Antes mesmo de uma pandemia tomar conta da rotina de milhões de trabalhadores, especialistas discutiam sobre as diversas mudanças que o mercado sofreria a partir deste ano. No entanto, a chegada do vírus adiantou processos e, agora, pode-se dizer que vivemos um futuro bastante aguardado em diversos aspectos. A covid-19 desencadeou transformações sem precedentes, avaliam especialistas.
As inovações impactam desde os hábitos de consumo da sociedade até as ações mais simples e cotidianas da vida pessoal e do trabalho. Dessa forma, as possibilidades do mercado pós-pandemia tornam-se assunto recorrente. A mudança mais visível da nova realidade é o teletrabalho. Sair dele, inclusive, é um grande desafio. É preciso implementar muitas medidas de higiene e distanciamento para fazer os colaboradores voltarem a atuar fisicamente numa empresa.
Tudo isso gera riscos reais de contágio, além de ocasionar medo nos profissionais. É possível lidar com a questão tomando vários cuidados de sanitização e ouvindo os colaboradores, como mostram artigos de Antonio Carlos Vendrame, consultor técnico em assuntos de segurança e higiene do trabalho, e Uranio Bonoldi, professor da Fundação Dom Cabral, que você pode ler neste caderno.
No entanto, são tantos desafios e custos para uma retomada presencial que não é de se estranhar que o teletrabalho permaneça até de modo definitivo. Para além disso, o formato conquistou muita gente que o experimentou pela primeira vez. Claro, nem todos os trabalhos podem ser feitos a distância e há, ainda, quem anseie por voltar a ter convívio social. Para esses casos, há novidades que ajudam a manter a limpeza dos mais diferentes espaços. Priorizar a higiene e a segurança sanitária são tendências que continuarão com ou sem crise.
* Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
Muito além do álcool em gel
Máscaras, distanciamento social e higienização frequente das mãos fazem parte da nossa realidade. Entretanto, algumas empresas têm buscado um pouco mais do que isso para garantir a segurança de colaboradores e clientes. Com o propósito de ajudar nessa missão, o diretor da startup Via Parthenon e engenheiro civil Alaor Ferreira da Cruz Junior, 39 anos, desenvolveu uma máquina capaz de fazer a desinfecção de pessoas, roupas e equipamentos contra o coronavírus.
Batizado como Asespsis Machine, o equipamento em formato de cabine pode ser instalado na entrada de estabelecimentos comerciais, indústrias, espaços públicos e ambientes hospitalares. Para fazer a desinfecção, durante 15 segundos o aparato lança jatos com 1% de digliconato diclorexidina, fórmula indicada em conformidade com as especificações da NR12, norma de regulamentação para o uso seguro de máquinas e equipamentos.
Ao fim de março, Alaor começou a projetar o equipamento em casa. Cinco dias depois, em 2 de abril, começou a montagem. “A ideia veio da dificuldade que os profissionais da saúde e a população estavam sofrendo com esse inimigo invisível e da ânsia de ajudar a criar uma nova ‘arma’ contra ele”, narra o empresário, formado em administração de empresas e comércio exterior pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo) e em engenharia civil pela Estácio.
O equipamento foi certificado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que constatou a eficiência em até 99,999% na inibição da infecção viral. O criador vende o produto por R$ 36 mil. “Temos muitos vírus e bactérias maléficas circulando entre nós além do novo coronavírus. Com a Asepsis Machine, vamos combatê-los também e, assim, diminuir os custos na saúde pública. Afinal, sempre é melhor prevenir do que remediar”, justifica.
Sua empresa está pronta para voltar?
Por Antonio Carlos Vendrame, consultor técnico em assuntos de segurança e higiene do trabalho; perito da Justiça do Trabalho, civil e federal; mestre em química ambiental e ecotoxicologia; fundador da Vendrame Consultores
Vencemos tantos gigantes e, por ironia do destino, um vírus colocou o mundo de joelhos. Não só a indústria, mas, principalmente, o comércio e a prestação de serviços foram drasticamente afetados pela pandemia. E ainda temos outro desafio: o reinício das atividades em condições seguras. Crises demandam mudanças de hábito, a forma antiga terá de ser abandonada e um novo formato de trabalho deverá ser adotado.
As empresas devem se preparar, inclusive, com a adoção de planos estratégicos e de contingência. Medidas como distanciamento social e acurada higiene dos locais de trabalho são essenciais. Avaliação da temperatura corporal e realização de testes para covid-19 são necessárias para conter o contágio.
Em termos de saúde e segurança do trabalho, o ambiente deve ser continuamente avaliado quanto aos riscos químicos, físicos e biológicos, segundo o que determina a Norma Regulamentadora 9 — PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais). Anteriormente, os EPIs (equipamentos de proteção individual) satisfatoriamente neutralizavam os agentes existentes, agora, precisamos, também, das medidas de proteção individuais, coletivas e administrativas para a gestão da prevenção.
O retorno ao trabalho exige muito mais das empresas do que a obrigatoriedade do uso de máscaras, lavagem correta das mãos e uso de álcool em gel. A probabilidade do contágio aumenta à medida que o colaborador sai de seu isolamento e faz uso do transporte público, confinado em veículos e locais de grandes aglomerações nas estações.
O layout dos postos de trabalho deve ser repensado para a manutenção da distância de segurança. A ampla ventilação natural deve ser privilegiada. A limpeza das áreas precisa ser reforçada, com vários repasses diários em pontos de contato coletivo, como maçanetas, botões de equipamentos e interruptores.
Aliada às medidas de proteção, é imprescindível o treinamento, não só para instruir sobre as formas de contágio, como, também, para informar as medidas adotadas e seu cumprimento obrigatório. Outras ações administrativas incluem, por exemplo, limitar o número de pessoas em praças de café e refeitórios.
É preciso ter em mente que todas as providências elencadas anteriormente servem não somente para evitar o contágio da doença, mas, também, para preservar a empresa no caso de uma fiscalização, que, eventualmente, poderá interditar o ambiente de trabalho por risco grave e iminente à saúde dos trabalhadores.
Por isso, é importante que as companhias assegurem seus direitos, documentando todas as ações. Ao fim, sairemos mudados desta pandemia, a qual não trouxe somente mortes e o caos, mas, também, vários conceitos novos.
Novos modelos de espaço
Inaugurado no fim de julho, o Trust — Gastronomia segura é pioneiro em Brasília e no Brasil. Trata-se de um formato de restaurante que surgiu com a pandemia, tendo o intuito de proporcionar uma experiência de comer fora diminuindo ao máximo o risco de contágio. Os clientes são alojados em cabines transparentes com capacidade para até quatro pessoas, higienizadas com álcool 70%, kit anti covid-19 e luz UV. Os garçons, usando máscaras e todo o cuidado, levam os alimentos apenas até a porta da cabana.
Há ainda a opção de não ter contato nenhum com os atendentes. Nesse caso, os pedidos são feitos por aplicativo e entregues do lado de fora da cabine ou em uma bandeja especial. Inspirados por um restaurante holandês e pelas estufas canadenses que protegem as pessoas da neve, os amigos Ygor Brito e Maurício Rodrigues, ambos com 32 anos, investiram na ideia e abriram o restaurante às margens do Lago Paranoá, no Clube Cota Mil. “Buscamos essas referências e montamos do nosso jeitinho brasileiro”, diz Ygor, formado em publicidade pelo Centro Universitário Iesb.
Para Ygor, o cenário pós-pandêmico exigirá mais empenho e criatividade dos empresários. “O cliente estará mais exigente. Ele sairá de casa não só pela comida, mas por uma experiência diferenciada”, opina. O proprietário avalia que o Trust atende essa demanda.“É um restaurante que está vindo preparado para este novo mundo”, afirma Ygor. “Eu acredito que podemos ser um modelo para o Brasil”, idealiza o publicitário.
Principais tendências pós-pandemia
Diogo Forghieri, diretor de Sourceright (que terceiriza o processo de contratação de funcionários e fornecedores para empresas) da Randstad no Brasil, formado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em gestão empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV), listou os principais movimentos em curso:
Digitalização
Aceleração da transformação digital nas empresas. Quem estava com esse foco impulsionou a transformação ao longo do período de quarentena, e aquelas empresas que ainda não tinha se voltado totalmente para tal necessidade estão um passo atrás e deverão priorizar este tema, sob o risco de ficarem literalmente desconectadas do mundo dos negócios pós pandemia.
Flexibilidade
Maior flexibilidade em relação ao espaço de trabalho, levando a novos formatos de trabalho que permitam que o colaborador trabalhe, não necessariamente, presencialmente no escritório.
Compromisso com resultado
Maior autonomia traz, também, maior necessidade de modelos de gestão e controle, estabelecimento de metas, definições claras de objetivos e das entregas.
Sensibilidade interpessoal
Aumento da preocupação das empresas com as relações interpessoais e sensibilização
para as questões de vida pessoal dos colaboradores. Isto é, cada vez mais as empresas se preocuparão com os impactos da rotina de trabalho no ambiente pessoal e familiar.
Comunicação
A velocidade e a frequência nas tomadas de decisões e mudanças promovidas pelas empresas intensificaram-se vertiginosamente desde março com o estouro da crise sanitária no Brasil. Esta situação não deve se alterar e isto exige das empresas um plano de engajamento e comunicação efetivo e rápido.
Marca empregadora e impacto social
Maior sensibilidade das empresas em relação às questões sociais, inclusão social, acima de tudo, maior preocupação com os impactos de suas ações e políticas corporativas em relação à percepção do mercado sobre sua marca empregadora (employer branding) e sua proposta de valor à sociedade.
Medo do escritório: retorno dos empregados
Por Uranio Bonoldi, executivo e professor para turmas de MBA na Fundação Dom Cabral, palestrante e escritor
Com a possibilidade de flexibilização do isolamento e estabelecimentos voltando a funcionar, alguns colaboradores podem ter medo de pegar covid-19 no trabalho. Esse medo é mais comum entre as pessoas com mais idade, mas os mais jovens também podem apresentar problemas de saúde que os colocam em maior risco. Uma pessoa pode parecer perfeitamente saudável, mas ter problemas legítimos de saúde que o chefe não conhece. E o medo é uma resposta emocional, mesmo aqueles que não fazem parte do grupo de risco têm seus próprios receios e ansiedades.
Os líderes estão sendo inundados com conselhos e dicas práticas sobre como trazer os funcionários de volta ao trabalho com segurança. As instruções incluem como manter o distanciamento social no ambiente de trabalho, assepsia e uma infinidade de novas regras para a segurança dos funcionários em salas de reuniões e conferências, áreas de descanso, cozinhas e banheiros. É obrigatório disponibilizar máscaras, sabão e outros suprimentos de higienização. Mas, apenas impor regras não lidará com as preocupações e as ansiedades de deixar a segurança de casa para voltar ao trabalho.
Existem vários riscos no transporte público. Como você pode saber que a pessoa ao seu lado em um ônibus ou metrô não é uma transportadora assintomática? Quando você chega ao prédio, como fica o elevador? Que provas teremos de que alguém não está doente ou tem estado perto de pessoas que são positivas para covid-19? O que faremos se alguém ficar doente quando voltar ao trabalho?
Os chefes não podem resolver todos esses problemas, mas podem fazer muito para facilitar a volta. Eles precisam abordar essas preocupações se, realmente, quiserem que os funcionários se sintam seguros e produtivos como antes de a covid-19 fechar as portas das empresas. A comunicação e a transparência com relação aos riscos são o primeiro passo.
Em vez de ler uma lista de instruções, peça ao funcionário para sugerir medidas de segurança que o façam se sentir mais à vontade. Uma coisa é contar aos funcionários tudo o que está sendo feito para sua segurança. Outra é deixá-los expressar suas preocupações, ansiedade e medos. Você, provavelmente, terá ideias muito boas e colaborativas.
É muito provável que não vamos conseguir aliviar totalmente os medos dos funcionários, mas podemos dizer a eles que entendemos suas preocupações e que, coletivamente, somos responsáveis por nossa saúde e segurança. Essa confiança pode ser melhorada quando os empregados têm voz nas decisões que os tornarão mais seguros e produtivos no local de trabalho. Além disso, essa atitude dos líderes diante de seus colaboradores torna o ambiente de trabalho muito mais leve, colaborativo, confiável e, é claro, seguro.
Ambientes repensados
Ambientes repensados
Os restaurantes não são os únicos que precisam reformular espaços. Apesar de o trabalho remoto tornar-se constante para grande número de colaboradores, há quem prefira compartilhar a jornada com outras pessoas, muitas vezes pelo simples costume ou pela necessidade social. Para Diogo Forghieri, diretor de sourceright da empresa de RH Randstad no Brasil, a volta do convívio social, mesmo em um cenário pós-vacina, variará de acordo com cada localidade.
“O povo brasileiro é muito particular e há uma infinidade de distinções socioculturais entre as regiões do Brasil. Portanto, é mais provável que tenhamos cenários completamente distintos entre elas e os segmentos da economia”, aponta. “Sentimos que não há pressa das empresas para retomar aos espaços físicos, em especial, quando tratamos de escritórios em centros urbanos”, completa.
Segundo ele, a maior preocupação das firmas é com relação aos impactos negativos que a volta precipitada pode causar à própria imagem no mercado. Por isso, é imprescindível seguir estritamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e demais órgãos nacionais e locais. “Não há espaço para erro neste aspecto”, enfatiza.
O rumo do coworking
Há quem não abra mão de trabalhar tendo a companhia de outros, mesmo em teletrabalho. Por isso, há espaço para reabertura de coworkings quando as condições de saúde permitirem e, claro, com diversos cuidados e regras de higiene. A rede de coworking WeWork desenvolveu um plano de retomada presencial que será aplicado em todas as 828 unidades distribuídas em 38 países.
À medida que cada país flexibilizar o isolamento e retomar as atividades econômicas, os prédios da rede reabrem com design totalmente reformulado para atender as recomendações das organizações de saúde. O projeto é focado em três pilares principais: distanciamento social, limpeza e sinalização indicativa. “Para a WeWork, a saúde e a segurança de membros e colaboradores é prioridade”, assegura Lucas Mendes, diretor geral da empresa no Brasil.
Dessa forma, no que diz respeito ao primeiro pilar, serão feitos ajustes nos ambientes compartilhados. Por exemplo, os assentos serão escalonados e áreas vazias, ampliadas. Para a higienização, medidas de limpeza foram aprimoradas, com desinfecção frequente nas áreas comuns e fornecimento de produtos de higienização nas unidades. Por fim, para a conclusão do último pilar, serão afixadas sinalizações pelo espaço para reforçar o distanciamento.
Lucas Mendes explica que cada um dos locais recebeu ajustes específicos. “Nos banheiros, além de uma rotina de limpeza mais frequente, foram instalados dispensers automáticos e sinalizações lembrando a importância de lavar as mãos por tempo suficiente”, conta o diretor geral da empresa, graduado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre pela Universidade da Califórnia, Berkeley.
Para ele, a flexibilidade se tornará um valor cada vez mais importante no que diz respeito a espaços de trabalho. Lucas relata que esse é um ponto comum entre os depoimentos de gestores com quem a liderança global da empresa vem conversando. “O que todos estão priorizando neste momento é justamente a flexibilidade de trazer os funcionários de volta ao trabalho de maneira segura, respeitando, é claro, a situação de cada país ou região”, diz.
De acordo com ele, não há dúvidas de que haverá mudanças permanentes na forma como empresas e profissionais se relacionam com os espaços de trabalho no pós-pandemia. “Temos a convicção de que nada substitui o contato e as interações que ocorrem nos espaços, que, inclusive, já nos renderam muitas parcerias e negócios, mas, com certeza, teremos condições de maximizar nosso alcance, contando com as novas ferramentas que temos desenvolvido nesse período.”
Teletrabalho é apenas uma das mudanças
A adoção em larga escala do home office está entre os efeitos mais visíveis das mudanças desencadeadas pela pandemia, mas há muitas outras revoluções em curso. É o que concluíram participantes de seminário on-line promovido pelo JeffreyGroup, empresa de marketing e comunicação corporativa.
A conversa, mediada por Danilo Maeda, diretor e líder de impacto social e sustentabilidade do grupo, teve como convidados os líderes empresariais Fabiana Cymrot, vice-presidente de RH da Mastercard; Júlio César Emmert, diretor executivo de Gente da Algar Tech, e Leticia Ribeiro, sócia e líder da área Trabalhista do Trench Rossi Watanabe.
Levando em consideração as transformações decorrentes da pandemia, isolamento social e questões de higiene, os convidados abordaram assuntos como a implementação do home office, o engajamento dos colaboradores, a comunicação interna e externa e os processos seletivos virtuais, além de diversas outras tendências que já estão ocorrendo.
De fato, o exemplo mais evidente de tendência antecipada pelo coronavírus é o home office. O formato remoto foi adotado sem dificuldades pelas três empresas participantes do webinário. Uma realidade não comum a todas as firmas do país: em consenso, os convidados chegaram à conclusão de que a facilidade em implementar o modelo é consequência de políticas aplicadas desde antes da pandemia.
A flexibilidade oferecida pelo trabalho remoto fez com que a Algar Tech, multinacional especializada em relacionamento com cliente, ambiente de tecnologia e serviços de telecomunicações, conseguisse tornar a equipe mais inclusiva. Júlio César Emmert, diretor executivo de Gente da empresa, admitiu que pessoas com deficiência locomotiva, por exemplo, algumas vezes não assumiram as vagas em razão das dificuldades que tinham entre o trajeto casa/trabalho.
“Nós começamos a perceber que perdíamos muitos candidatos interessantes por essa questão. Quando olhamos para o home office, conseguimos ter maior inclusão de pessoas com deficiência”, afirma o executivo. Essa é apenas umas das vantagens que o modelo pode trazer.
Benefícios
Para Diogo Forghieri, diretor de Sourceright (que terceiriza o processo de contratação de funcionários e fornecedores para empresas) da Randstad no Brasil, a implementação do trabalho remoto, mesmo que praticamente forçada, fez com que as empresas se dessem conta de que o formato não prejudica a produtividade e o cumprimento de metas. Muito pelo contrário: percebe-se maior motivação dos colaboradores e as empresas economizam com manutenções de estrutura física, aluguel e logística.
De acordo com pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral, em parceria com a consultoria de recrutamento Talenses, o número de colaboradores trabalhando em home office aumentou de 22% para 70% desde o início da pandemia. Além disso, 72% dos entrevistados afirmaram que as empresas onde trabalham não encontraram dificuldades em implementar o formato, e 58% acreditam que, após o coronavírus, as práticas de trabalho remoto permanecerão parcialmente na rotina das companhias.
Apesar da empolgação, algumas companhias ainda encontram dificuldades para adotar o modelo remoto. Para sobreviver à crise, aqueles colaboradores que prestam serviços não ajustáveis ao home office devem adquirir habilidades relacionadas à adaptabilidade e à resiliência. “Há, também, uma tendência de valorização de profissionais com perfis polivalentes ou generalistas, prontos para atuar e contribuir às empresas além da ‘caixinha’ e da zona de conforto”, afirma Diogo Forghieri.
Lideranças que dão o exemplo
“Em momentos de crise, a cobrança por lideranças cada vez mais ativas aumenta significativamente”, refletiu Danilo Maeda, no webinário promovido pelo JeffreyGroup. “A sociedade espera que os verdadeiros líderes assumam também compromissos muito mais claros e evidentes na construção de um mundo resiliente e de uma economia à prova de crises”, observa.
Muito mais do que conduzir a diminuição dos impactos de uma crise, o bom líder deve inspirar colaboradores. É no que acredita a empresária Daniele Alves, 32 anos, gestora da oficina Eco Automotive Bosch Service, localizada em Lorena (SP). “Como líder, meu maior desafio é formar outros. Eu preciso estar disponível para servir meus colaboradores, eliminar impedimentos e trazer os melhores recursos para que eles façam o show, porque são eles os talentos da empresa”, afirma.
Ainda no início da pandemia, Daniele, que divide a liderança da empresa com o marido e sócio Júnior Alves, conta que fechou as portas por cerca de 15 dias e começou a traçar novas estratégias. Agora, quase 80% do pessoal estão de volta ao trabalho presencial, tanto os empregados da área operacional, quanto os da administrativa. Isso foi possível graças a uma retomada gradual, com organização do espaço e medidas rigorosas de higiene durante a execução do serviço.
Segundo ela, as decisões foram bem recebidas pela equipe. Daniele frisa que as soluções propostas foram particulares para cada setor e colaborador. “Como somos um time pequeno, tive a oportunidade de acompanhar isso de perto, olhando para cada caso e levando em consideração necessidades mais pessoais”, comenta a empresária, que tem formação em coaching integral sistêmico e análise de perfil comportamental pela Febracis.
Por fim, reuniões mais práticas e frequentes com colaboradores, cuidados sanitários intensos e a comodidade que os clientes adquiram com serviços virtuais são mudanças que, para Daniele, não irão embora com a pandemia. “Muita coisa não voltará a ser como era, principalmente o que facilita o nosso dia a dia”, opina.
Integração e desligamentos virtuais
Aos poucos, processos seletivos e demissões ganham um novo formato. Respeitando as medidas de isolamento social, empregadores têm buscado agilizar ambos procedimentos com a ajuda da internet. No que diz respeito às contratações, o especialista em gestão empresarial Diogo Forghieri destaca a elevação da utilização de ferramentas e plataformas digitais para seleção dos candidatos. “Percebe-se isso, acima de tudo em relação à quebra da cultura da ‘obrigatoriedade’ da entrevista presencial para tomada de decisão em relação ao profissional contratado”, acrescenta.
Sem dúvidas, sites de recrutamento on-line tornaram-se uma alternativa mais do que útil nos últimos meses. Nessas plataformas, além de cadastrar o currículo, é possível participar de diversas etapas virtuais para o cargo desejado e, em muitas delas, fazer videoconferências. Segundo Diogo, para que o andamento e a qualidade dos resultados dos processos seletivos não sejam afetados ao serem levados para o mundo on-line, os processos devem ser feitos de forma personalizada, respeitando as etapas de uma entrevista presencial.
“Hoje, diversas plataformas permitem uma interação entre RH, gestor e empregador com os candidatos, para que o processo ocorra de forma completa e com qualidade”, explica. Da mesma forma, as demissões também estão se modernizando. Com a promessa de oferecer um desligamento mais humanizado e menos burocrático, a startup Medei atendeu a mais clientes durante a pandemia. “As empresas tomaram consciência da necessidade de a demissão ser um término de relacionamento. Por isso, cada vez mais, há uma preocupação com o estado emocional deste desligamento”, explica a CEO e co-fundadora Fernanda Medei.
Formada em direito pela Universidade do Grande ABC (UniABC), com especialização em direito tributário, ela explica que a startup busca acolher o ex-funcionário e o ajuda a entender valores pagos e como sacar os benefícios sociais de forma ágil e eletrônica. Dessa maneira, a empresa que o desligou tem a chance de mostrar que está protegendo os direitos trabalhistas da pessoa e promove transparência ao processo.
“O trabalho da empresa ao desligar deve ser o mesmo da admissão: embora essa pessoa não faça mais parte do quadro de funcionários, é preciso cuidar dela. O ex-funcionário vivencia, no momento da demissão, o sentimento de luto. Se a demissão é malfeita, este sentimento pode perdurar por anos, e o ex-funcionário tem suas chances reduzidas ao tentar se recolocar no mercado”, diz.
Com certeza, tratar as demissões de forma mais humanizada é uma tendência pós-pandemia, avalia a CEO da Medei. Fernanda afirma que lidar com o fim do contrato dessa forma é, também, uma solução para proteger a reputação da empresa. “Os desligamentos conduzidos de forma equivocada são reproduzidos em redes sociais, minando a marca empregadora e consumidora da empresa”, adverte.