Ano passado, Letícia Caroline Lopes, 20 anos, pediu demissão da agência de turismo onde trabalhava como tradutora, em Águas Claras. Ela conquistou o sonho de ingressar em uma faculdade de medicina, na Argentina, e precisava se mudar do Brasil. O chefe não gostou da notícia. “O dono da agência havia me convidado para passar o ano viajando com ele, a trabalho, para ajudá-lo com o inglês, já que ele não falava o idioma”, conta Letícia.
“Ele ficou bem chateado com o pedido de demissão, porque gostava muito de mim como profissional, mas meu sonho era outro”, acrescenta. O patrão, inclusive, tentou convencê-la a ficar. “Ele disse que, se eu continuasse na agência, teria a oportunidade de viajar o mundo e conhecer novos lugares.” Apesar da situação desagradável com o superior, ela considera que não se queimou no mercado de trabalho. Afinal, foi sincera e comunicou a demissão com bastante antecedência, cerca de três meses antes da viagem.
Letícia também se dispôs a trabalhar a distância, mas o dono da agência não aceitou a proposta. Na opinião dela, a melhor forma de não se sujar nesses casos é ter uma conversa franca com o patrão, explicando os motivos pelos quais quer sair. A estudante de medicina pondera, porém, que sinceridade tem limite. “Você não vai dizer para seu chefe que o lugar onde você trabalha é um lixo”, brinca. “Há coisas que você pode fazer para tentar não se queimar, mas isso depende muito da cabeça do seu patrão. Não é você quem define.”
Feedback
Ao pedir demissão, pode ser um momento para ser sincero e comunicar ao líder por que você está se desligando da empresa. Sugestões são sempre bem-vindos, mas, claro, é preciso cuidado, escolhendo bem as palavras e exemplos que usar. Essa não é a hora de desabafar o seu descontentamento acumulado por meses ou anos, mas, sim, de dar um feedback objetivo. E o modo de comunicar isso faz toda a diferença. Se achar que não consegue ser polido nesse tipo de conversa, talvez melhor seja não iniciá-la. Agora, caso tenha comedimento, é possível usar essa oportunidade.
“É importante fazer críticas construtivas para que o gestor e o RH consigam resolver eventuais problemas para as pessoas que permanecerão na empresa. Essa atitude demonstra respeito em relação aos colegas de trabalho”, afirma a especialista em gestão empresarial pela FGV Marcela Martins. De acordo com ela, é importante que a cultura de feedbacks faça parte do cotidiano das empresas. “O processo de desligamento de um funcionário não deveria ser surpresa para o chefe”, afirma. “Se o líder faz um acompanhamento rotineiro com os liderados, ele já vai saber os motivos pelos quais algum profissional está insatisfeito com o ofício.”
Chantagem emocional
Na hora de pedir demissão, pode acontecer de o chefe ou colegas tentarem convencer o profissional a permanecer na equipe por meio de chantagem emocional. É comum escutar frases do tipo “você é muito importante para essa empresa”, “você é meu braço direito”, “logo agora que eu queria te promover” ou, então, “vai sair logo no momento em que eu mais precisava de apoio?”. Esse tipo de abordagem, por vezes, deixa o trabalhador sem saber o que fazer, ainda mais se nunca tinha escutado antes sobre sua importância para a equipe ou que o gestor tem planos para o futuro dele.
O conselho de especialistas é se manter firme na escolha de abandonar o cargo. “Uma vez que a chefia tente uma abordagem muito emotiva, é importante que você mantenha a decisão de seguir aquilo que é importante e interessante para a sua carreira. Ser o braço direito de alguém não pode te impedir de ser o braço direito de outra pessoa em outra empresa nem de seguir novos caminhos”, explica Flávia Alencastro. “Não é fácil pedir demissão. Querendo ou não, uma relação de trabalho é uma relação de todos os dias. Se houver, nessa situação, algum tipo de chantagem emocional, sugiro que a pessoa não mude a linha de raciocínio, porque não foi à toa que ela tomou a decisão de sair da empresa”, completa.