A pandemia da covid-19 transformou o modelo de trabalho no mundo inteiro. Alterou formas de ver e conceber as relações trabalhistas, reviu as formas de lidar entre empregados e empregadores e está provando que pode haver, sim, uma nova configuração entre as várias possibilidades de trabalhos. A pandemia, muito além das relações profissionais, fez enxergar um novo modo de viver entre as pessoas e estabelecer as suas mais diferentes maneiras de conviver. Dados da pesquisa realizada pelo Capterra (fornecedor de mercado on-line), em parceria com a consultoria Gartner, mostram que 77% das pequenas e médias empresas do Brasil aderiram ao home office.
Com o intuito de evitar abusos e assegurar o bem-estar dos colaboradores que estão trabalhando a distância, o Ministério Público do Trabalho (MPT) publicou nota técnica com diretrizes para a proteção da saúde e demais direitos fundamentais dos trabalhadores. As normas devem ser cumpridas pelas empresas, sindicatos e órgãos públicos.
A procuradora-geral do trabalho, Adriane Reis, explica que a nota técnica nº 17 tem como principal objetivo orientar as empresas e trabalhadores para que a prestação de serviços durante o home office se adeque à vida doméstica do colaborador. Ao todo, são 17 recomendações elaboradas pelo órgão. “As empresas devem lembrar que, mesmo em trabalho remoto, elas são responsáveis pela saúde física e mental de seus empregados", alerta.
De acordo com ela, as principais recomendações presentes na nota técnica dizem respeito à ergonomia, à etiqueta digital, com direito à desconexão e compatibilidade familiar, à obrigação das empresas em oferecer o equipamento de trabalho adequado e enquadra, também, os trabalhadores idosos e deficientes físicos que têm necessidades de adaptação tecnológica, além de assegurar a privacidade dos colaboradores.
O professor de direito do trabalho da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Carlos Eduardo Abimael, explica que as recomendações propostas pelo MPT são apenas sugestões às empresas e organizações empresarias, mas que não estão acima do que está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “O que determina as obrigações das instituições empregadoras, na verdade, é o que está na legislação e não o que diz a nota técnica”, diz.
Mestre e doutorando em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Eduardo Abimael entende que, devido ao cenário de incertezas, a boa adaptação de muitas empresas ao trabalho remoto e a tendência do aumento da modalidade, as diretrizes divulgadas não são capazes de desestimular o home office. Segundo ele, cabe a cada setor adaptar-se ao que foi proposto.
Tatiana Gonçalves, diretora-geral da Moema Assessoria, empresa de medicina do trabalho, opina que a nota não protege só o empregado, mas também oferece vantagens para o empresário que deseja arcar com o home office, uma vez que o trabalho remoto favorece quem custeia a estrutura física de uma empresa. Ela acrescenta ainda que a nota somente delimitou regras básicas para a qualificação do teletrabalho. “Essa nota simplesmente dá um norte de como as coisas precisam ser feitas, evitando uma relação abusiva por parte do empregador ou empregado”, destaca.
A procuradora Adriane Reis reforça que os trabalhadores que notarem qualquer tipo de abuso ou falta de atenção e respeito, por parte dos empregadores com o trabalho, remoto, podem entrar no site do MPT e fazer uma denúncia.
Boa adaptação
Na metade de março, o bancário Junio Cesar da Cruz, 48 anos, começou a atuar em home office. Ele conta que se adaptou muito bem à modalidade e que, se pudesse escolher, permaneceria trabalhando em casa, por dois motivos: a economia de tempo gasto com deslocamento e a segurança, pois ele faz parte do grupo de risco. “Moro em Samambaia e o meio de transporte era o metrô. Tenho economizado até duas horas no trajeto casa/trabalho. Além disso, a estrutura que eu tenho em casa aliada aos softwares disponibilizados pela empresa não fizeram diferença na minha produtividade. Também sou hipertenso”, explica.
Ele é assessor técnico no Banco do Brasil e assegura que a empresa forneceu o amparo tecnológico, estrutural e psicológico necessários para o ambiente de trabalho remoto. “Nosso plano de saúde disponibilizou atendimento on-line. Há, também, profissionais para este amparo psicológico. Com relação ao amparo tecnológico, eu não precisei usar equipamentos da instituição. Mas para outros tantos colegas foram disponibilizados computadores, cadeiras, fones, câmeras etc...”, comenta.
Nos fundos de sua casa, Junio Cesar tem um espaço próprio para o home office, onde ele consegue se concentrar totalmente no trabalho, sem perturbações externas, mas mesmo assim o bancário relata alguns problemas. “A minha maior dificuldade até o momento tem sido a conexão de internet....Tive que assinar com duas operadoras distintas... ou funciona uma, ou outra.”, ressalta. Além disso, comenta o excesso de demandas em alguns momentos, mas ele, particularmente, consegue lidar com isso. “Procuro ser rigoroso com meu expediente, desligando os alertas quando fora do horário.”, disse.
* Estagiária sob a supervisão da editora Ana Sá