencial e o meio de transporte usado pelos colaboradores para ir ao trabalho. “Observamos qual era a condição de cada um na ida até o escritório para evitar contaminação durante o trajeto. Organizamos também cartão de estacionamento para o pessoal vir de carro em vez de usar o transporte público”, conta Leonardo.
Quem optar pelo modelo híbrido vai encontrar aferição da temperatura corporal no prédio em que o escritório está localizado, tapete antisséptico para higienizar os calçados, recipientes com álcool em gel pelas salas, uso de máscaras o tempo todo e maior distanciamento entre as mesas de trabalho.
Para a líder de cultura e pessoas da matriz da BlueTrade em São Paulo, Débora Santos, o importante é “seguir rigidamente os protocolos de cuidados, não baixar a guarda em nenhum momento, evitar exposições desnecessárias e preservar o bem-estar das pessoas até que todos estejam protegidos e imunes”. Com o planejamento do retorno híbrido opcional sendo planejado desde o ano passado, a empresa conseguiu se organizar para minimizar as chances de contágio.
“Cada colaborador, com seu líder imediato, definia a necessidade ou não da volta, seguindo à risca todos os protocolos de biossegurança”, explica Débora. “Em algumas áreas entendemos que o estilo híbrido ou o home office atenderia o dia a dia e sempre deixamos cada um bem à vontade para escolher a melhor forma.”
Retomada no Congresso Nacional
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Resolução nº 6/21, da Mesa Diretora, que institui o sistema híbrido de votações para permitir a volta do trabalho nas comissões, com a participação presencial e remota de deputados. O regime a distância deve ser utilizado, preferencialmente, por parlamentares que estão no grupo de risco da covid-19.
Apenas as deliberações do Plenário, das comissões e do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar adotarão o sistema híbrido. As audiências públicas e demais eventos programados pelos órgãos da Casa deverão ocorrer de forma virtual. O projeto foi promulgado na última quinta-feira (11/2).
A resolução garante a presença física de parlamentares, ministros de Estado, servidores e representantes de organizações e entidades, sempre em respeito ao número máximo de pessoas por sala.
O novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), havia determinado, após a eleição em 1º de fevereiro, que a nova Mesa Diretora definisse critérios para a retomada de sessões de forma presencial. Porém, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e Tribunal de Contas da União (Sindilegis) enviou ofício a Arthur Lira, em 3 de fevereiro, para solicitar que o retorno ocorresse apenas no segundo semestre de 2021.
No documento, o Sindilegis propõe que o retorno às atividades presenciais seja gradual e em conformidade com as medidas sanitárias, devido a diversos fatores, como o fato de a média móvel de novas contaminações e óbitos no DF estar “em franca ascensão”. Além disso, a maioria dos servidores da Câmara tem de 30 a 59 anos e não está no cronograma de vacinação. O sindicato também defende que as sessões remotas proporcionaram maior produtividade nas deliberações.
Desde a eleição presencial, o Departamento Médico da Câmara dos Deputados registrou pelo menos 24 casos de covid-19.
Já o Senado Federal pretende liberar o funcionamento dos colegiados de maneira semipresencial. O recém-eleito presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que a ideia é que as reuniões possibilitem a participação remota, mas também permitam a presença dos senadores que preferem discutir os assuntos presencialmente, desde que sejam seguidas todas as regras de segurança sanitária. Os trabalhos serão retomados aos poucos, a partir de 23 de fevereiro, e senadores do grupo de risco seguem pelo sistema remoto.
Futuro do trabalho
16,1%
Percentual de líderes que levarão em conta para uma contratação a competência do profissional, independentemente de onde ele estiver
84,2%
Parcela de gestores que pretendem promover o trabalho remoto no pós-pandemia
Fonte: relatório feito em outubro de 2020 pela Workana, plataforma de mercado para trabalho freelancer e remoto, de contratação de trabalhadores independentes
Adaptação com testes periódicos
No fim de 2020, quando o mercado começou a reagir frente à pandemia, o InfoJobs resolveu migrar do home office para o modelo híbrido. No entanto, nem todas as pessoas se adequaram ao regime de trabalho. Ana Paula Prado, gerente nacional da empresa, explica que alguns funcionários que optaram e que são do grupo de risco seguem em home office.
Além de todas as medidas de biossegurança, informativos e adaptações no escritório, são aplicados periodicamente testes de covid-19 nos colaboradores que estão trabalhando de forma híbrida.
“Nós entendemos que é uma forma de prevenção e sabemos que muitas pessoas são assintomáticas, por isso, a empresa arca com todos os custos dos testes”, explica Ana Paula Prado.
“Metade do time vem algumas vezes por semana, porque nós percebemos que o mercado estava voltando e vimos a necessidade de ter um atendimento no escritório”, afirma. “Fomos retornando de acordo com a demanda e a necessidade.”
Com a campanha de vacinação, Ana Paula acredita que cada empresa escolherá o regime que se aplica melhor ao próprio modelo de negócio.
“A gente consegue ver reflexos da pandemia. O transporte está diferente, a gente vê mais pessoas no trânsito e eu acredito que, com a vacina, todos terão segurança para aplicar o modelo que mais convém”, pondera a psicóloga.
Flexibilidade com segurança
A analista de tecnologia da informação Rhavilla Costa Mendes de Sousa, 25, trabalha há um ano e dois meses em uma empresa, em Goiânia, que oferta soluções de vendas e logística para conectar distribuidores aos clientes.
Para Rhavilla, criar disciplina ao trabalhar em casa com diversas distrações foi o maior empecilho quando o home office se tornou realidade, em março de 2020. Superada a dificuldade inicial, ela acredita que o mercado de trabalho se estabelecerá em um modelo híbrido, como o recém-instaurado na empresa onde trabalha.
A analista de TI destaca a flexibilidade proposta pelo regime, que possibilita equilibrar tarefas profissionais e pessoais, além de manter o contato presencial. “No regime híbrido temos a opção de escolher, afinal ver gente também é importante para desenvolver nosso lado humano. Em frente ao computador, o dia todo, por mais que falemos via internet ou telefone com os outros, não é a mesma coisa”, pondera.
“Além disso, sei que esse modelo tende a ser o melhor, pois você consegue ir e vir da sede de forma flexível e permite que possamos conciliar nossa vida pessoal com a profissional mais facilmente”, afirma. A maioria dos colaboradores segue trabalhando remotamente, enquanto os colegas da área de Rhavilla, de TI, e o setor administrativo vão presencialmente uma ou duas vezes por semana, quando solicitados.
Os funcionários dos demais setores terão a possibilidade de ir em dias previamente agendados. Pelo protocolo de biossegurança, é exigido o uso obrigatório de máscaras, não é permitido mais que três pessoas em uma sala e há recipientes de álcool em gel em todos os ambientes.
Quando é solicitada e vai trabalhar no escritório, Rhavilla conta que se sente segura, pois não precisa ir todos os dias. “Quando vou, eu me cerco de todas as precauções: uso luvas, máscaras e estou sempre com álcool em gel”, relata.
Continuamos em teletrabalho
A Deloitte não pretende retomar presencialmente enquanto a situação da pandemia não se estabilizar. Para o sócio e líder de gestão de riscos da empresa, Anselmo Bonservizzi, a vacinação de todos os colaboradores é imprescindível.
“Nós acreditamos que, neste momento, o mais importante são as pessoas. Temos conseguido trabalhar em home office, então vamos manter as pessoas isoladas neste primeiro momento”, anuncia.
Porém, quem quiser usufruir da infraestrutura da empresa, pode se deslocar até lá, desde que com agendamento prévio. Em julho de 2020, a empresa adaptou todos os 11 escritórios para que estivessem prontos caso começasse uma retomada gradual. Como as medidas de biossegurança evoluem, Anselmo explica que frequentemente os locais são readequados.
“Os escritórios continuam sendo revisitados, porque há naturalmente uma evolução dos protocolos. Fazemos quase como um sistema de hotelaria”, explica. Foram instaladas divisórias de acrílico entre as mesas, banheiros foram equipados e higienizados e os colaboradores também foram educados para estarem cientes acerca das medidas.
“As pessoas dentro da Deloitte estão protegidas, mas você tem outras interações: mais gente nos restaurantes, em barzinhos e existem outras atividades que orbitam ao redor do escritório que precisamos considerar para uma reabertura”, reflete o sócio da Deloitte.
*Estagiárias sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa