Mesmo para quem não assiste ao reality show Big Brother Brasil (BBB), é difícil ficar alheio às discussões desta edição do programa. Muitas das polêmicas envolvem participantes negros, até porque nunca uma versão do BBB teve tantos pretos e pardos.
Comportamentos tóxicos e até racistas foram demonstrados por integrantes negros, duramente criticados nas redes sociais. Mas será que participantes brancos são tão escrutinados quanto eles? Para a doutora em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora de temas étnicos raciais Kelly Quirino, a resposta é não.
O grande número de críticas às participantes negras Karol Conká, 34 anos, e Lumena Aleluia, 29, psicóloga e roteirista, também é um reflexo do racismo estrutural, na avaliação de Kelly Quirino. Os internautas têm, inclusive, promovido mutirões para diminuir o número de seguidores delas. Há também relatos de ameaças para a família das participantes.
“Um dia após a transmissão da fala do Fiuk (cantor e ator), que foi extremamente sexista e machista, violento, não houve repercussão tão grande quanto as falas da Karol e da Lumena”, lembra Kelly. Fiuk, 30, questionou se a maquiadora e advogada Juliette, 31, é irônica no trabalho e se isso a ajuda. Também disse que ela deveria “sentar e escutar as pessoas” em vez de “chegar falando”.
“Historicamente mulheres negras são representadas como empregadas, em local de subserviência, ou como mulatas, extremamente sensuais. Se a negra for diferente disso, ela é raivosa, barraqueira e não é aceita”, declara Kelly.
Presença negra, sim, falta de racismo, não
A grande expectativa do público para a edição do BBB com maior número de negros da história se transformou em frustração em pouco menos de duas semanas. O elenco preto protagonizou discussões sensíveis. Em uma das ocasiões, parte dos participantes negros se uniu para excluir da convivência da casa o ator e ativista Lucas Koka Penteado, 24 anos.
A cantora Karol Conká liderou o movimento e chegou a afirmar que proibiria o jovem de fazer as refeições com os outros. Já o humorista Nego Di, 26, afirmou que outro participante, o estudante de doutorado em economia Gilberto Nogueira, 29, não era negro e que estava errado ao afirmar que sofreu racismo no ambiente acadêmico, experiência relatada por Gilberto na casa. Nego Di foi eliminado da casa com mais de 98% dos votos do público, uma rejeição recorde.
As atitudes têm sido amplamente criticadas pelos telespectadores nas redes sociais. Gilberto e Lucas protagonizaram o primeiro beijo gay da história do BBB, mas o episódio que poderia ser um marco da diversidade acabou com a saída de Lucas do programa: o jovem decidiu sair por não ser aceito e para explicar a bissexualidade à família fora do reality.
A onda de hate (ódio espalhado pelas redes sociais), segundo a pesquisadora Kelly Quirino, é resultado de uma falta de representatividade histórica. “Somos negros e plurais, e por negros não terem espaço na mídia, é um choque o público ver que temos pluralidade de pensamento, de partidos políticos, religiões e classe. Isso porque somos humanos”, afirma.
“É legal a oportunidade de verem que somos plurais, é algo muito rico. Mas, como estamos nessa onda de polarização, em que ou somos totalmente maus ou totalmente bons, há esses ataques”, conta. “Posso não concordar com eles (integrantes do BBB com atitudes criticadas), como não concordo, mas é legítimo eles terem o direito de serem como são. Mas como o racismo é perverso, não se pode ter tantos pretos que pensam diferente, erram e agem fora do esperado”, declara.
Conflitos raciais
As falas dos participantes que questionam a cor de Gilberto mostram como o racismo coloca pretos em conflito entre si. “A discussão sobre colorismo é violenta, porque ficamos entre nós, definindo quem é ou não é preto, e não conseguimos nos juntar para vencer o racismo”, afirma.
“Pretos não são racistas, mas podem reproduzir preconceitos, como no caso da (cantora) Pocah, que reproduziu a imagem de homem negro violento ao falar que o Lucas estava com cara de demônio na discussão”, disse sobre a cantora de 26 anos.
Para Kelly, o reality é um alerta para a comunidade negra. “O BBB mostra a importância da saúde mental e as consequências do racismo em pessoas pretas. Muitos ali precisam de cuidado, como o Lucas e a Karol Conká. Precisamos nos cuidar”, afirma.
Saiba mais
Há pouco mais de um mês, a revelação dos nomes dos participantes do Big Brother Brasil 21 movimentou as redes sociais. Além da expectativa para o começo do reality, internautas repercutiram a descoberta do grande número de negros no programa. Em 21 edições, o show da Rede Globo nunca tinha dado tanto espaço para pretos e pardos. O ano com maior participação até então tinha sido 2019, quando houve cinco integrantes negros.
Muitos acreditaram que a maior diversidade racial no programa, em 2021, era reflexo da grande onda de protestos e mobilização social vista em 2020, a partir da morte do estadunidense George Floyd. De certa forma, a afirmação é verdadeira, mas não por iniciativa brasileira. A Rede Globo segue a nova regra da detentora dos direitos do formato do reality, a CBS Entertainment, que determinou, em novembro do ano passado, que o elenco de 20 integrantes do reality deve ser composto por, ao menos, 50% de negros, mestiços ou indígenas.
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Contratações de negros dobraram em grandes empresas
Contratações de estagiários, trainees e jovens executivos negros dobraram em 2020. A constatação é de pesquisa feita pelo grupo Cia de Talentos, que registrou aumento de 118% em vínculos trabalhistas deste grupo em relação a 2019. De acordo com o levantamento, 42% das contratações de empresas como Bayer, Itaú, Nestlé, Pepsico, Telefônica Vivo e Unilever se referiam a pessoas negras. O crescimento é resultado do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros Universitários do Ministério Público do Trabalho (MPT), feito entre o órgão, empresas e consultorias de recrutamento.
Banco se retrata e contratará 2 mil negros
O banco digital Nubank anunciou que planeja contratar 2 mil pessoas autodeclaradas pretas ou pardas até 2025. As contratações fazem parte do plano da empresa para garantir um ambiente de trabalho com ao menos 30% de funcionários negros e ao menos 22% pessoas pretas ou pardas em cargos de gerência. Hoje, 23% dos funcionários e 18% dos gerentes se autodeclaram pretos ou pardos.
Nos próximos anos, a empresa avalia que o time de RH analisará, em média, 2 mil currículos de candidatos por semana. O anúncio veio depois de um vexame. Em outubro de 2020, Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, participou do programa Roda Viva e uma fala da empresária repercutiu negativamente na internet. Cristina afirmou que tem “dificuldade de encontrar candidatos negros adequados para as exigências das vagas na empresa”. Após a repercussão negativa, ela publicou um vídeo em retratação e pediu desculpas.
Informe-se!
Casos de injúria racial oficializados
Em Salvador, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-BA) condenou a rede de farmácias Pague Menos a indenizar em R$ 10 mil uma balconista por ter sido chamada de “nega feia” por um farmacêutico da empresa. No DF, a Polícia Civil indiciou Frederick Wassef, ex-advogado da família Bolsonaro, por crime de injúria racial contra a funcionária de uma pizzaria, em um shopping em novembro de 2020. A vítima, Danielle da Cruz de Oliveira, afirmou que foi chamada de “macaca” depois de Wassef reclamar da comida.
Proteção a quilombolas em julgamento no STF
Está em votação no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que garante a suspensão de ações de despejos e remoções de comunidades quilombolas no período pandêmico. A ADPF nº 742/2020, feita pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) em setembro de 2020, também solicita o acesso a testes diagnósticos de covid-19 e a implementação de um plano nacional de enfrentamento da pandemia entre a população quilombola.
O julgamento começou em 12 de fevereiro e o relator da ação, Marco Aurélio, aceitou parcialmente o pedido do grupo, como a definição de medidas emergenciais do Estado para conter a pandemia. Na quarta-feira (17/2), o ministro Edson Fachin votou favoravelmente à ADPF e reconheceu todo o pedido feito pela Conaq. Ele é o segundo magistrado a dar o parecer para a arguição.
Inspire-se e comemore!
Pioneira na liderança da OMC
A coluna Pretos no Topo parabeniza a nigeriana Ngozi Okonjo-Iwala, 66 anos, a primeira mulher a liderar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela também será a primeira mulher negra e a primeira mulher africana a ocupar o posto. O mandato da economista na OMC começa em 1º de março. Ngozi é da tribo nigeriana Ibo e fugiu do país para os Estados Unidos com os pais para não serem mortos no massacre na Guerra de Biafra, na década de 1960. Lá, ela se tornou doutora em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ngozi desbancou oito candidatos de todo mundo e deseja enfrentar as consequências da covid-19 na saúde e na economia.
Heroína virou Barbie
Em vida, Maya Angelou (1928-2014) foi a primeira mulher negra roteirista e diretora em Hollywood, integrante de vários movimentos civis americanos ao lado de Martin Luther King e jornalista nomeada ao prêmio Pulitzer. Agora, ela inspirará crianças ao ganhar uma versão da Barbie. A fabricante de brinquedos Mattel anunciou a boneca de Maya como a mais nova integrante da linha Mulheres Inspiradoras, que homenageia heroínas de seus tempos. Nos EUA, a boneca de Maya esgotou na pré-venda. Ainda não há previsão para chegada ao Brasil.
Aprenda!
Curso sobre racismo
Brancos, pretos e indígenas que querem saber a relação entre a questão racial e as transformações da sociedade contemporânea podem se inscrever no curso Racismo e política: questões contemporâneas. O curso é coordenado por Silvio Almeida e oferecido pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). Investimento: R$ 160, divididos em até cinco vezes, com aulas gravadas que ficam disponíveis até novembro deste ano. Inscrições podem ser feitas pelo site: iree.org.br/racismo.
Treinamento em diversidade e inclusão
Começa em março a 4ª edição do Treinamento Prático em Diversidade & Inclusão, ministrado por Cris Kerr, da CKZ Diversidade. O curso terá cinco encontros, um por mês, e termina em julho. As aulas serão às sextas-feiras, das 9h às 13h. O foco da capacitação é prático, para que os alunos possam levar todo o conhecimento adquirido e aplicar nas organizações onde atuam. O investimento é de R$ 4.620, mas há condições especiais para pessoas físicas. Saiba mais e se inscreva: ckzdiversidade.com.br.
Ouça!
CD exalta umbanda
A cantora e atriz Jéssica Ellen lançou, no fim de janeiro, o álbum Macumbeira, uma homenagem a entidades da umbanda. A playlist traz mensagens de amor e esperança aos ouvintes e uma canção com a atriz Zezé Motta. Ouça em: bit.ly/Macumbeira.
Podcast conscientizador
A importância da diversidade foi tema de episódio do podcast Seja Trainee e a convidada para falar sobre o assunto é Ana Minuto, consultora empresarial e especialista em diversidade racial. Em 40 minutos de conversa, Ana fala sobre o que é diversidade e o impacto da presença de profissionais plurais no mercado de trabalho. Ouça em: bit.ly/AnaMinutoPod.
Assista!
#MaratonaPreta
AmarElo, documentário do cantor e rapper Emicida, entrou na grade de obras da Netflix em dezembro e, de lá para cá, tem arrebatado usuários por meio do resgate das histórias de artistas e ativistas do movimento negro do país. Além desse, dois títulos chegaram à Netflix neste ano e têm agradado aos críticos.
O primeiro é Lupin, série sobre Assane Diop (Omar Sy), homem que perdeu o pai e busca vingança. Para isso, ele se inspira em Arsène Lupin, ladrão conhecido na literatura francesa. São 10 episódios eletrizantes, que são comparados com a série de sucesso La Casa de Papel.
O drama Malcolm & Marie retrata um conflito entre o diretor Malcolm (John David Washington) e a esposa Marie (Zendaya), após a pré-estreia do primeiro filme do cineasta. Marie critica o marido por expor as tragédias pessoais dela no filme e, ao se defender, Malcolm abre espaço para uma briga intensa do casal. O filme é composto por diálogos profundos e atuações poderosas.
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* Estagiárias sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa