VOLUNTARIADO

Presidiários recebem treinamento de inteligência emocional para recuperação

Um dos mais reconhecidos coachs do país, Paulo Vieira passou a ministrar treinamentos remotos e a beneficiar também presos e oficiais de segurança

Mateus Salomão*
postado em 31/01/2021 17:01
Detentos recebem o treinamento do método CIS através da internet no Presídio Estadual Metropolitano do Pará -  (crédito: Febracis / Reprodução)
Detentos recebem o treinamento do método CIS através da internet no Presídio Estadual Metropolitano do Pará - (crédito: Febracis / Reprodução)

Segundo o Sistema de Informação do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), o Brasil registrava mais de 702 mil detentos espalhados pelas unidades prisionais de todo o país nos primeiros seis meses de 2020, quando Paulo Vieira, 53 anos, começou a estender seu treinamento de coaching para dentro das prisões.

Por meio da aplicação do método que inventou, o Coaching Integral Sistêmico (CIS), ele busca utilizar a inteligência emocional para ajudar a reestruturar a vida e a carreira dos presidiários, bem como para oferecer suporte a oficiais de segurança.

A iniciativa de oferecer o método CIS gratuitamente em cinco edições on-line durante 2020 beneficiou 11.357 pessoas, o que inclui adictos, detentos e operadores de segurança.

Escritor de 11 livros, dos quais nove best-sellers, Paulo Vieira já havia tido uma experiência de trabalho voluntário em julho de 2010, quando ofereceu treinamento na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL II), na cidade de Itaitinga (CE).

Na oportunidade, treinou presos com ferramentas de inteligência emocional e, segundo ele, a mudança de comportamento foi significativa. “Quando surgiu a pandemia, veio a oportunidade de nós treinarmos mais e mais pessoas, de nos voluntariarmos com o nosso trabalho de inteligência emocional”, afirma. “Treinamos milhares de detentos em todo o Brasil”, comemora.

O investimento nos detentos busca torná-los capazes de se reerguer e se reinserir na sociedade após o cárcere. O autor acredita ser possível evitar a reincidência por meio de ferramentas de inteligência emocional e de uma reconfiguração da mentalidade. “Hoje, a inteligência emocional é a habilidade mais importante neste mundo que nós vivemos”, pontua o coach.

Treinamentos de Paulo Vieira, durante a pandemia, estão sendo ministrados de maneira remota
Treinamentos de Paulo Vieira, durante a pandemia, estão sendo ministrados de maneira remota (foto: Febracis / Reprodução)

Nós temos atestado isso: detentos com mudanças de comportamento tremendas, como a socialização, o respeito mútuo, a pacificação entre eles. Tem sido algo extraordinário.”


Nós temos atestado isso: detentos com mudanças de comportamento tremendas, como a socialização, o respeito mútuo, a pacificação entre eles. Tem sido algo extraordinário.”


Quando surgiu a pandemia, veio a oportunidade de nós treinarmos mais e mais pessoas, de nos voluntariarmos com o nosso trabalho de inteligência emocional. Treinamos milhares de detentos em todo o Brasil ”


Nós temos atestado isso: detentos com mudanças de comportamento tremendas, como a socialização, o respeito mútuo, a pacificação entre eles. Tem sido algo extraordinário. ”


“ É possível diminuir a reincidência criminal apostando na inteligência emocional dos detentos. Obviamente, será mais fácil se a pessoa tiver inteligência emocional e uma profissionalização, como saber fazer pães, costurar, ou algum tipo de ofício. Sem inteligência emocional, será muito difícil se reinserir na sociedade. ”

Paulo Vieira, coach


As cinco edições do CIS on-line, realizado durante a pandemia, atingiram gratuitamente 11.357 pessoas, entre elas:

521
adictos

236
beneficiados pelo Instituto Paulo Vieira, atuante em Maracanaú (CE), com a finalidade de atender jovens e suas famílias com atividades esportivas

82
surdos

3.727
detentos espalhados em

82
unidades prisionais

6.791
operadores de segurança

Treinamento transmitido por vídeo

Pelos cálculos da Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (Febracis), empresa fundada e presidida por Vieira que treina 16 mil pessoas a cada mês, o último treinamento contou com a participação de 867 detentos, que assistiram ao curso transmitido pela internet.

A ação, que atingiu 82 unidades prisionais, é totalmente voluntária ao incluir detentos no mesmo curso feito por pagantes, que desembolsam cerca de R$ 1.500 cada um pelas lições do coach on-line. Porém, Paulo reforça que, para o público restrito de liberdade, os resultados são ainda mais significativos.

“É possível diminuir a reincidência criminal apostando na inteligência emocional dos detentos. Obviamente, será mais fácil se a pessoa tiver inteligência emocional e uma profissionalização, como saber fazer pães, costurar, ou algum tipo de ofício”, pondera Paulo Vieira. “Sem inteligência emocional, será muito difícil se reinserir na sociedade.”



Treinar a mente

O método CIS aposta que o sucesso está em tornar claros os objetivos e treinar a mente em prol da conquista. Ou seja, busca-se um alinhamento entre os objetivos e as emoções. Segundo o coach, para a vida dos detentos vale o mesmo.

No treinamento, busca-se reformular a mentalidade daqueles que se veem como “marginais” para que optem por outra forma de viver. “Grande parte dos detentos têm uma mente ‘criminosa’, têm oportunidade de trabalhar, têm a oportunidade de não roubar, mas optam pelo crime porque pensam de maneira marginal e se sentem marginais”, afirma.

Entre as técnicas que Paulo Vieira busca colocar em prática nos encontros para que as pessoas atinjam seus objetivos, como o sucesso profissional, está o que o autor chama de “refazer as crenças”. Segundo ele, um passo importante da inteligência emocional é reprogramar as crenças quanto a si mesmo e o próprio potencial que foram deturpadas durante a vida pelo ambiente ou pelo que outras pessoas disseram.

“O problema humano está na estrutura emocional e na identidade de quem ele é. Quem faz coisas erradas é porque se vê como uma pessoa errada, quem rouba é porque se vê como ladrão, quem furta é porque se vê dessa maneira”, ressalta.

Paulo afirma que é possível mudar comportamentos e pensamentos e exemplifica isso ao comparar o cérebro humano a um computador: “Entendemos que o cérebro humano é programável e reprogramável.”


702.069
Detentos alocados nas unidades prisionais brasileiras

15.090
Presos no DF


Quem é Paulo Vieira?


Criador do método CIS (coaching integral sistêmico), que já impactou mais de 950 mil pessoas, o cearense Paulo Vieira é fundador e presidente da Febracis, segundo ele, a maior instituição de coaching do mundo. É graduado e doutor em administração de empresas pela Florida Christian University, além de mestre em coaching pela mesma instituição. Fez MBA em marketing no Instituto Português de Administração de Marketing. Recentemente, ele se mudou para São Paulo.

Próximo treinamento


A 219ª edição do método CIS será on-line e está programada para ocorrer de 19 a 21 de fevereiro e de 27 a 28 de fevereiro. O investimento é de R$ 1.497 pelos dois fins de semana. Saiba mais: febracis.com. Ligando para 0800-280-3155, os leitores do Correio terão desconto especial.

As emoções de agentes da segurança pública

No outro extremo da segurança pública, policiais também são foco no treinamento de Paulo Vieira. Além da alta letalidade, a polícia brasileira também se encontra exposta a diversas agressões emocionais no trabalho.

Como aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 110 policiais civis e militares foram assassinados no primeiro semestre de 2020. Com atenção a esses indicadores, o coach busca ajudar na redução do impacto do estresse e da pressão diários.

Paulo Vieira lembra que o treinamento gratuito a policiais é comum nos eventos. Por meio de uma ponte com o alto escalão das polícias, ele recebe os agentes com maior necessidade de passarem pela capacitação.

Com a pandemia e o modelo remoto de palestras, viu a oportunidade de ampliar o impacto nesse público. A Febracis informa que, no último treinamento, foram alcançados 2.069 operadores de segurança.

Paulo pontua que não atua na cura de quadros depressivos. A ação do master coach se limita a ensinar ferramentas de inteligência emocional para que o estresse não domine a vida dos agentes de segurança.

“O processo de estresse é tão alto que ele não tem nem tempo de se recuperar”, pondera. O coach acredita que ensinar inteligência emocional ajuda na performance tanto no ambiente profissional quanto no familiar.

O 2° sargento Ednaldo Magalhães conta que, a partir da experiência que teve, decidiu levar conhecimento a outros policiais
O 2° sargento Ednaldo Magalhães conta que, a partir da experiência que teve, decidiu levar conhecimento a outros policiais (foto: Arquivo Pessoal)

O 2º sargento da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Ednaldo Magalhães, 45 anos, aderiu ao método CIS após ter passado por um período de problemas emocionais. Envolveu-se em todos os cursos de Paulo Vieira, por querer entender sobre o assunto e se formou master coach.

Atualmente, Ednaldo replica, gratuitamente, os conhecimentos para policiais militares e seus familiares por meio do Instituto de Desenvolvimento do Policial Militar (IDPM), fundado em agosto de 2018 em Brasília.

“Quando fiz todo o programa, tive uma evolução muito grande. Então, pensei: eu vou levar isso para mais policiais militares também”, conta.

O subtenente da reserva Paulo Borges afirma que mudou a forma de encarar a vida após o treinamento
O subtenente da reserva Paulo Borges afirma que mudou a forma de encarar a vida após o treinamento (foto: Marquezan / Reprodução)

Participante de treinamentos no instituto, o subtenente da reserva da PMDF Paulo Borges, 48, diz que mudou a forma de encarar a vida e os obstáculos para uma “perspectiva de vitórias”.

Ele conta que aderiu ao treinamento por entender que seria uma grande oportunidade de aprendizado. “Vi que podia aprimorar mais ainda o contato e a forma de tratar meus familiares, amigos e colegas de trabalho”, conta.

Agentes de salvamento inclusos

O cabo bombeiro Gabriel Vinicius Lobato Ribeiro aderiu aos treinamentos após a atuação nos salvamentos em Brumadinho
O cabo bombeiro Gabriel Vinicius Lobato Ribeiro aderiu aos treinamentos após a atuação nos salvamentos em Brumadinho (foto: Arquivo Pessoal)

Gabriel Vinicius Lobato Ribeiro, 36, é bombeiro militar no Rio de Janeiro e participou do método CIS quando os encontros eram presenciais. O convite da Febracis surgiu após ter atuado nos resgates às vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho (MG).

Gabriel ressalta que as lições do treinamento de Paulo Vieira poderiam ter sido uma ajuda a mais nas operações de salvamento. “No meu caso, (o impacto do método CIS) foi muito mais o autoconhecimento”, pontua o bombeiro militar que também atuou nos resgates dos desabamentos na comunidade da Muzema, no Rio de Janeiro.

Ao estar bem consigo mesmo, ele acredita que poderá desempenhar melhor o próprio trabalho, tão fundamental para salvar vidas. “Temos que entender que precisamos estar fortes e plenos, à medida do possível, para somar na vida de alguém, ajudar alguém. E eu amadureci muito isso no curso.”

Palavra de especialista

Método à luz da psicologia

.
. (foto: Arquivo Pessoal)

“Os métodos de coaching podem ser eficazes. Muitas das ferramentas utilizadas pelos coaches, ao menos pelo que se tem das divulgações feitas, são originárias de teorias e técnicas já utilizadas há bastante tempo dentro de áreas do conhecimento, como psicologia, neurociência, e, para alguns casos, até conceitos de saúde física.

No entanto, é preciso haver uma preocupação prévia com a adequação das ferramentas utilizadas nas sessões para cada cliente. Como cada caso é um caso, pode ser que uma ferramenta conhecidamente eficiente seja aplicada a uma situação em que não provocará resultados positivos. Ou, eventualmente, pior: pode até agravar algum problema.

No caso concreto, um mesmo treinamento de inteligência emocional pode ou não funcionar para grupos muito diferentes. Por isso, precisa ser realizado por um profissional com conhecimento profundo do tema, que utilizará as técnicas mais adequadas e respeitará as particularidades das pessoas e as características populacionais e grupais dos participantes. Assim, poderá atingir resultados positivos.

Em alguns pontos, o coaching tem invadido o campo da psicologia e, talvez, de outras áreas do conhecimento. Além disso, falta regulamentação e um órgão central que promova orientação e fiscalizações. Isto costuma melhorar muito a qualidade dos serviços oferecidos, garantir um mínimo de confiabilidade aos procedimentos aplicados e coibir ações exageradas ou abusivas por parte de alguns profissionais, algo positivo para a clientela dos coaches.”

Társis Malta, psicólogo e membro do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP/DF 01/12655)

Profissão de coach em risco?

Publicação: 31/01/2021 04:00

Segundo estudo da plataforma de emprego e avaliação de empresas Glassdoor, a profissão de coach pode deixar de existir, pois foi listada no rol das ocupações em risco de extinção. O levantamento leva em conta dados de outubro de 2019 em comparação com dados do mesmo mês de 2020. A explicação para a redução de 47% da oferta de cargos é o impacto da pandemia de covid-19. Estão também na lista outras 21 profissões.

O estudo, que considera somente informações dos Estados Unidos, explica que a diminuição da procura pela área de serviços pessoais, em que o coach se encaixa, levou à queda na procura por esse profissional. A tendência é que a área retorne aos patamares anteriores somente após a vacina.


Confira o ranking das 10 ocupações com maior risco de extinção segundo o levantamento:

Posição Profissão Redução de oferta

Audiologista -70%

Coordenador de eventos -69%

3°. Demonstrador de produtos -63%

4°. Oculista -61%

5°. Chefe de cozinha -56%

6°. Executivo assistente -55%

7°. Consultor de beleza -53%

8°. Manobrista -51%

9°. Estilista -50%

10°. Coach -47%

Fonte: Glassdoor Workplace Trends 2021

Startup investe em inclusão e ressocialização

Startup aposta na inclusão. Na foto, os fundadores da startup Daniela Lana e Gregório Salles
Startup aposta na inclusão. Na foto, os fundadores da startup Daniela Lana e Gregório Salles (foto: RestartUs / Reprodução)

Com foco na redução da dificuldade na inserção de grupos marginalizados no mercado de trabalho, a startup australiana RestartUs — Recomeçando Vidas lançou uma plataforma que conecta empreendedores e candidatos e oferece treinamento aos cadastrados.

O público-alvo são pessoas vulneráveis, que sofrem preconceitos raciais, de classe ou mesmo que já tiveram alguma condenação na Justiça e que tentam entrar ou se reinserir no mercado de trabalho.

A ideia surgiu depois de os criadores da startup, que são brasileiros, perceberem que as plataformas já consolidadas no mercado não promovem a inclusão de forma efetiva.

“Esse grupo social (de pessoas marginalizadas) soma mais de 3 bilhões de seres humanos pelo mundo, já conectados à internet e íntimos de ferramentas como WhatsApp e Facebook, mas passando por problemas muito parecidos na hora de começar ou recomeçar profissionalmente”, pontua o cofundador Gregório Salles, 40 anos.

A RestartUS atua no Brasil e está em rota de expansão na Austrália, em Portugal e nos Estados Unidos. “Está aberta a usuários, familiares e amigos, projetos sociais, pequenos negócios, empreendedores e empresas. Enfim, a todos que buscam empregar, obter emprego, capacitação, inclusão no mercado de trabalho e ajudar as comunidades”, ressalta. Para mais informações e realizar o pré-cadastro, acesse: restartus.org/recomecandovidas.

 

*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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