Coluna Saber

Coluna Saber: organizações devem se responsabilizar pela inclusão racial

Problema principal para falta de negros em postos de liderança está em como organizações contratam, treinam e promovem colaboradores, analisa Ana Machado

Ana Machado
colunista
postado em 13/12/2020 14:24 / atualizado em 13/12/2020 17:48
 (crédito: Amaro Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Amaro Júnior/CB/D.A Press)

A questão racial no Brasil é um assunto complexo e vasto. Por isso mesmo, o Correio Braziliense tem publicado uma série de reportagens sobre o tema desde novembro, marcado pelo Dia da Consciência Negra. O recorte sobre o assunto que faço neste espaço é sobre a relação entre equidade racial, educação e mercado de trabalho, com o objetivo de desfazer confusões e reduções simplistas na conexão entre esses temas.

A representatividade de negros e negras no mercado de trabalho formal ainda é muito baixa. Em um país onde cerca de metade da população se identifica como preta ou parda, é raro encontrar essas pessoas em posições de liderança, ocupando cargos estratégicos, ganhando altos salários e com vínculos empregatícios que não sejam precários (trabalho autônomo, informalidade).

Problema não é só educacional

Quando confrontadas com esta realidade e cobradas, empresas afirmam que o maior problema não começa da porta de suas organizações para dentro. O discurso comum é de que o maior desafio para a equidade racial no mercado de trabalho é a educação. De acordo com este argumento, não existem profissionais negros educados e capacitados o suficiente para ocuparem postos de trabalho nas empresas contratantes.

Logo, a conclusão principal é de que a escola, principalmente a pública, deve melhorar, para que, daqui a alguns anos, tenhamos mais pessoas negras presentes nas empresas, ocupando posições relevantes. Esta é uma verdade parcial, mas que falha enormemente em endereçar os principais fatores que devem ser modificados para resolver o problema da diversidade racial no mercado de trabalho.

O que há de verídico nesta abordagem é que o racismo no Brasil é tão estrutural que alunos negros de baixa renda, quando comparados com alunos brancos de baixa renda, apresentam desempenho escolar inferior na média. Isso mostra que o peso da desigualdade é maior em pessoas negras. Além disso, alunos negros possuem escassos exemplos de pessoas da sua cor ocupando postos de destaque no mundo acadêmico e profissional.

A mensagem que a nossa sociedade passa, a todo momento, é a de que o lugar desses jovens e crianças não é na escola, na universidade, nas empresas e nos cargos de poder. Para enfrentar esta situação, são necessárias políticas públicas de longo prazo, educacionais e sociais, que invistam mais recursos públicos nas escolas e em regiões mais vulneráveis, visando a equidade racial.

.
. (foto: Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press)

Mercado corporativo deve agir

A promoção da equidade racial no mercado de trabalho não depende diretamente da espera pela mudança coletiva e de políticas públicas educacionais e sociais. Esta não é uma questão de tempo. As empresas devem ter um papel ativo e central no enfrentamento deste problema, sem depender de ações governamentais e eventuais parcerias com o terceiro setor.

A desculpa de que as empresas vão contratar mais negros e promovê-los a postos de destaque quando a escolaridade desta parcela da população for maior é desconstruída quando traçamos um paralelo com a questão de gênero no mercado de trabalho. O percentual de mulheres com ensino superior é maior do que o de homens; mesmo assim, somos minoria em cargos de liderança nas empresas e no governo.

De acordo com o relatório Education at Glance 2019, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 25% das brasileiras de 25 a 34 anos têm ensino superior; enquanto, entre brasileiros de mesma faixa etária, o percentual é de 18%. Ainda segundo o mesmo estudo, as mulheres no Brasil têm 34% mais probabilidade concluir o ensino superior do que seus pares do sexo masculino, mas apresentam menos chances de conseguir um emprego após se formarem.

Este é um excelente exemplo de que o problema não é educacional. O problema principal é como as organizações contratam, treinam, remuneram e promovem os seus colaboradores. Quais são os vieses estruturais embutidos nesses processos? Como é o ambiente de trabalho e a cultura dessas organizações? Quem são os líderes que servem de exemplo? Seriam homens brancos heterossexuais de alta renda?

A revisão dos processos institucionais e a adoção de ações afirmativas, como cotas para diversidade e representatividade racial nas organizações, são essenciais para a correção de desigualdades históricas, promoção de justiça social e criação de uma sociedade mais inclusiva e produtiva, na qual todos possam explorar seu potencial independentemente da cor da pele.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação