Parte do setor empresarial está recuperando o fôlego. Muito além de sobreviver aos impactos da pandemia, há negócios que passaram da fase de adaptação e, agora, conseguem até mesmo expandir. De acordo com o Mapa de Empresas, divulgado pelo Ministério da Economia, de março ao fim de setembro, aproximadamente 1,92 milhão de empresas foram abertas no Brasil, incluindo filiais. Somente em setembro, cerca de 328 mil novos empreendimentos nasceram no país.
Contudo, não se pode deixar de notar o número acelerado de empresas que fecharam no mesmo período. Ao todo, mais de 570 mil foram encerradas. Além disso, outra pesquisa, a Pulso Empresa: impacto da covid-19 nas empresas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que 33,5% das companhias em funcionamento sentem que a pandemia causou um efeito negativo nos negócios, enquanto 28,6% enxergam resultados positivos nos últimos meses.
Parâmetro do DF
Somente na capital do país, 35.564 empresas (entre micro, pequenas, médias e grandes) foram abertas desde março, de acordo com a Junta Comercial, Industrial e Serviços do Distrito Federal. Da mesma forma que no âmbito nacional, o número de empreendimentos que fecharam as portas em Brasília no mesmo período é mais de três vezes menor: 11 mil.
Os valores incluem tanto as empresas que estão nascendo agora, quanto empreendimentos que abriram novas unidades durante a pandemia, indo na contramão da crise. Segundo Marcelo Minutti, professor de inovação e negócios digitais do Ibmec Brasília, a pandemia trouxe efeitos positivos às organizações que já tinham as características exigidas dentro deste novo contexto. É o caso de firmas que atuam com higiene, atendimento virtual e delivery. Firmas de outros ramos precisaram rapidamente se adaptar.
“Aqueles que se movimentaram para atender à demanda que migrou da venda presencial para a virtual conseguiram se estabelecer. Afinal, as pessoas continuam consumindo, mas de casa”, diz o professor, especialista em marketing e negócios pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Isso fez com que alguns empresários conseguissem crescer e outros, não. Dependeu da velocidade da adaptação”, afirma.
Sem receitas
Marcelo alerta que não existem fórmulas mágicas para crescer. Cada empresa deve analisar a situação de acordo com a própria realidade. “Cada empreendedor tem as próprias ameaças e oportunidades. Até aqueles que estão no mesmo setor são atingidos de formas diferentes”, explica. Outra ressalva é não investir todos os recursos no ambiente digital, pois nada garante que o formato continue em alta no cenário pós-pandemia. “Precisamos ter muito cuidado com a ilusão de que o presente que estamos vivendo agora será o mesmo daqui a um ano”, pontua. “O futuro muda todos os dias e nós precisamos calibrar nossas estratégias empresariais todos os dias, também.”
Riscos de começar agora
De acordo com Marcelo Minutti, empreender durante a pandemia exige muita análise e calma. Os riscos estão associados diretamente ao ambiente de negócios de atuação. Para não trocar os pés pelas mãos, o especialista recomenda refletir em três fatores: demanda, concorrência e diferencial. O primeiro passo é analisar quais produtos ou serviços estão sendo demandados e explorar essa oportunidade. O segundo é entender o nível de competição e avaliar se vale a pena entrar. Por fim, definir qual será o diferencial da empresa para atrair clientes. “As oportunidades existem, mas devemos tomar nossas decisões de forma muito coerente, fazendo uma análise estratégica antes de tomar decisões e investir nos recursos financeiros.”
A situação dos pequenos negócios
Desde o início da crise sanitária, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) tem publicado relatórios mensais sobre o impacto da pandemia. O último levantamento mostra que, no Distrito Federal, a taxa de fechamento de empresas foi 6% superior à média nacional. Entre as firmas abertas, 63% dos donos de pequenos empreendimentos dizem estar funcionando com mudanças por causa da crise. Além disso, 83% afirmam que o faturamento caiu nos últimos meses. No cenário nacional, o número de empresas que alegam estar com o faturamento abaixo do normal tem diminuído lentamente, passando de 89%, em março, para 77%, em setembro.
“Essa redução tem a ver com o movimento conjuntural de reabertura da economia”, explica Kennyston Lago, analista da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae e doutor em psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Os segmentos que mais sofrem são aqueles com mais dificuldades em implementar o distanciamento social, como feiras, shoppings populares, serviços feitos na casa do cliente e ambulantes. “Se a gente continuar em um cenário sem vacina e sem medidas restritivas, a tendência é que esses setores subam aos poucos”, afirma.
Dicas de como manter o negócio durante a pandemia
Confira dicas do economista Luiz David Lourenço, pós-graduado em finanças empresariais pela Universidade de São Paulo (USP) e banking pela Fundação Getulio Vargas (FGV):
Adie o pagamento do Simples
Para quem está enquadrado na modalidade Simples Nacional, o governo federal prorrogou o prazo de pagamentos das notas. Além disso, para não demitir os funcionários, as empresas podem entrar em um acordo e reduzir a jornada e o salário dos colaboradores pela metade.
Procure se capacitar
Que tal reservar um tempo do dia para realizar um curso de capacitação? Busque algo que possa se encaixar na rotina. Os empreendedores que estiverem mais capacitados e preparados vão conseguir se levantar mais rapidamente.
Interaja com clientes
É extremamente importante manter-se próximo da freguesia. Para quem oferece serviços, usar as redes sociais para conversar e interagir com os seguidores é uma ótima alternativa.
Aposte na venda on-line
Utilize as mídias a seu favor e explore canais de vendas on-line. Muitas pessoas estão comprando apenas via delivery, então o importante é oferecer preços atrativos e diferenciais para se destacar da concorrência.
Faça promoções
Sabe aquele produto que já está há um bom tempo no estoque? Então, esse é o momento de colocar um preço atrativo e fazer com que ele tenha procura. Diversificar o estoque também é importante.
Pesquise opções de crédito
A solução é comparar os bancos que estão oferecendo modalidades diferenciadas, com as maiores carências e os menores juros.
Negocie contas
Mantenha o controle do caixa e procure reduzir custos neste momento. É possível negociar o aluguel do espaço, reduzir a conta de energia e os contratos com serviços terceirizados.
Organize as despesas
Projete gastos e receitas dos meses subsequentes: o ideal é separar as despesas pelo tipo de gasto. Dessa forma, é possível saber a quantia necessária para cada despesa e o quanto será preciso para manter o negócio pelos próximos meses.
O cuidado com os pets não para
De acordo com o Sebrae, os pet shops estão entre os negócios menos afetados pela crise. “Em casa, as pessoas começaram a cuidar mais e adotaram bichinhos e os pet shops foram enquadrados como serviço essencial”, diz Kennyston Lago, do Sebrae. Até hoje, há tutores que não arriscam levar os animais para os estabelecimentos convencionais. Foi pensando nisso que o Pet Móvel Lavando Cão conquistou diversos clientes ao oferecer segurança e praticidade ao atender aos animais a domicílio no Lago Norte, Asa Norte, Asa Sul, Sudoeste e Cruzeiro.
Diogo Barbosa, 27 anos, estaciona a van em frente à casa do cliente e faz o atendimento de banho e tosa. Ele já oferecia o serviço antes e, com a pandemia, a demanda aumentou muito. “Ficou bem corrido, precisei contratar um ajudante. A clientela é maior do que antes”, conta. “Eu sempre usei máscara, luvas e álcool em gel e quase não tenho contato com o cliente”, afirma. O movimento continua intenso nos fins de semana e a meta é expandir o negócio em breve. “Futuramente, quero ter mais vans para conseguir suprir o Distrito Federal todo.O pessoal de Águas Claras e do Lago Sul me liga bastante, quero começar aumentando por lá”, revela.
Driblando a crise
Conhecido em Brasília pela venda de materiais de costura e fantasias, o Armarinho Milano completa 53 anos em 2020. Sob a direção de Paulo D'ávila Milano, 56, filho mais velho do fundador da loja, Stefano Milano, o armarinho tem driblado a crise para permanecer de pé. Quando as cinco lojas precisaram fechar por causa da pandemia, Paulo conta que passou semanas sem dormir e planejando o que iria fazer. “A preocupação foi enorme. Nós tínhamos compromissos, 55 funcionários e pouca informação do que estava acontecendo”, relata o matemático.
Com a ajuda da família, o primeiro passo foi investir em um projeto de longa data que ainda não tinha saído do papel: a loja virtual. “Por coincidência, minha esposa, Marilene Milano, que é da área da tecnologia, se aposentou e assumiu essa parte. Ela contratou as empresas necessárias para a formação do site e incrementou as vendas por WhatsApp”, diz. Paulo adiantou férias, afastou funcionários do grupo de risco e ficou com parte da equipe concentrada em uma única loja para fazer entregas. Assim que liberado, reabriu mantendo cuidados, como aferição de temperatura, uso de máscaras e controle do número de pessoas dentro do espaço.
