Influência na mineração

Executiva negra se tornou referência mundial no campo da mineração

Ana Cunha é uma das 100 mulheres mais inspiradoras do setor globalmente e usa a carreira para promover o debate sobre igualdade racial e de gênero na área

Ana Paula Lisboa
postado em 06/12/2020 15:07 / atualizado em 07/12/2020 19:26
Ana Cunha, executiva da mineradora Kinross Brasil -  (crédito: Kinross/Divulgação)
Ana Cunha, executiva da mineradora Kinross Brasil - (crédito: Kinross/Divulgação)

Aos 46 anos, a paulista Ana Cunha foi nomeada uma das 100 mulheres mais inspiradoras da mineração mundial pelo prêmio Women in Mining UK (WIM). Diretora de Relações Governamentais e Responsabilidade Social na Kinross Brasil Mineração, que integra um grupo canadense, Ana mora em Paracatu (MG), mas passa bastante tempo em Brasília pela natureza do trabalho.

Antes disso, foi gerente de comunicação e relacionamento com a comunidade na companhia durante seis anos. A carreira em mineração antecede a trajetória na Kinross, passando por algumas das principais mineradoras do país. A participação feminina no setor é de 13%, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

O Índice de Igualdade de Gênero da Bloomberg revela que 3% das mineradoras estão comprometidas com a premissa da igualdade de gênero. “As empresas de mineração já são grandes potências, imagine quando forem, de fato, mais diversas”, comenta Ana.

Aposta numa oportunidade

Recém-formada em relações públicas, aos 22 anos, ela foi trabalhar numa mineradora no Pará, no meio da Floresta Amazônica. “Meu pai dizia que lugar bom é onde a gente ganha nosso dinheiro”, conta. Ao longo da vida, acabaria passando 13 anos no Norte.

O pai, primeiro, tipógrafo de jornal, e, depois, cobrador de ônibus, era do Piauí, e a mãe, dona de casa, da Bahia. O casal teve três filhos e se separou quando Ana tinha 5 anos e, a partir daí, ela foi criada pelo pai. “Meu pai, apesar do conservadorismo de sua formação, dizia para mim e para minha irmã que a gente precisava estudar para não depender de homem.”

Em busca de aprendizado

“Quando fui para o Pará, eu queria adquirir uma bagagem de prática de comunicação empresarial. O segundo objetivo era juntar dinheiro para uma experiência de intercâmbio”, conta. Ana não falava inglês e sabia que essa era uma habilidade essencial para prosperar de relações públicas.

Ela decidiu ir para o Canadá estudar inglês, mas, antes, preparou-se financeiramente para ficar até um ano desempregada após o retorno. Depois de voltar para o Brasil, ficou nove meses sem emprego até encontrar uma oportunidade em São Paulo. Em 2004, voltou para o Pará, ocupando seu primeiro cargo de gestão.

Conquistar um posto de chefia foi mais demorado: Ana viu colegas brancos que iniciaram a carreira com ela ascenderem bem antes. “Mas não é dito que a promoção não veio pela sua cor ou pelo seu gênero”, diz. A paulista foi atuar numa área remota, onde só se chegava de barco ou avião: não havia estradas. “Além dos desafios do trabalho, eu tinha o desafio de morar ali como mulher solteira”, recorda.

A equipe de comunicação que ela chefiava era formada por homens e mulheres, mas os pares eram masculinos. “Neste ambiente, as regras não ditas são feitas sob essa ótica do homem”, reflete. Ao longo da carreira, Ana teve apenas duas gestoras mulheres durante curtos períodos.

Na última década, Ana se deu conta de que podia fazer a diferença neste espaço. “Eu ganharia muito mais e ajudaria todo mundo ao meu redor se trouxesse para o meu modo de agir o olhar feminino e o olhar da raça”, diz.

Sempre a única

Ana esteve habituada a espaços em que era a “única negra”, incluindo a turma da faculdade e a empresa atual. “Um país racista e machista reflete isso. Quando você é uma única pessoa, é muito difícil a sua fala sobre raça e gênero ecoar”, aponta. Ela tem notado mudanças nos últimos anos à medida que a pauta da diversidade ganha força.

Na função executiva que ocupa há mais de um ano, não é que ficou mais fácil falar sobre essas questões, mas, ocupando uma cadeira de diretora, a voz dela tem um peso diferente. “Tenho a oportunidade de trazer essa discussão para a mesa de resoluções da empresa e consigo influenciar muito mais, sair da reflexão para a prática”, afirma.

Ao se preparar para a transição da atuação em comunicação para o trabalho em relações governamentais, Ana procurou educação formal, mas sempre fez questão de aprender com colegas. Estudou gestão responsável para a sustentabilidade na Fundação Dom Cabral, desenvolvimento de líderes na Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA/USP) e sustentabilidade na Universidade de Sorbonne.

Racismo e machismo

A discriminação permeia vários momentos da carreira de Ana, incluindo ocasiões em que pensam que ela é uma secretária. Ela observa que essa posição não tem nenhum demérito e ela própria atuou como recepcionista durante a faculdade. No entanto, percebe que as pessoas têm dificuldade de associar uma negra a uma posição de liderança.

Em outros momentos, viu a negação do que ela é. “Dizem para mim: mas você não é negra. Isso é muito clássico e eu digo: olha, eu sou negra e você pode dizer isso sem achar que está me ofendendo.” Em alguns momentos, sentiu-se cansada de ter que explicar por que é importante ter um ambiente diverso.

No entanto, ela vê a posição que ocupa como um microfone para amplificar a discussão sobre igualdade e abrir caminhos. “Acho que nasci com uma bateria extra. O que eu quero para a minha vida não cabe ao outro limitar. A dificuldade de lidar com essa questão não pode ser maior que a minha vontade de fazer o que eu quero.”

A executiva é mentora voluntária do Programa Impulsionadora de Carreiras do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil, colaborando com o empoderamento de negras e refugiadas. “Eu passo experiência, que pode encurtar caminhos para elas, e elas me passam energia e esperança de um mundo melhor.”


Referências

Neuma Eufrázio Moreira
Neuma Eufrázio Moreira (foto: Arquivo Pessoal)


Confira as mulheres premiadas no link. Entre as 100 nomeadas de todo o mundo, quatro são do Brasil. Além de Ana Cunha, estão na lista Patricia Muricy (Deloitte), Juliana Marques (Alcoa) e Neuma Eufrázio Moreira (Anglo American). A última também é negra: Neuma trabalha como gerente de governança e compliance.

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