INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO

86.731 vagas de aprendiz foram fechadas entre abril e novembro de 2020

Corte contribui para o aumento da informalidade, do trabalho infantil bem como do desemprego da juventude, faixa com maiores índices de desocupação

Ana Paula Lisboa
Vitória Silva*
postado em 17/01/2021 14:42
Entre abril e novembro de 2020, a partir da pandemia, mais de 86 mil postos do tipo foram fechados, o que contribui para o aumento da informalidade, do trabalho infantil bem como do desemprego da juventude, faixa com maiores índices de desocupação -  (crédito: Reprodução)
Entre abril e novembro de 2020, a partir da pandemia, mais de 86 mil postos do tipo foram fechados, o que contribui para o aumento da informalidade, do trabalho infantil bem como do desemprego da juventude, faixa com maiores índices de desocupação - (crédito: Reprodução)

A Lei da Aprendizagem acaba de completar duas décadas em meio a um cenário de apagão de vagas da modalidade a partir da pandemia. Entre abril e novembro do ano passado, foram fechadas 86.731 vagas de jovens aprendizes. No total, cerca de 131 mil aprendizes foram admitidos, contra 218 mil demitidos.

O saldo negativo é um recorde negativo histórico desde o início da legislação. Antes disso, o pior resultado entre abril e novembro tinha sido em 2016, quando o saldo ainda era positivo, com abertura de 14.476 postos de trabalho.

Os dados são de levantamento da Kairós Desenvolvimento Social, com base nos microdados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. A avaliação da Kairós é a de que a crise sanitária “dizimou o emprego formal para adolescentes e jovens de baixa renda”.

De acordo com os dados mais atuais da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), de dezembro de 2019, o total de aprendizes de 14 a 24 anos contratados no país era de 470 mil. Com o saldo negativo de 2020, a Kairós estima que, em novembro de 2020, o total de jovens aprendizes no país estivesse em torno de 413 mil.

"Isso é uma tragédia social, que atinge a renda das famílias mais pobres e estimula a ida desses jovens e adolescentes para o mercado informal, sem garantias, sem formação técnica e sem permanência na escola, que são garantidas pela lei da aprendizagem" Elvis Cesar Bonassa, diretor da Kairós Desenvolvimento Social
"Isso é uma tragédia social, que atinge a renda das famílias mais pobres e estimula a ida desses jovens e adolescentes para o mercado informal, sem garantias, sem formação técnica e sem permanência na escola, que são garantidas pela lei da aprendizagem" Elvis Cesar Bonassa, diretor da Kairós Desenvolvimento Social (foto: Arquivo Pessoal)

Para Elvis Cesar Bonassa, diretor da Kairós Desenvolvimento Social, responsável pelo levantamento e pelo cálculo dos dados, trata-se de uma “tragédia social” o quadro de extermínio de postos de aprendiz iniciado em abril, quando os efeitos da pandemia começaram a ser sentidos no mercado de trabalho.

Isso porque os aprendizes de 14 a 24 anos constituem um grupo de vulnerabilidade, pois essas vagas são destinadas por lei a pessoas de baixa renda. Ao ser contratado como, além do salário, existe garantia de formação profissional e de permanência na escola.

“Isso é uma tragédia social, que atinge a renda das famílias mais pobres e estimula a ida desses jovens e adolescentes para o mercado informal, sem garantias, sem formação técnica e sem permanência na escola, que são garantidas pela lei da aprendizagem”, afirma.

Ele lamenta que o governo não tenha tomado medidas para proteger esse grupo e que as empresas não tenham tido a responsabilidade social de manter as vagas. Por isso, o pesquisador acredita que esses jovens trabalhadores deveriam receber atenção prioritária nas políticas de emprego.

Consequências graves

"Quando o jovem não tem uma oportunidade e vê a sua família também com dificuldades, muitas vezes vai para o trabalho irregular, sem proteção" Marcelo Gallo, superintendente do Ciee
"Quando o jovem não tem uma oportunidade e vê a sua família também com dificuldades, muitas vezes vai para o trabalho irregular, sem proteção" Marcelo Gallo, superintendente do Ciee (foto: Edith Schmidt/Divulgação)

Marcelo Gallo, superintendente Nacional de Operações do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), avalia que o apagão das chances para jovens aprendizes pode ter consequências agravadoras para o desemprego da juventude e lembra a importância da Lei da Aprendizagem para combater o trabalho infantil e tirar jovens da condição de nem-nem.

“São vagas perdidas que demandarão certo tempo para serem recuperadas e isso afeta gravemente a questão do trabalho infantil. Quando o jovem não tem uma oportunidade e vê a sua família também com dificuldades, muitas vezes vai para o trabalho irregular, sem proteção”, explica.

Nessa situação, o jovem está sujeito a todo tipo de risco e está num contexto que favorece a evasão escolar, de acordo com Marcelo Gallo. A própria pandemia também deve desencadear um afastamento das salas de aula de muitos estudantes, segundo análises de especialistas em educação.

“No Brasil, hoje, aproximadamente 40% dos estudantes evadem no ensino médio. É muito desperdício de talento e capacitação, e um prejuízo para a sociedade, como um todo”, lamenta o superintendente.

Recuperação?

Em novembro do ano passado, foi registrado leve aumento no número de vagas para aprendizes: foram 4,6 mil oportunidades criadas no país. Questionado sobre a perspectiva para os próximos meses, Elvis Cesar Bonassa diz que é possível, sim, que haja uma tendência de recuperação. “Mas, na nossa avaliação, isso será insuficiente para repor as perdas causadas pela pandemia, ainda mais porque a economia brasileira não está dando sinais de retomada forte”, pondera.

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Igor Vovchenco, especialista em programas de aprendizagem da Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renapsi), e Antônia Maria Ribeiro, gerente de projetos e programas do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Distrito Federal (Senac-DF), afirmam que num primeiro momento de retomada da economia haverá, sim, uma retração e uma dificuldade na abertura de vagas para jovens aprendiz. No entanto, acreditam que, posteriormente, o número de contratados crescerá, impulsionado pelo surgimento de novas profissões demandas pelo cenário pós-covid-19.

Demissões e falta de reposição

A redução do número de aprendizes no país se deve tanto a demissões quanto a casos de contratos encerrados sem reposição de vagas. Assim, também se torna ainda mais difícil para jovens em busca do primeiro emprego conseguirem uma oportunidade do tipo.

Uma das grandes vantagens do programa é que, além de servir como porta de entrada para o mercado de trabalho, dá ao participante uma formação técnica ao término do contrato.

À medida que empresas diminuem o quadro de funcionários devido à crise, também se reduz a quantidade de jovens aprendizes que elas são obrigadas a manter e, consequentemente, aumenta o desemprego juvenil.

A Lei da Aprendizagem estabelece uma cota de contratação com base no total de empregados de empresas de médio e grande porte, que varia de 5% a 15%. Quanto menor o número de profissionais na firma, menor será o de aprendizes. Antes da pandemia, já era difícil garantir o cumprimento da cota. E isso se torna mais desafiador agora.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, em 2017, o número de aprendizes contratados (386 mil) correspondia a uma cota efetiva de 2% da força de trabalho de referência, quando o mínimo seria de 964 mil (para cota mínima de 5%) e 2,9 milhões (para cota máxima de 15%).

Impacto no DF

Elenilson Arara, supervisor do Ciee em Brasília
Elenilson Arara, supervisor do Ciee em Brasília (foto: Arquivo Pessoal)

O apagão de oportunidades de aprendiz ocorreu em todas as unidades da Federação. No DF, o total de vagas perdidas entre abril e novembro de 2020 foi de 1.719 vagas. No período, 2.723 jovens foram admitidos e 4.442, demitidos na capital federal, de acordo com o levantamento da Kairós.

Supervisor do Ciee em Brasília, Elenilson Arara relata que houve uma queda notória no número de aprendizes em atividade no Distrito Federal. Segundo ele, a redução foi superior a 20% no volume de contratação de aprendizes comparando os anos de 2020 e 2019. “Já tivemos 3.500 aprendizes, e esse número, hoje, caiu para 2.700”, revela.

Cerca de 100 mil estudantes aguardam por vagas de aprendizagem no banco do Ciee no DF, uma vez que a demanda é bem maior que a oferta. No Brasil todo, o Ciee é responsável por 43 mil contratos de aprendizagem, 30% a menos que o total de 2019. A queda nacional e local se deve a contratos que foram se encerrando sem que houvesse reposição de vagas.

Segundo a instituição, a não renovação de vagas já existentes é o principal fator para a retração. Desde o início da pandemia, o número de empresas parceiras na aprendizagem do Ciee no DF apresentou retração de 11,85%.


Confira quem são e o que estão fazendo pessoas que foram jovens aprendizes

81%
Precisam contribuir com a renda familiar

76%
Continuam trabalhando ou estudando após a finalização do período na empresa

69,5%
Declaram-se pretos ou pardos

54%
São oriundos de lares com renda total de até três salários mínimos

53%
Permanecem no mundo do trabalho

53%
Acreditam que a experiência contribuiu para o crescimento profissional

47%
Estão estudando

Fontes: Ciee e Datafolha


Entenda


Oportunidade do primeiro emprego

» Por meio do programa federal Jovem Aprendiz, jovens de 14 a 24 anos podem ter acesso ao primeiro emprego, além de desenvolver habilidades necessárias no ramo profissional. A iniciativa é fruto da Lei da Aprendizagem, nº 10.097 de 19 de dezembro de 2000, medida pública que combate a evasão escolar e o trabalho infantil no país.


» O artigo 428 da lei explica que o contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico; enquanto o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.

Teletrabalho

Para amenizar o cenário de desemprego entre os aprendizes durante a pandemia, o governo federal incluiu a aprendizagem nas medidas provisórias voltadas à manutenção de empregos durante o estado de calamidade pública, que parou de valer no fim do ano.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Aprendizagem de agosto de 2020, 52% dos aprendizes no mercado de trabalho tiveram o contrato suspenso e apenas 23% permaneceram ativos na modalidade home office. As normas, no entanto, não interromperam o declínio de vagas da categoria.

Valendo desde 1º de janeiro deste ano, a portaria nº 24.471, de 1º de dezembro de 2020, do Ministério da Economia, autoriza que atividades teóricas e práticas dos programas de aprendizagem profissional sejam feitas na modalidade a distância. A regra vale até 30 de junho.

Contudo, de acordo com o advogado especialista em direito e processo do trabalho e professor da plataforma de estudos MeuCurso e da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rafael Camargo Felisbino, a portaria autoriza em caráter excepcional o teletrabalho, desde que as funções dos jovens sejam compatíveis com tal modalidade, o que pode gerar alguns embates.

“Muitas empresas gostariam de manter os jovens aprendizes, tendo em vista as medidas de prevenção e contenção do vírus. Entretanto, o impacto desta portaria será a rescisão do contrato de muitos, pois ela determina que o teletrabalho ou o home office deles só poderá ser realizado 'excepcionalmente', portanto as empresas que não se enquadrarem terão de dispensar esses jovens”, complementa o advogado.

Adaptação da aprendizagem

Assim como outros trabalhadores, jovens aprendizes também foram impactados e precisaram se adaptar à pandemia de coronavírus. Essa categoria profissional, diferentemente da modalidade estágio, conta com carteira de trabalho assinada.

Em geral, os aprendizes passam quatro dias trabalhando na empresa e um dia numa instituição de aprendizagem, em que fazem um curso profissionalizante. Dependendo do programa, podem ser três dias de trabalho e dois de formação.

Durante a crise sanitária, em muitos casos, ambas as jornadas passaram a ser feitas a distância. Em algumas instituições, a jornada laboral foi retomada fisicamente. Supervisor do Centro de Integração Empresa-Escola em Brasília, Elenilson Arara explica que o treinamento fornecido aos aprendizes continua de maneira remota.

A jovem aprendiz Lorranny Torres trabalha presencialmente e faz a capacitação a distância
A jovem aprendiz Lorranny Torres trabalha presencialmente e faz a capacitação a distância (foto: Arquivo Pessoal)

Lorranny Torres, 18 anos, jovem aprendiz pelo Ciee na área de recursos humanos da Clínica Villas Boas, relata como tem sido a dinâmica. Por ser maior de idade, ela foi autorizada a voltar às atividades de trabalho presenciais na empresa.

Assim, faz a distância apenas a capacitação. “Continuamos tendo nossas capacitações teóricas. Fazemos cursos por meio da plataforma Saber Virtual. Tem sido muito útil!”, diz. Ainda assim, Lorranny sente falta da interação com os colegas e da dinâmica presencial do curso.

O jovem aprendiz Guilherme Freitas ficou um tempo afastado do trabalho, mas já voltou às atividades presenciais
O jovem aprendiz Guilherme Freitas ficou um tempo afastado do trabalho, mas já voltou às atividades presenciais (foto: Arquivo Pessoal)

Guilherme Freitas, 18 anos, jovem aprendiz na empresa telefônica Vivo, teve experiência semelhante. Ele conta que, no começo da pandemia, as atividades presenciais foram suspensas por tempo indeterminado, mas não houve corte de salários ou benefícios.

“A empresa ofereceu todo o suporte para os colaboradores”, diz. Há certo tempo, as atividades presenciais foram retomadas “em carga horária reduzida com todo o cuidado indicado pelo governo para o retorno”, segundo ele.

Migração

Anna Beatriz Waehneldt, diretora de educação profissional do Departamento Nacional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) afirma que a instituição organizou diversas iniciativas para suprir as demandas emergenciais.

“Muitos departamentos regionais optaram por dar prosseguimento às atividades educacionais de forma remota, utilizando internet e outros recursos digitais com mediação docente ou, em casos excepcionais, nos quais os alunos não tinham acesso digital, por meio da produção de materiais impressos”, conta.


Autorizações emergenciais

As medidas provisórias que impactaram o contrato do jovem aprendiz no ano passado são as seguintes: n° 927, de 22 de março de 2020, e n° 936, de 1º de abril de 2020, que estão revogadas. Elas autorizavam teletrabalho, antecipação de férias e feriados, atividades remotas, redução da jornada de trabalho e do salário do aprendiz e suspensão de contratos por até 60 dias. As normas tornaram proibidas atividades práticas e teóricas presenciais para menores de idade durante o período de combate à covid-19. Além disso, previam que o aprendiz não poderia ter o contrato rescindido de forma antecipada, a não ser que fosse a pedido do jovem ou por causa de algum motivo permitido: quando o aprendiz completasse 24 anos; tivesse desempenhado insuficiente ou inadaptação; cometesse falta disciplinar grave; ou tivesse ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo.

Concorrência em alta

A pandemia criou um cenário de fragilização para os jovens e impulsionou a busca por uma vaga de estágio ou aprendizagem. É o que concluiu estudo socioeconômico da Companhia de Estágios, com mais de 5.155 pessoas. A alta do desemprego, consequência da crise de covid-19, fez com que muitos estudantes passassem a contribuir no orçamento de casa.

O número de pessoas procurando trabalho para ajudar a família, portanto, aumentou no último ano: pulando de 17% para 20%. Além disso, o índice de pessimismo em relação ao ingresso no mercado de trabalho cresceu 100% entre os mais jovens — saltando de 9%, em 2019, para 18%, em 2020.

Embora o quadro pandêmico seja de certo modo desanimador, vagas ainda são abertas, como explica Igor Vovchenco, especialista em programas de aprendizagem da Renapsi. “Neste momento de retração econômica, as oportunidades diminuíram para os jovens, porém muitas empresas têm contratado aprendizes, pois acreditam na transformação que o jovem pode trazer para as organizações.”

Antônia Maria Ribeiro, gerente de projetos e programas do Senac, acrescenta que, de fato, no início da pandemia houve uma retração nas contratações, pois as empresas precisaram se ajustar ao novo quadro pandêmico e oferecer amparo a todos os contratados. Contudo, a gerente revela que o Senac começou a abrir novas vagas para turmas de aprendizagem e que as empresas retomaram as contratações.


Perfil dos candidatos

69%

Quantidade de candidatos a vagas de jovem aprendiz que está interessado primordialmente no aprendizado

20%
Quantidade de candidatos a vagas de jovem aprendiz que está interessado primordialmente na chance de efetivação

8%
Quantidade de candidatos a vagas de jovem aprendiz que está interessado primordialmente no salário

Fonte: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe)

Em busca de uma chance

Apesar do cenário pandêmico continuar, de acordo com o Centro de Integração Empresa-Escola, o primeiro trimestre do ano é a melhor época para procurar chances de aprendizagem e estágio. Atualmente estão abertas mais de 60 mil vagas para estagiários e aprendizes. As oportunidades são provenientes do chamado período sazonal, quando os contratos chegam ao fim ou o estudante encerra a graduação.

Alana Kerolyne, 15 anos, está em busca da primeira oportunidade de emprego no programa jovem aprendiz
Alana Kerolyne, 15 anos, está em busca da primeira oportunidade de emprego no programa jovem aprendiz (foto: Arquivo Pessoal)

Alana Kerolyne Silva, 15 anos, está em busca de uma vaga de jovem aprendiz como passaporte para ingressar no mercado de trabalho. A adolescente está finalizando o ensino fundamental no Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás José De Alencar, no Novo Gama (GO).

Ela começou a busca este mês, após perceber maior flexibilização do isolamento social. “Se eu tivesse começado ano passado, seria praticamente impossível (conseguir alguma coisa) com a pandemia”, acredita. “Estou tentando vários programas de jovem aprendiz e estágios, mas até agora nada”, diz. Alana acha que agora, mais do que nunca, a busca está acirrada por causa da quantidade de desempregados que aumentou com a pandemia.

A estudante mora com a avó e a irmã e conta que a experiência como jovem aprendiz, além de ser útil para a vida profissional, viria a calhar para ajudar nas despesas da família. “Eu acredito que vou ter um crescimento profissional e aprender coisas que ainda não sei. E também vou poder ajudar aqui em casa. É pouco, mas pelo menos é uma ajuda a mais.”

PL tenta aumentar duração dos contratos

Proposta dos senadores Mara Gabrilli e Rodrigo Cunha tenta diminuir prejuízos da pandemia na experiência
Proposta dos senadores Mara Gabrilli e Rodrigo Cunha tenta diminuir prejuízos da pandemia na experiência (foto: Câmara dos Deputados/Divulgação)

A taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos atingiu 31,4%, no terceiro trimestre de 2020, é o que revela a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). O percentual é mais que o dobro da taxa geral do país: 14,6%, equivalente a 14,1 milhões de desempregados em todas as faixas etárias.

No DF, a situação é parecida: 26,2% dos jovens estão desocupados, de acordo com estudo feito em agosto pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Na capital federal, o índice de desemprego observado para os habitantes no geral é de 15,6%, segundo dados da Pnad Contínua.

A aprendizagem busca justamente ajudar a reduzir as altas taxas de desemprego entre jovens, que tendem a aumentar com o apagão do programa. Para tentar conter esse movimento, tramita no Senado Federal um projeto de lei que visa a extensão dos contratos de jovens aprendizes e estagiários em até três anos enquanto durar a pandemia.

O PL nº 4.014/2020 é assinado pelos senadores Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Rodrigo Cunha (PSDB-AL). Segundo a legislação vigente, o programa de formação profissional não pode ultrapassar dois anos de duração. Entretanto, em função da pandemia, muitos contratos foram comprometidos, e até mesmo suspensos por certo tempo.

Proposta dos senadores Mara Gabrilli e Rodrigo Cunha tenta diminuir prejuízos da pandemia na experiência
Proposta dos senadores Mara Gabrilli e Rodrigo Cunha tenta diminuir prejuízos da pandemia na experiência (foto: Itawi Albuquerque/Reprodução)

O projeto tem o intuito de reduzir os danos e o desemprego na modalidade. A proposta foi apresentada em julho e aguarda ser encaminhada para comissões permanentes do Senado, que fazem o exame do mérito do texto. No portal e-Cidadania, em que cidadãos podem opinar sobre propostas legislativas, o projeto teve 645 votos favoráveis e quatro contrários.

“É fácil perceber que, com as interrupções, suspensões ou mesmo cancelamentos de aprendizagens e estágios, os treinamentos e programas restarão incompletos e os jovens, bem como os objetivos da legislação e desses programas, podem ficar frustrados. Isso pode trazer graves danos à formação dessas pessoas, retardando a absorção delas pelo mercado de trabalho ou mesmo deixando elas em desvantagem na competição por uma vaga de emprego”, argumentam os senadores na proposta.

“Infelizmente, é preciso dizer, que muitos jovens terão praticamente um ano de suas vidas perdidas. Nada mais justo que a extensão dos prazos para que eles possam recuperar essas perdas e retomar a normalidade da vida”, segue o texto. A alternativa poderia ajudar a diminuir por certo tempo o desemprego entre aprendizes visto que muitas empresas não têm reposto as vagas após o desligamento dos jovens.

Avaliações

Antônia Maria Ribeiro, gerente de projetos e programas do Senac no Distrito Federal, avalia que, embora o projeto amplie o tempo de contrato dos jovens e reduza o risco de desemprego, também pode diminuir as oportunidades para os que estão à procura de uma oportunidade do tipo.

“Quando você amplia o tempo de contrato, você amplia o tempo de trabalho daquele aprendiz que já está inserido, mas você reduz, por exemplo, a possibilidade de outros jovens terem acesso ao programa”, analisa. Mesmo assim, Antônia afirma que é um projeto significativo, principalmente para os jovens de baixa renda, uma vez que poderão permanecer empregados e a renda será mantida.

Igor Vovchenco Cabral, especialista em programas de aprendizagem da Renapsi,avalia o PL positivamente
Igor Vovchenco Cabral, especialista em programas de aprendizagem da Renapsi,avalia o PL positivamente (foto: Arquivo Pessoal)

O coordenador comercial da Renapsi, Igor Vovchenco também acredita que o projeto seja positivo. “A proposta é importante para que os contratos de aprendizagem possam ser concluídos pelos jovens com benefícios e também para a empresa que investiu na capacitação deles”, completa.

Antônio Alves, 19 anos, jovem aprendiz na área de recursos humanos no Hotel Meliá Brasil 21, seria favorável à extensão de contrato, até para poder aprender mais. “Eu ficaria o tempo necessário para verificar a possibilidade de efetivação na empresa e sanar todas as dúvidas antes de trabalhar no setor”, afirma.


R$ 3,26 bilhões
Massa de renda dos aprendizes

R$ 7,9 bilhões por ano
Impacto positivo no PIB (Produto Interno Bruto) que a massa de renda dos aprendizes gera

Petição para impulsionar proposta de MP

A jovem aprendiz Manuela Bernadino criou abaixo-assinado on-line
A jovem aprendiz Manuela Bernadino criou abaixo-assinado on-line (foto: Reprodução/Instagram)

Na metade do ano passado, o Ciee propôs ao governo federal uma Medida Provisória para subsidiar a contratação de 400 mil jovens aprendizes em todo o território nacional durante a pandemia. De acordo com o levantamento da entidade, 83,3% do empresariado afirma que, se existisse uma medida do governo para ajudar a custear a contratação de aprendizes, optaria pelo programa imediatamente.

Elenilson Arara, supervisor do Ciee Brasília explica que o projeto proposto não custaria caro ao governo e abriria vagas suficientes para combater o cenário causado pela pandemia. “O contrato do aprendiz, com duração de cerca de dois anos, custa às empresas R$ 30 mil reais. Se deste valor total, o governo auxiliar com o custeio de 50%, será possível criar oportunidades para jovens em situação de vulnerabilidade de 14 a 24 anos no período pós-pandemia.”

Para ajudar a chamar a atenção para a proposta e pressionar o governo federal, a jovem aprendiz da área de RH Manuela Bernadino, 20 anos, criou uma petição pública virtual que continua aberta. Até o momento, o link teve 61,8 mil assinaturas, e a meta é chegar a pelo menos 75 mil. Para apoiar, acesse bit.ly/peticaociee.

“Eu criei a petição porque vi vários jovens que ajudam suas famílias e ficaram desempregados nesta pandemia. Alguns trancaram faculdades e cursos porque não têm mais como pagar. Tem famílias em que o único pilar financeiro é esse jovem”, explica.

UM BOM EXEMPLO

Diversidade em foco

Marcella Novaes, diretora administrativa da Agropalma
Marcella Novaes, diretora administrativa da Agropalma (foto: Agropalma/Divulgação)

Empresa produtora de óleo de palma sustentável com unidades em Tailândia e Belém (PA), Limeira e São Paulo (SP), a Agropalma, desenvolveu iniciativas que fortalece a igualdade de gêneros no quadro de aprendizagem.

No Programa Jovens Aprendizes da Agropalma na região Norte, 10% das mulheres engravidavam e abandonavam os estudos. Segundo Marcella Novaes, diretora administrativa, para fomentar uma mudança no cenário, a empresa ofereceu uma qualificação técnica para todos os 300 jovens inscritos no projeto, que estão recebendo todo o treinamento a distância, em função da pandemia.

“Realizamos ainda um acompanhamento familiar para que elas não desistam da carreira e possam enxergar que é possível ser mãe, estudar e ser uma boa profissional”, explica Marcella.

O programa resultou em maior leveza nas pautas femininas que são tratadas na empresa. Além disso, as funcionárias, estagiárias ou jovens aprendizes se sentem mais confortáveis de buscar posições de liderança. Pelo ramo da empresa, a maior parte dos trabalhadores ainda é do sexo masculino.

“Em 2020, começamos a entender que precisávamos fortalecer a liderança feminina, sobretudo em uma empresa que trata sobre agro, que não é um cenário com predominância feminina”, comenta Marcella Novaes. Diante disso, a firma garantiu que o quadro de jovens aprendizes e estagiários seja equilibrado: 50% são do gênero feminino e 50% do masculino.


*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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