O Congresso Nacional derrubou, nesta semana, o veto ao Projeto de Lei do Senado nº 368/2009, que regulamenta a profissão de historiador no Brasil e promove maior segurança no exercício da função. O PLS tem como autor o senador Paulo Paim (PT-RS) e foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, mas em 27 de abril o presidente Jair Bolsonaro vetou o projeto.
O Ministério da Economia e a Advocacia-Geral da União recomendaram o veto com o argumento de que o projeto restringe o livre exercício do profissional, além de ferir o artigo 5º da Constituição, que determina livre “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Alguns professores de história não concordam com a declaração, como é o caso do mestre e doutorando da Universidade de Brasília (UnB) Alexandre Gama, 39 anos. “É um equívoco porque a regulamentação não estabelece o que eles chamam de ‘reserva de mercado’. Isto é, como se pessoas que não tivessem formação universitária não pudessem escrever ou ensinar história”, afirma o professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro - Câmpus Paracatu.
O professor do Departamento de História da UnB e diretor da Associação Nacional de História - Seção Distrito Federal (ANPUH-DF) Bruno Leal também concorda que o projeto não restringirá o exercício da função, apenas existirão regras a serem seguidas. “Nenhuma pessoa será proibida de fazer pesquisas históricas ou de produzir conteúdo de teor histórico”, relata o professor. “A profissionalização de qualquer campo profissional precisa estar de acordo com princípios e normas.”
História não se apaga
Regulamentar uma profissão, exigir requisitos e expedir um registro são gestos que ampliam o reconhecimento social e reforçam o valor da atividade exercida. Para Bruno Leal, os historiadores têm um papel importante na sociedade. “Suas pesquisas nos ajudam a compreender a natureza transitória do passado, estabelecem fatos, examinam personagens e fazem um importante trabalho de crítica das ideias que nos cercam e das identidades que nos moldam”, complementa o diretor da ANPUH-DF.
A estudante do 3º semestre de história da UnB Monna Rodrigues de Sousa, 19, somente pôde conhecer e entender a importância do historiador no ambiente universitário. “Aprendi na universidade que a história não é uma verdade absoluta, visto que é composta por diferentes pontos de vista que constroem diferentes narrativas”, conta a estudante. “O papel do historiador, a partir de uma metodologia de pesquisa e teoria historiográfica, e é claro, conferindo a veracidade dos fatos, costura essas diferentes narrativas e constrói a história.”
O Projeto de Lei
O Projeto de Lei estabelece requisitos para o exercício da atividade profissional. Somente os portadores de diploma de curso superior em história, expedido por instituições regulares no Brasil e as estrangeiras revalidadas pelo país, além daqueles que possuem diploma de mestrado ou doutorado, podem ser considerados historiadores.
As justificativas do projeto referem-se ao amplo campo de atuação do profissional que deixa a sala de aula e agora é requisitado na área da cultura e de preservação do patrimônio. Entre algumas das atribuições aos historiadores no projeto de lei está a organização de informações para exposições e museus. O professor de história Kássius Kennedy, 35, é doutorando da UnB e acredita na importância do historiador dentro de um museu, pois “nem todo mundo sabe o valor da história”.
A estudante Monna Sousa também reforça o reconhecimento das humanidades como ciência e o retorno para a sociedade. “Com a regulamentação, teremos mais profissionais qualificados produzindo os materiais garantindo a autenticidade dos fatos”, finaliza.
E ainda no ambiente escolar, a professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) Mayara Freire Costa, 29, acredita que o projeto estimulará a escolha do curso de história e trará mais espaços para debate. “A importância da regulamentação da profissão historiador diz respeito ao reconhecimento ainda maior do curso de história como espaço de debates sobre questões étnico-raciais e de gênero, promovendo assim um ensino e produção de qualidade do conhecimento histórico em nosso país”, afirma a professora formada pela UniProjeção.
Márcia Motta, 49, historiadora e presidente da ANPUH-Brasil, afirma que a derrubada do veto representa uma vitória a todos os historiadores do país. “A regulamentação nos permite que possamos ter clareza do campo científico do historiador”, relata Márcia. Para a historiadora, o PLS assegura uma base de discussão acerca do que é ser esse profissional no Brasil, além de possibilitar outras oportunidades de emprego, como no campo cultural.
Luta antiga
A regulamentação da profissão é considerada uma “luta antiga”, pois começou em 1968 com um projeto de lei apresentado pelo então deputado Edwaldo de Almeida Pinto. Foram apresentados nove projetos ao total, segundo a Associação Nacional de História (ANPUH).
A presidente da ANPUH, Márcia Motta, informou que a entidade está mapeando o número de historiadores no país. “Somos cerca de 6.500 associados. O segundo passo, será saber quem são os nossos historiadores”, disse. “Eles merecem um reconhecimento pelo papel importantíssimo na proteção do direito histórico.” A direção da ANPUH também vai construir uma comissão para analisar as possibilidades de atuação dos historiadores no Brasil.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá.