Eu, Estudante

PRATAS DA CASA

Professoras que marcaram Brasília

Aliança feminina premiará educadoras que fizeram história na educação do DF e servem de inspiração até mesmo para superar os desafios atuais da profissão

Nesta segunda-feira (26/10), três educadoras que marcaram a história da capital federal receberão o Troféu Iaras, oferecido pela Ama Brasília (Aliança das Mulheres que Amam Brasília). No mês em que se comemora o Dia do Professor, a entidade homenageia Maria Lúcia Moriconi, Maria Cristina Monteiro e Marlene Cabrera. Maria Lúcia foi professora pioneira da nova capital em 1960 e integrou o Conselho de Educação do Distrito Federal; Maria Cristina foi uma das primeiras educadoras da antiga Escola Normal de Brasília; e Marlene Cabrera deu aulas no Centro de Ensino Médio (CEM) Elefante Branco e na Universidade de Brasília (UnB).

Os troféus, réplicas de estatueta do escultor Alfredo Ceschiatti (1918-1989) presente no Palácio da Alvorada, serão entregues às 17h em evento restrito em razão da pandemia. Cosete Ramos, 79 anos, idealizadora da Ama Brasília, explica que a condecoração é dada a “mulheres extraordinárias”, vivas ou falecidas. No ano passado, por exemplo, a escritora Cora Coralina (1889-1985) foi uma das homenageadas. Desde 2017, a aliança entregou o Troféu Iaras para diversas mulheres de destaque do DF, incluindo Dad Squarisi, editora de Opinião do Correio Braziliense; Eda Coutinho, fundadora do Centro Universitário Iesb; a ex-primeira dama Márcia Rollemberg; e Maria Estela Kubitschek, filha de JK.

Reconhecimento
Aos 93 anos, Maria Lúcia Moriconi se lembra com carinho de quando chegou a Brasília, em 1960, um mês após a inauguração da cidade. Ela veio acompanhando o marido, engenheiro. Os dois filhos, na época, tinham 5 e 7 anos. “Saí da Zona Sul do Rio de Janeiro, acostumada à praia e à cidade grande, e cheguei a um lugar de terra vermelha batida sem asfalto”, lembra. “Já cheguei a lugar toda vermelha, da roupa ao sapato, porque tinha pegado um lacerdinha (redemoinho cheio de poeira)”, conta, aos risos. Mesmo assim, a capital federal caiu em suas graças e Maria Lúcia nunca mais quis sair daqui.

A educadora considera que sempre foi uma pessoa de fácil adaptação, por isso conseguiu se firmar no local. O primeiro trabalho como professora foi numa salinha na Cerâmica Benção que, mais tarde, se tornaria a Escola Classe Cerâmica da Benção, em São Sebastião. Tendo passado por diversos colégios públicos, integrou o Conselho de Educação do Distrito Federal e foi secretária adjunta de Educação. A pedagoga deu aulas de didática no Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Depois de aposentada, tornou-se ativa em clubes, como o Rotary.

Grande admiradora do trabalho da Ama Brasília, Maria Lúcia comemora a premiação. “É uma honra especial ser reconhecida como professora após tantos anos”, define. Para Maria Cristina Monteiro, 73, o Troféu Iaras é uma grande surpresa. “Fico muito agradecida. Eu sempre tive orgulho de ser educadora”, diz. Formada em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), chegou a Brasília em 1970. “Eu vim durante as minhas férias e uma pessoa me disse: não volte, não, porque a cidade precisa de professores”, conta. Aqui, ela fincou raízes e se apaixonou pela capital. “Aqui cheguei, fiquei e certamente morrerei”, diz.

Passou pela Escola Normal, foi professora do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e trabalhou no Ministério da Educação (MEC) e no Ministério da Saúde. Na Ama Brasília, valoriza o empoderamento feminino. “O empoderamento da mulher no mercado de trabalho é quando ela é boa profissional, gosta do que faz, esmera-se e é reconhecida. Infelizmente, temos essa distorção histórica entre mulheres e homens, com mulheres ganhando menos mesmo com competências iguais ou superiores”, analisa.

 

 

Reflexões maduras

Cosete, Maria Lúcia e Maria Cristina estão em isolamento, mas não deixam de se manter ativas com diversas atividades. Pedagoga pela Universidade de Brasília (UnB) com mestrado e doutorado em educação feitos nos Estados Unidos, Cosete foi professora de diversas escolas públicas do DF e trabalhou no MEC. Ela reconhece as grandes dificuldades que a crise sanitária impõe. “Na verdade, a pandemia traz desafios, muitos problemas, mas também renovação. Obriga a gente a repensar alguns valores, entre esses a solidariedade e a colaboração que se fortalecem em todo o mundo”, diz.

“Os professores tiveram de se recriar. Alguns tinham verdadeira ojeriza de tecnologia e ainda acreditam no modelo de ir na frente da sala e falar, falar e falar aos alunos”, comenta. “O professor de hoje tem que ter uma capacidade de adaptação muito grande”, reflete Maria Lúcia. “Aquele que nunca se preocupou muito com internet, de repente, teve que dominar tecnologias modernas para ter segurança no trabalho. É um novo mundo de formação do professor, que está aprendendo sozinho”, diz. Ter a capacidade de aprender sempre é o que fará o educador passar por esta crise com mais tranquilidade, na visão da pioneira.

“Professor não é só um transmissor de conhecimentos. Ele tem que ter várias habilidades e não pode fechar os olhos para o mundo”, aponta Maria Lúcia. Cosete reconhece a falta de acesso à internet de qualidade como um grande problema: um aluno com televisão, wi-fi e equipamentos poderá experimentar aulas a distância de um modo totalmente diferente em comparação com um estudante que só tem um celular com internet de dados. “Com a pandemia, aumenta a separação entre pobres e ricos não só em termos financeiros, mas, também, em termos de acesso aos bens culturais e tecnológicos. E não podemos deixar alunos para trás”, alerta.

Pela valorização docente
Filha de professora, Maria Cristina percebe que essa profissão era mais valorizada em sua geração. “Naquela época, o professor, ao lado do juiz, do padre, do delegado, formava as bases da sociedade”, lembra. “Na minha época, o professor ‘tinha razão’. Se o aluno ia mal, era porque não estudou. Hoje, se ele vai mal, o professor é culpado”, compara. Ela acredita que há uma falha na formação familiar.

“As famílias acham que a escola é para a educação dos filhos, de conhecimento e de valores. O professor tem a dupla tarefa de ensinar e educar para a convivência em sociedade, tornando-se muitas vezes uma babá de luxo”, afirma. Ela cobra mais valorização para essa figura, responsável por transmitir conhecimento para todas as categorias profissionais.

 


Rede feminina

Os três pilares da Ama Brasília são cultura, natureza e gente. “Uma das nossas razões de ser é cuidar de Brasília com olhar feminino. E cuidar de que? Da cultura, fazendo eventos culturais. Da natureza, com eventos ambientais. E das pessoas, com um braço social”, explica Cosete Ramos, idealizadora da aliança. A pandemia acabou atrapalhando planos, mas a associação encontrou caminhos para permanecer ativa, promovendo diversas conversas on-line pelo Facebook (www.facebook.com/amabrasilia). Recentemente, Cosete ajudou a distribuir brinquedos e 560 livros para crianças pobres. Tablets e computadores também foram arrecadados.

“Somos uma rede feminina da sociedade civil, não somos do governo, porém, trabalhamos a favor do governo”, explica. A presidente de honra da entidade é sempre a primeira-dama de Brasília. Atualmente, o cargo é ocupado por Mayara Noronha, mulher do governador Ibaneis Rocha (MDB). A aliança tem mais de 400 embaixatrizes, entre professoras, advogadas, médicas, empresárias, representantes de diversas categorias e pioneiras. A própria Cosete se encaixa nesta última definição: chegou ao DF antes da inauguração de Brasília e, em 21 de abril de 1960, participou do baile de lançamento da cidade no Palácio do Planalto.