Paulo Gomes, 19 anos, é um dos aprovados pelo ingresso via Sistema de Seleção Unificada (Sisu) na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ex-aluno do Colégio Militar de Recife entre os anos de 2017 e 2020, ele entrou na instituição no 9º ano. Além disso, foi o primeiro estudante surdo do país a entrar em um colégio militar.
O estudante é surdo oralizado, ou seja, ele consegue se comunicar oralmente, além disso, ele faz leitura labial. Paulo também faz o uso de um implante coclear, que é uma espécie de aparelho auditivo. A surdez dele é bilateral e isto significa que sem o aparelho ele não consegue escutar nada.
“Quando eu era criança sofria muito bullying no colégio por ser surdo e ter problema de fala. Muitas vezes, não queriam me colocar em grupo por achar que eu sou ‘burrinho’. Me machucava muito, mas isso só me deixava mais forte, porque, apesar das minhas limitações, eu continuei e [agora] estou comemorando a entrada no primeiro Enem que fiz”, relata Paulo.
OBRIGADO JESUS, 1º aluno surdo do colégio militar no Brasil, E HOJE PASSEEEEEEIIIIII NA FEDERAL EM ODONTOLOGIA!!!!!!!????????????????????????
— Paulinho???????? (@paulinhogomex) April 16, 2021
História de superação
Com apenas um ano de idade, Paulo contraiu caxumba e isso causou a surdez. De acordo com a terceira edição, de 2018, do Tratado de Otorrinolaringologia, o vírus da caxumba foi reconhecido pela primeira vez como causador de surdez em 1860, desde então, foi estimado que a cada 10 mil pacientes com o vírus, cinco desenvolveram perda auditiva.
“Os médicos falaram para meus pais que eu nunca iria falar na vida, só por libras. Falou que não adiantava ir atrás de outro médico, porque não tinha solução.” Apesar disso, os pais de Paulo consultaram outros profissionais até encontrar o profissional que indicou o uso do aparelho auditivo. "Aí, fui usando, aprendendo a ouvir e a falar”, conta.
O estudante teve uma vida de muitos altos e baixos, mas isso o deixou mais forte para ir atrás dos seus sonhos. O primeiro foi o Colégio Militar, onde guarda boas lembranças. Entre elas, a que considera a mais feliz, foi o culto ecumênico – solenidade religiosa que contempla várias crenças – que ocorreu após a sua formatura da estrela, o momento em que os estudantes fazem a sua última marcha e recebem o certificado de conclusão do ensino médio.
“Foi um momento muito emocionante, eu entrando com minha mãe e meu pai, minha irmã e minha vó ali vendo eu entrando”, conta emocionado.
Outros momentos que trouxeram gratidão ao estudante foram as festas de formaturas que ele participou durante o período escolar. “Tem a formatura que é toda para marchar, cada momento foi especial, e quando marchava [sentia] um orgulho no meu coração, sabe? E, muitas vezes, em forma de gratidão, tão grande, que eu sempre agradeço a Deus por estudar naquele colégio, apesar das dificuldades que eu tive”, relata
E completa: "A cada formatura do ensino médio, aniversário do colégio, formatura da estrela, eu, com os olhos cheios de lágrimas vendo os alunos se formando, pensava: ‘Força, Paulo! Espera mais um pouco, um dia será você’.”
A vida no Colégio Militar
Quando entrou na instituição, Paulo enfrentou algumas dificuldades de adaptação, por se comunicar também por leitura labial, em alguns momentos em que os professores se viravam para anotar no quadro ou quando falavam mais rápido, se perdia parte do conteúdo. No entanto, o colégio ofereceu reforço escolar em alguns dias no período da tarde e também teve o apoio de alguns professores.
“Tem uma professora que sou extremamente grato. Ela teve paciência e me ensinou no reforço. O nome dela é tenente Débora! Sou grato [também] a dois coronéis de matemática que me ensinaram [a disciplina], o coronel Maurício e o coronel Mariano”, declara.
O estudante também fazia reforço escolar com professor particular nas tardes em que não tinha atividade no contraturno da escola. Além disso, Paulo teve o desejo de praticar esportes, mas não tinha tempo, pois ele tinha uma rotina intensa de estudos por estar focado em não ser reprovado. “Eu corria atrás para estudar cada assunto da matéria e tinha que me esforçar mais que todo mundo e me sentia o mais atrasado”, relata.
Durante o ano de 2020, o aluno continuou com a sua rotina de dedicação e foco nas disciplinas escolares. Para ele, a sua aprovação no curso de odontologia veio daí, porque o colégio passava atividades e provas que exigiam empenho dos alunos. Quando foi fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Paulo conseguiu responder o exame somente com o conhecimento que ele adquiriu na escola.
E, ao receber os resultados do Enem, ele se surpreendeu com a nota da redação por ter recebido um resultado melhor do que o esperado. O espanto de Paulo com essa nota se deu por, normalmente, alunos surdos terem dificuldade na redação.
De acordo com Paulo, a linguagem de pessoas com surdez é mais restrita por terem palavras desconhecidas. Isso ocorre por eles não escutarem no dia a dia. Assim, surdos oralizados, como ele, tem essa dificuldade e os surdos não oralizados – que se comunicam apenas por libras – acabam escrevendo com mais erros gramaticais.
“Fui o primeiro aluno surdo de todos os colégios militares do Brasil, uma grande conquista, não só para mim, mas para os surdos de todo país. [Espero] que com essa conquista também possam ser incluídos e ter essa mesma oportunidade que eu tive”, finaliza.
*Estagiária sob a supervisão da editora Ana Sá