Natural de Sorocaba (SP), a engenheira eletricista Ruth Martins, 38 anos, passou de consultora de marketing para uma posição executiva em experiência do usuário na Vivo no último mês. A promoção é fruto de esforço e talento, e Ruth se sente realizada por colocar “intenção e estratégia” agora num cargo de gestão.
Ela é líder do grupo de afinidade racial da empresa. “Por onde passei, os superiores eram brancos, e eu era uma das primeiras colegas negras. Assim, muitas vezes, as pessoas negras nem pensavam na hipótese de estar numa posição de liderança”, diz. Durante um tempo, Ruth também não acreditou nessa chance.
“Eu não estava me enxergando, não via que existia essa potência dentro de mim”, afirma. Um programa de aceleração de carreira do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil, em São Paulo, era o incentivo que faltava para esse autoconhecimento. “Eu me reencontrei com meus valores e com onde eu queria chegar”, diz.
Não é que ela não soubesse do que é capaz, mas o contexto acabou trazendo desencorajamento. “Minha família sempre foi engajada com o movimento negro. Desde sempre, eu sabia quem eu era e me impunha, mas cheguei a um ponto em que eu me acomodei e me deixei num estado congelado”, compara.
Disparidades
Ao longo de diversas experiências, percebia pequenas diferenças na forma de tratamento entre ela e outras pessoas. “São coisas que a gente vai ignorando, mas a gente carrega aquelas dores”, conta. Trabalhando em Curitiba e em São Paulo, sentiu indiferença por parte dos superiores. Várias pessoas perguntavam se ela era a secretária. Às vezes, ouvia frases como: “você não tem o perfil de quem fez engenharia”.
“Quando você, desde pequena, precisa lutar para ser ouvida e ter espaço, tem uma hora que essa luta parece cansativa numa sociedade que é racista e machista”, explica. Trabalhando com engenharia, uma área dominada por homens, o desafio de Ruth era ainda maior.
“Como, nos postos mais altos, não tem mulheres e não tem especialmente mulheres negras, você vai deixando de acreditar”, relata. Todos os dados revelam que a mulher negra ganha menos, tem menos reconhecimento e é menos incentivada. “Esses índices são pesados, e há momentos em que você não tem certeza de si própria e deixa que isso pese”, confessa.
Por isso, o projeto de aceleração de carreira foi tão marcante e transformador. “Primeiro, você fica feliz de encontrar várias de você. Depois, passa a acreditar por vê-las dizer que acreditam que nós somos uma potência. Isso gera uma energia”, reflete.
Saiba Mais
Para transpor barreiras
Filha de um encarregado de obras e de uma técnica em enfermagem, depois graduada, que sempre se esforçaram muito por sua educação, Ruth sempre batalhou para ser a melhor da sala. Ela foi a primeira mulher negra formada na área dela pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Quando passou no vestibular, Ruth se encontrou com uma assistente social para tentar uma bolsa. “Ela disse: você passou para engenharia elétrica, mas você já parou para pensar se esse curso realmente é para você? Foi como um soco no estômago. Eu respondi que era para mim, sim. Ela perguntou umas três vezes”, lembra.
Quando voltou para casa de ônibus, Ruth chorava muito. Depois de quase um ano de curso, a engenheira conseguiu uma bolsa de 50%. Ela percebe que as conquistas sempre custaram mais pelo fato de ser negra. “É por episódios como este que, quando participei do projeto de aceleração de carreira, eu estava num estado de cansaço de ter que ser pioneira, de ter que me impor”, admite.