Duas lojas precisaram ser fechadas, mas para que outras duas fossem abertas. Os custos para manter uma unidade num shopping ficaram muito altos e gerando pouca rentabilidade, enquanto com a filial de Taguatinga ele teve problemas para negociar o aluguel. A verba foi realocada para inaugurar novos endereços em Sobradinho e no Sudoeste. As outras lojas ficam em Asa Sul, Asa Norte e Águas Claras. Em todo esse trâmite, ninguém foi demitido. Na verdade, foram 10 novas contratações.
Segundo Paulo, cerca de 40% dos lucros das lojas vinham de fantasias e acessórios para festas. Com o isolamento social, eventos como as tradicionais festas juninas e o dia das bruxas foram cancelados e a empresa sofreu prejuízos. Em contrapartida, os artigos para artesanato ganharam espaço. “Pelo fato de as pessoas estarem mais em casa, nós tivemos crescimento na venda de materiais para tricô, crochê, bordado”, conta. A meta para o ano é empatar com o faturamento de 2019.
Segurando as pontas
Em 2 de junho de 1996, a primeira loja da Casa de Biscoitos Mineiros foi inaugurada na Asa Norte. Com o tempo, os quitutes da mineira Maria Madalena Teixeira conquistaram brasilienses e a marca cresceu. Hoje, sob o comando de Márcia Teixeira, 50, e seus quatro irmãos, filhos de Maria Madalena, a rede tem seis unidades. Pouco antes de a pandemia começar, tinham aberto mais dois pontos de vendas, um em Águas Claras e outro no Sudoeste. A crise sanitária foi um baque. “Respirei fundo, fechei por dois dias para a gente se organizar e logo voltamos a funcionar com os cuidados e a proteção dos funcionários”, comenta Márcia.
Os primeiros meses não foram fáceis. As lojas reabriram sem mesas, com adaptação nos horários de produção para evitar aglomeração de funcionários e alto custo com produtos de higiene. Para segurar as pontas, foi preciso suspender contratos e pegar empréstimos. “Nós não aumentamos os preços, tivemos que bancar a loja para ela funcionar. O custo estava acima da venda”, relata. Mesmo com as dificuldades, a Casa de Biscoitos Mineiros aceitou a proposta de abrir uma nova loja em uma livraria de um shopping.
“Ficamos de novo em um impasse, pensando se deveríamos arriscar. Agora, está indo muito bem, melhor do que nós esperávamos”, revela. “Há pouco mais de um mês, nós colocamos as mesas e as pessoas estão começando a voltar a comer na loja”, comenta. Com todo o esforço, ninguém precisou ser demitido. Somando as contratações para as novas lojas, são aproximadamente 400 colaboradores na casa. “A loja se manteve fiel aos funcionários e aos clientes”, diz. O objetivo agora é equilibrar as vendas, pagar os empréstimos, organizar as finanças e continuar mantendo os funcionários. “Passaremos os próximos quatro anos pagando muitas dívidas, mas vamos conseguir”, reflete Márcia.
Do trailer ao restaurante
Por todo o Distrito Federal, é possível encontrar hamburguerias artesanais. Não é só o sabor dos pratos que atrai os clientes. Os espaços serviam como ponto de encontro de amigos e familiares. A pandemia trazia um grande risco, mas há estabelecimentos do ramo que não só se mantiveram, como cresceram. Esse é o caso da Hamburgueria do Vaka, em Ceilândia, que em breve se tornará a Casa do Vaka, atualmente em obras.
Há três anos, o amante de culinária Márcio Precioso, 34, ou Vaka, como é conhecido, passou a vender hambúrgueres num trailer. Popular entre os clientes, logo mudou a empresa para um espaço físico. Nos primeiros meses de pandemia, o empresário manteve a loja funcionando para retirada de produtos e se registrou em aplicativos de delivery para fazer entregas. “Com isso, nós conseguimos crescer. Em um único dia, vendemos entre 400 e 500 hambúrgueres”, conta o ex-corretor de plano de saúde. “Inicialmente, a pandemia trouxe medo, mas depois trouxe prosperidade”, comemora.
Com o faturamento em alta, em breve, a hamburgueria se transformará em um restaurante voltado para churrascos e parrillas, mas mantendo os sanduíches no cardápio. “Tudo que eu consegui nesses três anos apostei nessa loja maior”, diz. Na nova loja, onde Márcio está investindo R$ 100 mil, a equipe de cinco funcionários deve dobrar. A projeção é de que em um ano o investimento retorne. “Estou conseguindo gerar empregos, me sustentar e dar uma educação boa para o meu filho. É um privilégio que a hamburgueria possa me proporcionar isso”, frisa.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa